A turbulência econômica gerada pela crise do novo coronavírus (covid-19) afetou a realidade dos provedores regionais de Internet (ISPs) do Nordeste, sobretudo durante as primeiras duas semanas da pandemia. Ainda assim, algumas das principais empresas do segmento na região prometem prosseguir com o planejamento de investimentos previsto para 2020.
CEO da cearense Brisanet, Roberto Nogueira pontuou que um impacto significativo no caixa da empresa foi sentido na segunda quinzena de março, com o faturamento na semana do dia 25 daquele mês reduzido em 50%. Naquele momento, o "barulho" gerado por iniciativas de vedação no corte do serviço de inadimplentes também teria causado preocupação. Já a partir da segunda quinzena de abril, a arrecadação da Brisanet se normalizou, diz ele, permitindo a volta do foco à expansão de rede.
"Estávamos bem preparados porque no final de 2019 ampliamos todo nosso backbone, ultrapassando terabits [por segundo] de capacidade, então suportamos o crescimento de 50% que houve no tráfego", afirmou Nogueira nesta terça-feira, 26, durante evento online promovido pela revista RTI. Segundo o empresário, o plano de expansão para 2020 segue inalterado, com meta de crescimento de 50% no ano. No momento, a ampliação da infraestrutura ainda está concentrada em cidades menores, mas um ritmo "firme" deve ser retomado nos próximos meses.
Mob Telecom
CEO da cearense Mob Telecom, Salim Bayde Neto também afirma que a empresa não deixou a expansão de lado mesmo com "as dificuldades de transporte e o dólar a quase R$ 6"; segundo o executivo, colaborou o fato da empresa já ter delineado um planejamento de investimentos até 2022, com 30% dos recursos necessários presentes no caixa.
O montante foi aplicado sobretudo em infraestrutura FTTH e na iluminação de novos trechos óticos; segundo Bayde, 70% do capex aplicado pela empresa tem mirado o segmento de varejo e PMEs. Os recursos também permitiram a construção de um estoque de materiais suficiente para novas implementações durante cinco meses. Desde o início da pandemia, um aumento de cerca de 40% no tráfego foi notado na Mob Telecom.
Durante este período, a empresa também relata uma queda de 8% nos gastos operacionais, além de planejar manter parte das equipes realocadas para home office neste regime. As áreas de atendimento, business center, contábil, fiscal, suprimentos são algumas das que podem seguir atuando remotamente após o fim do momento crítico da pandemia.
Wirelink
CEO da cearense Wirelink, Adriano Marques reportou aumento de 50% no tráfego demandado por clientes, mas também pedidos pontuais de repactuação de contratos no setor corporativo. A própria provedora tomou medida semelhante junto a fornecedores, sobretudo no início da crise, que teria deixado a empresa "bem preocupada".
Já após as primeiras semanas da pandemia, a Wirelink começou a notar que conseguiria atravessar o momento de turbulência "com menos problemas do que imaginávamos", segundo Marques. Dessa forma, a meta "arrojada" de crescer 40% ao longo do ano não foi descartada. Entre as rotas em fase final de implementação pela empresa estão trechos Brasília-Belém e Brasília-Belo Horizonte, além do planejamento de uma rota BH-Rio de Janeiro-São Paulo até o final do ano.
Um Telecom
Já a pernambucana Um Telecom planejava uma série de investimentos em novos produtos digitais ao longo de 2020, incluindo cloud, segurança e e-commerce, além de abertura de escritório em São Paulo. A pandemia acabou desacelerando as iniciativas, segundo o CEO Rui Gomes, que reconhece que o avanço neste período não ocorreu na velocidade esperada. "Mas vamos cumprir nosso orçamento assim que isso acabar", garantiu o executivo.
O cenário também atrasou a compra de uma empresa com redes em São Paulo, que estava nos planos do ISP. "Está em stand-by. Estamos aguardando, mas vamos fazer o movimento", afirmou Gomes. Por outro lado, a Um Telecom não reporta impactos negativos na infraestrutura mesmo com o aumento de 50% percebido no tráfego, além de projetar uma alta na demanda por serviços digitais daqui para frente.
Tely
No caso da paraibana Tely, o CEO Leonardo Lins afirma que, no momento da chegada da pandemia, a empresa estava no meio de novos investimentos de rede na Paraíba e da iluminação de um trecho ótico entre Rio de Janeiro e São Paulo, além de ter recursos do BNDES e de outros bancos aprovados para novos projetos. Com a eclosão da crise no meio do processo (e com a definição da essencialidade dos serviços de telecom), os trabalhos realizados pela empresa não chegaram a ser interrompidos.
Ainda assim, o ISP relatou aumento de inadimplência durante o primeiro mês da crise, sobretudo entre o segmento corporativo (B2B). Agora, no entanto, a situação teria se normalizado, com números até mesmo superiores ao cenário pré-pandemia, de acordo com Lins. No geral, o cenário permitiu que a Tely endereçasse a alta na demanda por tráfego de quase 50% registrada.
'Desmame'
Apesar do aparente otimismo entre provedores nordestinos, uma variável foi citada por alguns dos empresários durante o painel: o impacto no consumo de varejo após o fim dos pagamentos do auxílio emergencial de R$ 600 garantindo pelo governo durante um período de três meses. "Hoje estamos praticamente normais, mas em um segundo momento, pode gerar problema o 'desmame' do pagamentos dos R$ 600. Precisamos ver como o consumidor vai se comportar", afirmou Roberto Nogueira, da Brisanet.