O setor de telecomunicações vem se comprometendo cada vez mais com a agenda de sustentabilidade, responsabilidade social e governança corporativa (ESG, na sigla em inglês). Em tempo, esse comprometimento deve continuar a crescer a partir de melhorias nos processos de atuação do setor público e privado.
Durante evento realizado pelo Machado Meyer Advogados nesta segunda-feira, 29, em São Paulo, esse foi o grande mote das discussões. Sócia do escritório na área de infraestrutura com especialização em telecomunicações, mídia, tecnologia, conteúdo e aplicações, Milene Coscione avalia que o tema ganhou prioridade entre as empresas e também na Anatel.
"Não é que as operadoras e os agentes desse mercado não tivessem ações de ESG, políticas e iniciativas, mas agora a Anatel passou a olhar para isso no setor e estimular que as operadoras desenvolvam essas iniciativas internamente. Isso é muito bacana, porque as operadoras de serviços de telecomunicações têm um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade e todos os agentes desse ecossistema passam a ser incluídos", defende Coscione .
No caso do órgão regulador, um dos pontos que estaria ajudando a destravar a agenda são esforços como os do conselheiro Alexandre Freire, que também é membro da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
Pauta ambiental na frente
Na visão de Coscione, as pautas ambientais já estão mais avançadas no setor do que as pautas sociais e de governança. Ou pelo menos são mais discutidas.
"No órgão regulador, a diversidade ainda é muito pequena no âmbito de poder decisório, olhando para o Conselho. Temos, sim, muitas mulheres, mas ainda há muito a ser feito, principalmente no que diz respeito à diversidade racial. Acho que esse é um momento, inclusive, de intervenção da Anatel nesse sentido", afirma.
Já a sócia da consultoria Alvarez & Marsal, Cláudia Viegas, que também moderou o evento, ressaltou que "quando se começa a colocar esses elementos como mais um fator que diferencia as operadoras no mercado, é algo que todo mundo precisa fazer e fazer melhor do que o seu rival, para conseguir ter isso como um chamariz de de competidor".
Ela lembra que "há os órgãos de fomento olhando para isso também", inclusive como uma forma de tratar o tema efetivamente e não deixar que se torne apenas uma questão reputacional e publicitária. "Ao tratar de participação feminina, já não se fala apenas de um número, de forma quantitativa: a discussão já é de mulheres na liderança", exemplifica.
Para a especialista, os indicadores também vão se aprimorando para que tenham uma uma efetividade bem posta na economia. A mudança de posicionamento da Anatel, ao começar a considerar os critérios ESG no ranqueamento das empresas, foi destacada pelo Diretor da Alvarez & Marsal, Fernando Sakon, como um exemplo de aprimoramento.
Assessor Especial da Vice Presidência de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe – CAF, Luiz Alberto Esteves seguiu linha similar, de apontar evolução dos processo. Para ele, o futuro provavelmente deve caminhar para "uma sofisticação das políticas públicas e uma sofisticação, inclusive, regulatória". Esteves também defende que uma economia circular nos espera, sendo essa parte essencial da solução ESG.
Vero e ESG
No caso da operadora Vero, a jornada de ESG começou com o reconhecimento da maturidade da companhia em relação à agenda. "Começamos pequeno, mas começamos com uma ambição", conta o Diretor de Assuntos Corporativos da Vero Internet, Flavio Rossini.
Atualmente, o foco se divide "em educação, energia e a parte da diversidade". "A gente criou um squad interno multidisciplinar para também facilitar a disseminação dessas iniciativas", explica, como estratégia para alavancar o programa internamente.
Os pilares destacados foram: energia renovável, logística reversa e mulheres na liderança. Além disso, a Vero criou em 2022, um "plano 2030" para dar continuidade aos projetos.
No plano, consta o compromisso em realizar um inventário de gases de efeito estufa; estabelecimento de metas para o CEO; e alavancar o investimento social privado.
"O mais importante nessas iniciativas começa com ter vontade. Depois de ter vontade, é importante ter o suporte da liderança e com os recursos que você tem à mão já é possível dar início à a jornada. Uma vez que você começa a jornada, uma coisa vai puxando a outra você vai conseguir instalar, bancar e engajar os colaboradores internamente, que é o mais importante", defendeu o executivo.
Fomento
Nem mesmo os bancos escapam da responsabilidade com ESG. Mais do que isso, já existe um engajamento real de parte dessas instituições na promoção das ações. O BNDES, representado pelo economista Marconi Viana no evento, ressaltou seu histórico de apoio ao setor de telecomunicações. Como principal meta, ele destacou a garantia da universalização do acesso à conectividade.
Os focos de atuação atualmente são o financiamento à expansão das redes de alta capacidade e ampliação de acessos, o apoio aos provedores regionais e fabricantes e a redução das desigualdades regionais – o que também representa parte da agenda ESG.
Para isso, o BNDES tem fornecido acesso de crédito com prazos e taxas adequados à rentabilidade do setor e à maturação dos investimentos em áreas com déficit de infraestrutura. Como resultado, Viana destacou que já foram aprovados 368 milhões de reais no âmbito do Fust, o que deve viabilizar mais de 2.600 km de fibra em 156 municípios.
A instituição acredita que mecanismos auxiliares de indução, no caso melhores condições de crédito, podem ampliar a fronteira de sustentabilidade. Atualmente, existe um portfólio de soluções mais amplo para empresas de diferentes portes.
Já o presidente do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), Marcelo Saintive, reiterou a importância de instituições financeiras se dedicarem à pauta ESG. Especialmente porque, porque os riscos climáticos afetam também a elas.
O Bandes, empresa de economia mista, passou por isso em 2016 e segundo Saintive, foi bastante afetada, justamente por não saber como mensurar, na época, o impacto de determinados acontecimentos climáticos. "Perdemos algo em torno de R$ 200 milhões de reais, é muita coisa", afirmou.
Atualmente, a instituição reconhece a relevância do assunto e tem se dedicado a tentar mitigar os riscos na região, mas também fomentar o ESG nas indústrias. Como exemplo, o executivo trouxe três experiências. Uma delas é o uso do Fundo Soberano do Espírito Santo para políticas públicas. Ano passado foram emitidas debêntures para empresas com projetos que, além de aumentar sua produtividade, estivessem alinhados à agenda ESG.