Debate do 'fair share' esquenta entre operadoras e grandes plataformas

Futurecom 2023

Iniciada em São Paulo nesta terça-feira, 3, a Futurecom 2023 teve seu primeiro dia marcado por um intenso debate entre representantes das cadeias de telecom e plataformas digitais em torno do chamado "fair share" – o pleito das operadoras para que as big techs contribuam com os investimentos em redes – ou do chamado network fee, taxa de uso da rede, como as empresas de Internet preferem se referir à proposta das teles. 

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Vista como uma forma de assegurar as demandas inevitáveis de investimento em rede, a proposta das operadoras de telecomunicações foi discutida pela Conexis (entidade que agrega as principais operadoras do País), pela TelComp (das prestadoras de média porte) e pela câmara e-net – que tem em sua composição relevantes big techs, como Google, Facebook, TikTok e X (antigo Twitter). Na ocasião, o representante do órgão, Tomás Paiva, subiu o tom contra a possibilidade de cobranças para grandes geradores de tráfego.

Segundo o advogado, o arranjo representaria uma espécie de "Bolsa Família", ou uma "telebolsa" para um pequeno grupo de prestadores de telecom e uma tentativa de "socialização de lucros", sem contrapartida de socialização dos investimentos em inovação. "O setor de telecom tem relevância ímpar, mas é fato que é bastante conservador em termos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Isso quem faz é a indústria de equipamentos e as empresas OTTs", declarou Paiva.

Ainda segundo o representante da câmara e-net, as grandes plataformas de Internet já seriam responsáveis hoje por grandes investimentos de rede, seja na forma de data centers, CDNs ou cabos submarinos. Com uma eventual obrigatoriedade de remuneração para novos investimentos em infraestrutura, a entidade também vê risco de reversão dos valores para o lucros dos acionistas das empresas de telecom. 

A associação do ecossistema digital não vê sequer o tema na alçada regulatória da Anatel, mas do Congresso. "Temos opções legislativas que foram tomadas e que devem ser prestigiadas. Elas podem ser rediscutidas, mas a questão é onde", observou Tomás Paiva, no principal evento da cadeia de conectividade brasileira.

Operadoras

Os argumentos da câmara e-net foram rebatidos pelo presidente executivo da Conexis Brasil Digital, Marcos Ferrari. "Chamar de Bolsa Família não faz o menor sentido", afirmou o dirigente, relembrando investimentos de praticamente R$ 40 bilhões ao ano da cadeia de telecom brasileira.

O resultado, porém, seriam taxas médias de retorno do investimento de 7%, ao passo que as big techs teriam o indicador na casa dos 30%. Ao mesmo tempo, 50% do tráfego suportado pelas redes seria gerado por seis grandes empresas digitais, em patamar que chegaria a 80% no caso das redes móveis. "É uma questão econômica que nós, gentilmente, estamos chamando todos para a mesa para conversar", indicou Ferrari. 

Segundo o presidente da Conexis, um arranjo ideal se aproximaria de uma regulação similar para todos. "Quem está sendo mais prejudicado vai ser menos prejudicado e quem está sendo beneficiado vai ser menos beneficiado", argumentou Ferrari – que também indicou interesse da cadeia de telecom na possibilidade de priorizar determinadas aplicações.

"Com a chegada do 5G e o grande impacto na sociedade com a revolução na indústria, educação e saúde, há várias transformações extremamente importantes que não podem ser prejudicadas pela ocupação das redes por meia dúzia de empresas onde há dúvida sobre os benefícios sociais. É melhor liberar banda para cirurgias remotas do que para vídeos do TikTok", afirmou o presidente executivo da Conexis.

Provedores regionais

Em uma posição intermediária no debate esteve a TelComp, representada pelo seu presidente do conselho, Thomas Fuchs. Mesmo defendendo a cadeia de telecom dos argumentos de pouca inovação levantados pela câmara e-net, o dirigente (que também comanda a operadora Datora) recordou que pequenos provedores têm reservas com a ideia do fair share.

Um ponto crucial seria como operacionalizar a possível remuneração de rede das big techs dentre o universo extremamente pulverizado de operadoras de banda larga do País. "As grandes operadoras podem sentar e negociar, mas e as pequenas operadoras, como vão receber? Isso pode gerar distorção muito grande", indicou Fuchs.

De maneira geral, um primeiro passo indicado pela TelComp seria a revisão de políticas de gratuidade de dados (zero rating) praticadas pelas teles para aplicativos populares. Segundo ele, arranjos comerciais do gênero poderiam corresponder a 30% do tráfego gerado na rede das empresas móveis, com uma extinção do modelo podendo obrigar as grandes plataformas de Internet a negociarem novos termos. 

Em paralelo, Fuchs também questionou a impossibilidade de se cobrar serviços de telecom fixos pelo modelo de consumo, como ocorre com utilities como gás, luz e energia. "Telecom é finita. Se as operadoras investem e não têm o retorno adequado, uma hora elas não vão mais investir, a estrada vai entupir e ninguém anda", ilustrou o dirigente da TelComp. A Anatel, contudo, não indica trabalhar com a revisão das regras que impedem o modelo de franquias na banda larga fixa, segundo seu presidente, Carlos Baigorri. 

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