Especialistas do setor de direitos digitais também se manifestaram sobre o caso que envolve Elon Musk e sua disputa com o poder Judiciário brasileiro. Entre eles, o debate da regulação das plataformas se faz necessário.
Flavia Lefèvre, advogada especialista na área e na cadeia de telecomunicações, diz que este é o momento de se discutir o projeto de lei 2.630/2020, que agora voltará a ser analisado por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados.
"É necessário reabrir os debates do PL 2630, especialmente quanto aos artigos incluídos depois das diversas audiências públicas, sobre dever de cuidado e rever também o problema da imunidade parlamentar. Elon Musk nunca escondeu que era contra a moderação de conteúdo. Assim que passou ao controle do Twitter, restabeleceu a conta do Trump", diz a advogada.
Ela também afirma que os ataques de Musk ao ministro do STF (e presidente do TSE) Alexandre de Moraes seria uma espécie de "reação" à mudança de postura das autoridades brasileiras quanto à responsabilização das big techs por temas como desinformação e discursos ilegais com danos graves às nossas instituições e à democracia.
A advogada, que já foi do Comitê Gestor da Internet, chama a atenção para o fato de Elon Musk ser dono da Starlink, que hoje opera no Brasil, sendo a empresa de conexão que mais cresce em número de clientes. "Musk tem cacife para dobrar a aposta, inclusive porque hoje seus satélites garantem milhares de conexões na região amazônica. O debate sobre soberania digital nunca esteve tão aceso", afirmou.
Paradigma
A advogada Patricia Peck, CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados, diz que hoje vivemos um paradigma complexo: o exercer a liberdade de expressão de um lado, e, por outro, uma sociedade tecnológica e algorítmica, havendo entre eles uma interdependência, tanto do Estado como da sociedade civil, das empresas de tecnologia que hoje detêm um grande poder econômico.
"O exercício da liberdade de expressão é feito com responsabilidade. Não é uma liberdade ilimitada, porque nós temos, inclusive no Brasil, com a Constituição Federal, pelo artigo 5º, inciso 4º, ali uma garantia de liberdade, mas que não seja anônima, ou seja, eu falo o que eu penso, respondo pelo que eu disse. E apenas com a colaboração das big techs, das plataformas digitais, vai ser possível desenvolver uma sociedade digital, do hoje e do futuro, que seja ética, segura e sustentável", afirma a advogada.
Ela também questiona se as atuais propostas que estão sendo discutidas para regular as plataformas no Brasil atendem ao que realmente interessa.
"Mas a regulamentação é o PL que nós tínhamos da fake news? Ou é um PL que possa trazer uma participação responsável de todas as big techs, das empresas de tecnologia? Porque todos os setores de indústria, todos os setores produtivos, têm alguma responsabilidade no seu processo industrial. Foi assim desde a época do petróleo, na época das siderúrgicas, da eletricidade e com toda certeza nós estamos vivenciando essa corrida na Internet. Bate na porta algum nível de regulamentação para a gente ter padrões mínimos a serem seguidos por todos", destacou.
Local adequado
Já Paulo Rená, advogado e doutorando em Direito da Universidade de Brasília (UnB), chama a atenção para o fato de que atualmente o Brasil está com debates no Congresso Nacional e ações de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, além dos inquéritos e a regulação do processo eleitoral que tratam de diversos aspectos sobre moderação de conteúdos e responsabilização de plataformas. "Essas questões exigem debates maduros, e não ameaças pueris", ponderou.
Ele também destaca que o Brasil possui meios jurídicos legítimos para decisões judiciais serem questionadas, mas "xingar" muito no X (antigo Twitter) não é um deles. "O assunto é sério e não combina com essa postura de Elon Musk", afirmou.