O ESG, regulação e os ODS da ONU: férteis possibilidades de terras inexploradas

Alexandre Freire, conselheiro da Anatel

Muito se tem debatido sobre como as entidades submetidas à ação fiscalizatória das instituições governamentais, particularmente a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, devem ser sancionadas.

Embora o número de procedimentos sancionadores conduzidos pela agência tenha diminuído nos últimos anos, é importante ressaltar que existe uma relação direta entre o valor das multas arbitradas e a propensão à judicialização. Em outras palavras, casos que envolvem multas mais elevadas são frequentemente contestados judicialmente[2]. Esse cenário indica a existência de um notável estado de litigiosidade nos procedimentos sancionadores conduzidos por essa autarquia regulatória, especialmente quando se considera apenas o valor das multas aplicadas.

É fundamental destacar que, mesmo diante do debate estritamente jurídico que norteia a aplicação do Direito Administrativo Sancionador, a aplicação de sanções pela Anatel está fundamentada em falhas das prestadoras de serviços tanto em relação aos consumidores quanto a terceiros cuja repercussão vai além desse Direito propriamente dito. Isto é, além desse contorno jurídico, há uma falha ética das prestadoras com relação a esses indivíduos.

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Regulação e compliance

Nesse cenário, emerge uma discussão relacionada à importância de se enfatizar a conformidade regulatória com as práticas de ESG (Environmental, Social and Governance) por parte das entidades reguladas. Principalmente considerando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030[3] da Organização das Nações Unidas (ONU), torna-se crucial compreender a interligação e a complementariedade entre a regulação e o compliance ESG.

Nos sítios eletrônicos de relações com investidores das operadoras com capital listado no Brasil, como a Telefônica S.A. e TIM S.A., encontram-se diversas iniciativas ESG nos relatórios ali disponibilizados.

No relatório de sustentabilidade em que elenca as ações desenvolvidas em 2022[4], Telefônica S.A. manifestou preocupação em relação à relevância de suas ações tanto para a solidez do crescimento de longo prazo da empresa quanto para os impactos de suas atividades na sociedade e no meio ambiente. O relatório aborda diferentes áreas, como cibersegurança, proteção da privacidade, promoção da ética e competitividade, gestão de riscos, gestão ambiental e mudanças climáticas, entre outros relevantes.

Um destaque nesse cenário é a emissão de debêntures pela prestadora, atreladas ao cumprimento de metas sociais e ambientais. Dentre essas, mencionam-se a redução de 40% nas emissões diretas de gases de efeito estufa em relação ao ano de 2021, além do compromisso de alcançar um mínimo de 30% de pessoas negras ocupando cargos de liderança na empresa.

Além disso, o relatório enfatiza, em diversas ocasiões, a adesão aos ODS da ONU.

 Embora essas iniciativas sejam louváveis e meritórias, o relatório não demonstrou uma preocupação tão acentuada em relação à promoção de medidas de compensação para fatos que denotem alguma falta ética junto ao usuário do serviço e que se encontrem em apuração na Anatel[5].

A TIM S.A., por sua vez, em seu Relatório ESG para o ano de 2022[6], destacou a importância de aprimorar seus parâmetros de materialidade para garantir uma atuação responsável e sustentável. Além disso, apresentou diversas ações em esferas de atuação como, Inovação e tecnologia; Inclusão Digital e Conectividade; Saúde, Bem-Estar e Segurança; Transparência e Relacionamento com os Públicos Prioritários. Essas ações foram pensadas com base nos ODS, à semelhança de Telefônica S.A.

Foram notadas, ainda, diversas iniciativas voltadas à promoção da diversidade e à neutralização da pegada de carbono de suas atividades.

Em relação à conformidade regulatória, o relatório aborda brevemente casos de possíveis descumprimentos das normas e regulações expedidas pela Anatel[7].

Com base nisso, é possível considerar que regulador e regulados devem dar um passo adiante na evolução da adesão aos ODS.

Para  além de uma abordagem adversarial no procedimento sancionador, nota-se que regulador e regulados possuem propósitos alinhados no que diz respeito ao cumprimento das metas estabelecidas pelos ODS. Com isso, surge uma oportunidade significativa para explorar de forma mais eficiente as possibilidades que essa convergência pode proporcionar.

Ainda que se notem relativamente poucas referências a procedimentos sancionadores nos relatórios mencionados, denota-se, à primeira vista, que isso se deve muito mais a alguma carência de compreensão apropriada dessas possibilidades ainda não prospectadas do que à dificuldade de diálogo entre os diversos stakeholders.

Agenda conjunta

Quanto a esse ponto, é fundamental buscar a construção de uma agenda conjunta e compartilhada, tanto no âmbito normativo quanto nos casos individualizados, especialmente nas discussões relativas à implementação de obrigações de fazer. Essa abordagem experimental tem o poder de oferecer soluções inovadoras para promover a implementação dos ODS mencionados. Por sua vez, caso se argumente que essa experimentação possa trazer algum risco, anota-se que a Anatel e as entidades reguladas já dispõem da devida maturidade institucional e de diversos instrumentos de controle para o seu adequado manejo.

E, nesse sentido, é possível apresentar algum inventário inicial de medidas que podem ser aperfeiçoadas e implementadas para melhor implementação dos ODS em referência.  Entre elas, destacam-se ações que fortaleçam o relacionamento das prestadoras com os seus consumidores que se encontrem em situação de vulnerabilidade, oferecendo melhores condições de serviços para pessoas nessas circunstâncias. Além disso, é necessário considerar a implementação de medidas que reforcem a segurança cibernética dos consumidores e a qualidade urbanística das cidades em geral.

De forma exemplificativa, deve-se ressaltar o avanço normativo representado pela recente aprovação de proposta de Resolução Conjunta que tem como objetivo primordial promover a racionalidade no compartilhamento de postes entre prestadoras de serviços de telecomunicações e distribuidoras de energia elétrica. Tal medida busca solucionar de maneira efetiva um problema recorrente: o mau uso da infraestrutura de fixação da fiação, o que tem desencadeado uma série de consequências indesejadas nas cidades.

Essas consequências estão diretamente associadas a diversas externalidades negativas, que impactam na qualidade do meio ambiente urbano e afetam a vida das pessoas. Os acidentes ocasionados pela presença de fios soltos nas ruas são frequentes e colocam em risco a integridade física dos cidadãos. Além disso, a falta de uma estrutura eficiente compromete a funcionalidade das redes de distribuição de eletricidade e de telecomunicações, que são cada vez mais essenciais numa economia voltada para o digital.

Ao adotar essa medida, a Anatel demonstra seu compromisso em seguir as orientações internacionais relacionadas ao conceito de ESG, como os ODS e as Diretrizes do Marco de Sendai 2015-2030, cujos objetivos compreendem uma administração adequada dos riscos de desastres e a promoção de uma reconstrução eficiente caso elas ocorram.

 Nesse sentido, é fundamental incentivar a criação de cidades resilientes[8], mais especificamente, pela utilização regular, adequada e eficiente da faixa de infraestrutura disponível nos postes para possibilitar o provimento dos serviços de telecomunicações.

Além disso, é possível obter inspiração a partir do recente Guia de Boas Práticas de Relacionamento com os Vulneráveis, lançado pela Federação Brasileira dos Bancos[9]. Neste guia, foram consolidadas diversas rotinas adotadas por fornecedores do setor, abordando temas como proteção contra o endividamento, educação e inclusão financeiras, com foco nos públicos vulneráveis.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem como objetivo incentivar uma conduta empresarial responsável[10]. Para alcançar esse objetivo, a OCDE recomenda a implementação de diversas medidas, que vão desde a simplificação da comunicação com o consumidor até a garantia de saúde e segurança.

Conclui-se, assim, que há um ambiente propício para o desenvolvimento do diálogo que crie sinergias na aplicação de sanções regulatórias com o cumprimento de metas ESG, pois existe um claro alinhamento de interesses entre a agência e as empresas reguladas. Porém, é necessário buscar consensos, com o devido desenvolvimento das análises de materialidade das diversas soluções possíveis, num cenário em que a Anatel, as companhias e os demais stakeholders contribuam, de forma transparente e ética, para entregas alinhadas com os seus diversos planejamentos estratégicos e com os resultados esperados tanto pelos seus acionistas, no caso das companhias, como pelo cidadão, no caso da Anatel.

Sobre o Autor: Alexandre Freire é Conselheiro Diretor da ANATEL, Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicação Digital e Inovação Tecnológica da ANATEL – CEADI. Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

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Referências

[2] Cf. BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Dados Abertos. Multas Constituídas. Disponível em: https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/arrecadacao/multas-constituidas. Acesso em: 25 jun. 2023

[3] ONU. Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. 2023. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 14 abr. 2023.

[4] Disponível em: https://ri.telefonica.com.br/pt/documentos/2908-Relato-Integrado-2022.pdf.

[5] O relatório, na pág. 157, apresenta as seguintes considerações, denotando que não é o seu escopo principal o cumprimento de normas e regulações: "A preparação e apresentação das informações e indicadores não financeiros seguiu as definições da base de preparação elaborada pela Companhia e as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI-Standards), portanto, as informações apresentadas no Relato Integrado 2022 não possuem o objetivo de assegurar o cumprimento de leis e regulações sociais, econômicas, ambientais ou de engenharia. Os referidos padrões preveem, entretanto, a apresentação e divulgação de eventuais descumprimentos a tais regulamentações quando da ocorrência de sanções ou multas significativas. Nosso relatório de asseguração deve ser lido e compreendido nesse contexto, inerente aos critérios selecionados e previamente mencionados neste parágrafo."

[6]Disponível em: https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/4c4aa51f-1235-4aa1-8b83-adc92e8dacc3/6399e2d7-79f2-f7a3-5e0a-bcd47c003054?origin=1.

[7] Nos termos dá página 45 Relatório: "Foram contabilizados também 21 casos significativos de processos no âmbito da Anatel, relacionados a não conformidade com regulamentos, sendo que 15 casos resultaram em multas aplicadas, que estão sendo recorridas, duas sanções não monetárias e quatro casos encerrados no ano, com pagamento no montante de cerca de R$ 810 mil".

[8] Cf. GERMAN CENTRES FOR RESEARCH AND INNOVATION (DWIH). The Resilient Society. 2023. Disponível em: https://www.dwih-netzwerk.de/en/dwih-focus-topics/the-resilient-society/. Acesso em 23 de out. de 2023.

[9] Disponível em: https://cmsarquivos.febraban.org.br/Arquivos/documentos/PDF/BoasPraticas_2023.pdf

[10] OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Líneas Directrices de la OCDE para Empresas Multinacionales sobre Conducta Empresarial Responsable. Paris: OECD Publishing, 2023.

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