Procuradoria diz que não cabe ao Cade fazer análise regulatória antes de ato de concentração

A AT&T e a Time Warner conseguiram uma boa notícia no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A Procuradoria Federal Especializada no Cade, que como todas as procuradorias técnicas é vinculada à AGU, emitiu no processo que analisa o ato de concentração entre as duas empresas uma manifestação contrária à tese, defendida pela Abert e pela Ancine, de que o Cade deveria analisar a aprovação concorrencial sob a luz das restrições regulatórias existentes na Lei do SeAC (Lei 12.485/2011). A legislação de TV por assinatura impede a propriedade cruzada entre empresas de telecomunicações e empresas produtoras de conteúdo.

A Procuradoria do Cade (cujo parecer está disponível aqui), entretanto, considera que as análises são separadas, tanto é que existem órgãos reguladores específicos para analisar as vedações regulatórias, inclusive quando elas têm impactos concorrenciais. "A lógica do sistema jurídico brasileiro tendeu para a formatação de reguladores de atividades de mercado a depender do interesse público envolvido (as agências reguladoras), ao mesmo tempo que previu a existência de um sistema responsável pela 'prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica' (artigo 1o da Lei no 12.529/11), cujo exercício, entre outros órgãos, se dá pelo Cade".

Para a Procuradoria do Cade, "A lógica do sistema brasileiro preza, assim, pela complementariedade de atuação: o órgão regulador atua na medida das suas atribuições legais (que podem inclusive conter a análise concorrencial de uma situação/operação no mercado) enquanto o órgão antitruste analisa basicamente a operação, comparando os mercados (anterior e posterior) e verificando se a pretensão das partes pode ou não ser autorizada sob o aspecto concorrencial apenas".

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O entendimento da PFE do Cade é o de que uma vez concluída a análise concorrencial, caberá aos órgãos reguladores analisarem a questão regulatória, caso o ato de concentração seja de fato concretizado. "A autoridade analisa e se pronuncia apenas quanto aos aspectos concorrenciais e aprova (com ou sem restrições) ou reprova a pretensão. Neste caso (reprovação), a operação não pode ser consumada. Já no primeiro caso (aprovação) a operação poderá ser posteriormente consumada ou não, seja por iniciativa das partes envolvidas (afinal, eles podem desistir do negócio) ou seja por uma vedação legal ligada a questões extra-concorrenciais, como as questões regulatórias", diz o parecer. Segundo o Cade, ainda que a Lei do SeAC de fato tenha uma preocupação concorrencial ao impor o limite à restrição de propriedade cruzada, não existe previsão legal para que o Cade para que o Cade faça a análise regulatória. "Esta inflação de competência, ademais, distanciaria a autoridade antitruste de seu dever institucional e acabaria por impactar, ou mesmo colocar em risco, a efetividade do próprio sistema de controle prévio em termos temporais (…) já que possui estrutura finita de recursos para desenvolvimento de suas atividades, potencialmente diminuindo a abrangência do controle antitruste prévio em vários mercados relevantes, em prejuízo à concorrência e, em última análise, à sociedade".

Se for mantida pela superintendência geral do Cade a mesma leitura da Procuradoria, a análise do ato de concentração fica mais simples, se limitando à análise dos dados de mercado. De qualquer maneira, a Ancine já iniciou a sua análise regulatória sobre o ato de concentração, enquanto a Anatel optou por abrir esse procedimento apenas na hipótese de o Cade aprovar o ato de concentração. Lembrando que a fusão entre Time Warner e AT&T ainda não foi aprovada nem efetivada nos EUA. Se isso não acontecer, nada acontece no Brasil.

Análise (originalmente publicada em 4 de julho)

Caso a operação apresente riscos concorrenciais, é possível que o Cade determine alguns remédios, como já aconteceu na fusão entre Sky e DirecTV em 2005, quando a News Corp (dona da programadora Fox) era controladora das empresas. O mais provável é que se exija a garantia, por parte da Time Warner, de que não haverá ofertas de conteúdos em condições não isonômicas para a Sky. Na visão de analistas que acompanham o caso, contudo, dificilmente a operação seria integralmente barrada do ponto de vista concorrencial, considerando-se que nenhuma das duas empresas envolvidas tem fatia superior a 30% nos seus respectivos mercados.

O maior risco para a fusão nesse momento é regulatório, já que a Lei do SeAC tem restrições que se aplicam diretamente ao caso.

A primeira restrição regulatória é a do artigo 5 da Lei 12.485/2011, proíbe a propriedade cruzada de empresas de conteúdos e empresas de distribuição. No Brasil, a Time Warner tem os canais Turner e a HBO, e a AT&T tem o controle da operadora de DTH Sky, além de outras empresas de telecomunicações. Estaria configurada, então, a propriedade cruzada.

Nesse caso, a tese que a AT&T e Time Warner precisam fazer prevalecer é de que a Time Warner não tem atividade de produção de conteúdo no Brasil, e que sua atuação aqui por meio dos canais Turner e HBO é apenas de representação comercial e legal. A Ancine já se manifestou refratária a esta interpretação.

Uma alternativa para contornar esse obstáculo seria designar um representante terceiro, sem nenhum vínculo societário, como responsável pelos canais Turner e HBO no Brasil, e/ou ainda estabelecer mecanismos de controle nos conselhos das empresas. Complexo, mas possível, segundo observadores.

Outro problema regulatório para a AT&T e Time Warner é que a Lei do SeAC também impede, em seu artigo 6, que uma empresa de telecomunicações detenha, direta ou indiretamente, direitos sobre conteúdos esportivos de interesse nacional. Esse é o caso do Esporte Interativo, canal da Turner que tem inclusive os direitos de alguns clubes para o Campeonato Brasileiro de 2019. Nesse caso, a interpretação dos observadores é que dificilmente haverá uma solução que não seja a separação completa do Esporte Interativo do grupo Time Warner/AT&T.

Caso prevaleçam os obstáculos, restaria à AT&T ou a hipótese de vender a Sky e suas operações de telecomunicações corporativas para alguma outra empresa, ou de tirar seus canais do Brasil. Pensar no país sem HBO e CNN pode parecer difícil, mas com a tendência de oferecer conteúdos de TV paga pela Internet (a própria AT&T tem feito isso nos EUA), estes canais poderiam passar a ser oferecidos apenas no modelo OTT.

A hipótese de venda da Sky esbarra na dificuldade de encontrar um comprador. A principal candidata é a Telefônica, mas ela tem problemas de alavancagem na Europa e não parece disposta a se endividar para um movimento desse tipo. Uma hipótese seria um swap de ativo com a AT&Ts, com a troca das operações de telecomunicações do grupo espanhol no México pela DirecTV Latin America, que controla a Sky. O problema é que para passar os seus ativos de telecom no México para a AT&T a Telefônica dependeria de um complicado processo de aprovação concorrencial naquele país. Sabe-se que esta hipótese já foi conversada informalmente entre os grupos.

Ultimamente, contudo, a Vivo tem dado sinais de que tirou o foco da estratégia de DTH no Brasil, e o serviço tem apresentado perdas de base sucessivas. O foco da empresa é declaradamente em fibra, IPTV, caminhando para o OTT no futuro. Mas incorporar os mais de 5 milhões de assinantes da Sky aos seus cerca de 1,7 milhão de clientes em TV paga traria à Vivo custos de programação significativamente mais baixos.

Uma terceira hipótese é um possível interesse da Echostar/Dish no Brasil. A empresa do bilionário Charles Ergen já tentou entrar no país em 2012, mas esbarrou em dificuldades de amarrar parcerias. Oi, Vivo e GVT negociaram, e com todas quase se chegou a um entendimento com a Dish, sempre rompido na última hora. Hoje, a Dish perde base constantemente nos EUA e pode se interessar em um movimento de internacionalização. Além disso, a empresa tem no Brasil um satélite ocioso para DTH, uma posição orbital excelente, uma outorga de TV paga e a operação de banda larga via satélite em banda Ka da HughesNet.

Poucos apostam, nesse momento, em uma complexa operação de fusão entre Oi, TIM e Sky, mas esse é um cenário que pode ganhar força a partir de setembro, quando ficará mais claro o futuro da Oi com o processo de reestruturação judicial.

1 COMENTÁRIO

  1. A procuradoria do CADE está coberta de razão. O órgão deve se limitar à análise concorrencial. Isso não significa, contudo, que não haja vedação legal à compra da Sky pela AT&T. Ela existe e está bem clara nos artigos 5° e 6° da Lei 12.485. Mas quem deve fazer cumprir essa vedação legal são as duas agências reguladoras (Anatel e Ancine). Deveria ser simples e óbvio, apesar do jeitinho que se está construindo…

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