Após mais de dois anos de discussões e apesar de ameaças do partido republicano de tentar adiar a decisão, o governo norte-americano aprovou nesta quinta-feira, 9, a proposta da comunidade multissetorial para a transição das funções da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), órgão que trabalha nas funções técnicas do sistema de nome de domínio (DNS) da Internet. A secretaria de telecomunicações do departamento de comércio dos EUA (NTIA) anunciou que a proposta atende a todos os critérios e princípios técnicos para a privatização da tutela da entidade. Além disso, um painel de especialistas em governança da Internet revisou de forma paralela a documentação e concluiu que "está consistente com princípios sólidos de boa governança".
A proposta foi submetida pela comunidade internacional em março deste ano propondo substituir a tutela das funções da IANA para o modelo multissetorial no qual os acordos entre clientes e operadores dessas funções técnicas fossem realizados diretamente, especificando termos para manutenção de desempenho. Além disso, estabelece provisões para melhorar a "prestação de contas" (accountability) da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), com quem a NTIA tinha contrato para executar as funções da IANA, à comunidade multissetorial, como o poder de impor à diretoria da ICANN garantias para que ela se mantenha focada e limitada em sua missão técnica.
"O plano desenvolvido pela comunidade vai fortalecer a abordagem multissetorial que ajudou a Internet a crescer e prosperar enquanto mantém a estabilidade, segurança e abertura com a qual os usuários pelo mundo dependem hoje", afirmou em comunicado o secretário de comunicações e informação da NTIA, Lawrence Strickling. A entidade alega que a transição ajudará o setor privado a tomar decisões relacionadas ao aspecto técnico da Internet. Naturalmente, ajudará também os EUA, já que acaba com a justificativa de "alguns governos estrangeiros" de que o DNS deveria ser liderado justamente por governos.
Há ainda trabalho a fazer no processo de transferência de tutela. A NTIA diz estar procurando os stakeholders, incluindo equipe e líderes do Congresso norte-americano, para garantir que estejam todos cientes da proposta e da aprovação. Além disso, a ICANN e a companhia de segurança (contratada pelo governo dos EUA) Verisign precisam completar os testes técnicos da mudança operacional mantendo a integridade das funções.
Após essa etapa, a ICANN deverá estabelecer os acordos para a prestação de contas operacional e expectativas de desempenho das funções da IANA, como acordo de nível de serviço (SLA). Precisa ainda definir os requisitos de estruturas da comunidade, como a IANA pós-transição, o comitê permanente de cliente e o comitê de revisão de melhoria da zona-raiz. A entidade tem até 12 de agosto deste ano para repassar um planejamento à NTIA que funcione até o dia 30 de setembro, quando expira o contrato das funções da IANA. Até por isso, a transição só poderá ocorrer após essa data.
Embates políticos
Foi exigido que a tutela ficasse necessariamente com a administração de um modelo multissetorial, mantendo a estabilidade, segurança e resistência do sistema. Também era necessário atender às "necessidades e expectativas" de clientes globais e parceiros de serviços da IANA. Além disso, até para acalmar críticas que acusavam a administração Barack Obama de colocar a Internet nas mãos de outros países (especialmente China e Rússia), não seria possível substituir o papel da NTIA – por si só, uma secretaria do governo dos EUA – por uma solução liderada por outro governo ou organização intergovernamental.
A proposta de transição para a comunidade internacional foi um dos grandes pilares ainda na época da formação do NetMundial, que aconteceu em abril de 2014, em São Paulo. Com a grande mobilização em torno do assunto, a ICANN anunciou com a NTIA em março daquele ano que executaria a privatização, desde que atendidas as exigências. Inicialmente prevista para setembro do ano passado, quando vencia o contrato com a NTIA, a proposta de transição levou um ano a mais para ficar pronta, mas enfim, foi aprovada. Vale lembrar, inclusive, que durante esse processo, em março deste ano, o ex-presidente da ICANN, Fadi Chehadé, chegou a acusar o Brasil, um dos países com voz mais ativa no processo de governança da Internet com modelo multissetorial (baseado na experiência bem sucedida do Comitê Gestor da Internet – CGI.br), de querer instituir o controle governamental da IANA. A declaração gerou mal estar com a delegação brasileira e, em seguida, uma retratação de Chehadé.