Por uma política de Segurança Nacional para a infraestrutura de cabos submarinos

Vicente Aquino e Alexandre Freire, conselheiros da Anatel

Numa era dominada pela conectividade digital, o papel dos cabos submarinos para conectar os países é essencial. Esses cabos submarinos formam a espinha dorsal do tráfego de dados intercontinental. Tais cabos fazem parte da infraestrutura crítica do Brasil, definida como instalações, serviços e bens que, se forem interrompidos ou destruídos, provocarão sério impacto social, econômico, político, internacional ou à segurança nacional.

Os cabos submarinos, muitas vezes escondidos sob os vastos oceanos, são os elos invisíveis do nosso mundo interligado, viabilizando ligações cruciais entre continentes e permitindo o fluxo contínuo de dados através das fronteiras. Estas ligações subaquáticas transportam 99% do tráfego de telecomunicações mundial.

No entanto, a sua importância estratégica os torna suscetíveis a uma série de ameaças, desde danos acidentais até sabotagem intencional e espionagem cibernética. Reconhecendo esta vulnerabilidade, torna-se imperativo que o Brasil implemente de maneira efetiva a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas e promova a efetiva gestão desses ativos a fim de evitar ou reduzir de maneira significativa os riscos de interrupção do fluxo de dados entre o Brasil e os demais países. O recente caso da construção de uma usina de dessalinização na Praia do Futuro, em Fortaleza, no Ceará, ilustra a ausência de uma política de segurança nacional para os cabos submarinos e o desafio em permitir o desenvolvimento da região sem pôr em risco o funcionamento dos cabos submarinos ali instalados, que concentram boa parte da conexão internacional de dados com EUA, Europa e África. Com a construção dessa usina, há o risco de haver rompimento dos cabos com a vibração da água caso os dutos da usina não estejam a uma distância segura desses cabos. Além disso, o aumento da demanda por internet no país deve resultar no aumento considerável de cabos submarinos instalados nos próximos anos.

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Há várias implicações de segurança associadas à infraestrutura crítica dos cabos submarinos. Por exemplo, quem controla essas linhas detém significante poder devido à crescente importância dos dados como ativo estratégico. Além dos danos causados por causas naturais, a ameaça de danos intencionais e maliciosos é real devido ao aumento do volume de dados e dependência do armazenamento em nuvem.

Outro ponto é que o crescimento da computação em nuvem e do trabalho remoto, intensificado pela pandemia COVID-19, contribui para o aumento da sensibilidade dos dados. No entanto, a segurança, muitas vezes, não é prioritária na gestão da infraestrutura de cabos, controlada por uma variedade de empresas com diferentes focos. A competição entre os EUA e a China na indústria de cabos submarinos, especialmente no Indo-Pacífico, destaca a importância estratégica dessa infraestrutura.

Mitigação de riscos

Diante desses desafios, é fundamental identificar alternativas para mitigar os riscos de segurança, como colaboração com nações parceiras e com o setor privado para promover compartilhamento de inteligência, avaliações de risco, padrões de segurança, monitoramento, reparo e planos de contingência. Além disso, a necessidade de proteções mais robustas no direito internacional é ressaltada como crucial para salvaguardar a resiliência da infraestrutura global de cabos submarinos, protegendo contra espionagem e interrupções que possam comprometer a segurança econômica e nacional.

O Brasil tem editado normas para promover a segurança e a resiliência das infraestruturas críticas do País e a continuidade da prestação de seus serviços. O grande desafio é cumprir o que já está disposto nesses normativos. Nesse sentido, a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética (Decreto nº 10.222/2020) foi um passo importante com o estabelecimento do objetivo estratégico de elevar o nível de proteção das Infraestruturas Críticas Nacionais. Da mesma forma, a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas – PNSIC (regulamentada pelo Decreto nº 9.573/2018) foi importante, estabelecendo os seguintes instrumentos para sua efetivação: I – a Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas; II – o Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas; e III – o Sistema Integrado de Dados de Segurança de Infraestruturas Críticas.

Com relação às atribuições da Anatel relacionadas à Infraestrutura Crítica de Comunicações, a aprovação do Regulamento de Segurança Cibernética Aplicado ao Setor de Telecomunicações (Resolução nº 740/2020) foi um passo adicional para enfrentar os desafios de segurança associados aos cabos submarinos. Esse regulamento fornece um quadro de conduta e procedimentos para melhorar a segurança nas redes e serviços de telecomunicações, inclusive a proteção dos cabos submarinos. O Regulamento estabelece, ainda, um modelo de governança por meio do Grupo Técnico de Segurança Cibernética e Gestão de Riscos de Infraestrutura Crítica (GT-Ciber).

Outra ação em andamento é a proposta da Política Nacional de Cibersegurança (PNCiber), que terá a finalidade de orientar a atividade de segurança cibernética no País. Dentro dos princípios delineados na proposta, inclui-se a prevenção de incidentes e ataques cibernéticos, com especial atenção àqueles dirigidos contra infraestruturas críticas nacionais e serviços essenciais.

Ações estratégicas

Considerando os normativos vigentes e as melhores práticas globais, o Brasil deve implementar uma série de ações estratégicas, com a participação dos diversos órgãos governamentais e empresas do setor, para fortalecer a segurança de sua infraestrutura de cabos submarinos, especialmente:

  1. Vigilância e Patrulha Marítima: reforçar a vigilância marítima para detectar e prevenir potenciais ameaças aos cabos submarinos;
  2. Cooperação Internacional: promover a colaboração com outras nações e operadoras de cabo para compartilhar informações e recursos na proteção de cabos submarinos;
  3. Parcerias Público-Privadas: envolver-se com empresas privadas que operam cabos submarinos para promover práticas de segurança e investir em tecnologias avançadas de monitoramento, aprimorando a qualidade das informações sobre capacidade e quantidade de dados trafegados nos cabos submarinos no Brasil;
  4. Auditorias de segurança e monitoramento contínuo: realizar auditorias regulares para avaliar a eficácia das medidas de segurança e identificar áreas que precisam de maior atenção, além de estabelecer sistemas de monitoramento contínuo para identificar e responder rapidamente a ameaças potenciais;
  5. Medidas de segurança cibernética: implementar medidas robustas de segurança cibernética para proteger contra ataques cibernéticos que comprometam a integridade dos cabos;
  6. Criptografia de dados: garantir criptografia robusta para proteger os dados transmitidos por cabos, propiciando uma comunicação segura;
  7. Firewalls e proteção contra malware: utilizar firewalls e software para proteger os sistemas contra ameaças cibernéticas;
  8. Estudos de resiliência: fundamental para garantir a segurança e a estabilidade da infraestrutura crítica de comunicações no Brasil, salvaguardando a integridade dos serviços essenciais e contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país;
  9. Diversificação e redundância de rotas: investir em rotas alternativas e em redundâncias para minimizar o impacto das interrupções de cabos;
  10. Isolamento de rede: segmentar as redes para limitar o acesso, evitando que o comprometimento de uma parte afete todo o sistema;
  11. Resposta rápida a incidentes: desenvolver protocolos de resposta rápida a incidentes para prontamente mitigar danos ou interrupções;
  12. Educação e conscientização: promover a conscientização sobre a importância estratégica dos cabos submarinos tanto para o público em geral como para o corpo técnico envolvido em sua operação;
  13. Revisão da Legislação: atualizar e fortalecer regularmente a legislação relacionada à proteção de cabos submarinos, impondo penalidades rigorosas para atividades ilícitas, sem prejuízos de outras medidas não sancionatórias de cunho responsivo; e
  14. Indústria nacional: avaliar a viabilidade em se estimular a entrada do Brasil no mercado de cabos submarinos de longa distância.

Concluindo, a necessidade de uma política nacional que considere os cabos submarinos como parte da infraestrutura crítica do Brasil não é apenas uma questão de prudência tecnológica; é um imperativo estratégico. Como uma nação que prospera com base na conectividade e no avanço tecnológico, é fundamental salvaguardar estas linhas.

As iniciativas do governo, juntamente com as medidas proativas aqui descritas, contribuem para uma estrutura robusta que garanta a segurança e a resiliência da infraestrutura de cabos submarinos do Brasil. Ressalta-se que estas ações contribuem diretamente com o Objetivo 9 da Agenda 2030, que consiste em construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação, além de se encontrarem em alinhamento com os Marcos de Sendai para a resiliência de infraestruturas críticas. Numa era em que informação é poder, proteger os canais que facilitam o seu fluxo não é apenas uma escolha, mas uma responsabilidade, principalmente para a Anatel, que tem por propósito conectar o Brasil para melhorar a vida de seus cidadãos.

*- Sobre os autores: Alexandre Freire é Conselheiro Diretor da ANATEL Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovação Tecnológica da ANATEL – CEADI. Presidente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da ANATEL. Visiting Scholar at the Goethe Universität Frankfurt am Main's Faculty of Law. Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR. Vicente Bandeira Aquino Neto é Membro do Conselho Diretor da Anatel, Presidente do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (GAPE), Presidente do Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (CDUST), Presidente do Grupo de Trabalho de Redes Comunitárias (GT-RCOM) e Vice-Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicação Digital e Inovação Tecnológica da ANATEL – CEADI. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza e doutorando em Ciências Políticas Avançadas pela Universidade de Lisboa. As opiniões expressas pelos autores não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

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