Garantia do direito do consumidor só com livre concorrência

Na condição de ex-conselheiro da Anatel que teve o privilégio de relatar a revisão do PGMC antes e depois da consulta pública, em 2018, sinto-me na obrigação de tecer alguns comentários em defesa dos instrumentos adotados pelo órgão regulador para permitir a livre concorrência e maior satisfação do consumidor no serviço de banda larga fixa. Não por acaso, entre os serviços de telecomunicações, a banda larga fixa é hoje o mais democratizado no Brasil e exemplo para o mundo em termos de número de prestadores, menor preço por megabit trafegado, maior velocidade e, acima de tudo, multiplicação do número de assinantes, que saltou de 21 milhões para mais de 48 milhões em pouco mais de 10 anos. Não fosse pela coragem de milhares de empreendedores que se lançaram ao desafio de investir em provedores regionais e locais com o objetivo de corrigir falhas no mercado e levar conectividade à população das menores cidades do país e a decisão acertada da Anatel em promover uma regulação assimétrica pró-competitividade, milhões de família das regiões mais distantes certamente ainda estariam impossibilitadas de exercerem o direito de estarem conectadas.

A Consulta Pública para a segunda revisão do Plano Geral de Metas de Competição – PGMC recém-encerrada pela Anatel revelou posicionamentos extremamente duros por parte das gigantes do serviço móvel contra as medidas adotadas pelo órgão regulador em defesa da melhoria dos serviços prestados ao consumidor através do incentivo à competitividade. Para atacar a regulação assimétrica promovida pela Anatel para a banda larga fixa, foram apresentados quadros de forma distorcida, tentando ludibriar os reguladores e o próprio consumidor com o argumento de que o conceito de PPP – prestador de pequeno porte tem que ser revisto porque há muitas cidades em que prestadores regionais são dominantes e não precisariam mais de tratamento assimétrico. Ocorre que a grande maioria das cidades apontadas tem população inferior a 30 mil habitantes e algumas entre 30 e 100 mil habitantes, áreas em que as grandes operadoras optaram por não se fazerem presentes porque o retorno de seus investimentos se daria de forma mais lenta. Se hoje os PPPs são dominantes nessas cidades, é porque eles aceitaram investir sem garantia de retorno e agora colhem o fruto benéfico de suas ousadias.

Ao observarmos o quadro elaborado pela Claro a partir de dados disponibilizados pela Anatel e publicado no portal Teletime em 13 de abril, percebemos que as prestadoras de pequeno porte têm maior relevância e maior market share nos municípios com população de até 30 mil habitantes:

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Como dito acima, o quadro demonstra que 68% dos municípios com dominância das PPPs abrigam menos de 30 mil habitantes, fato este omitido pelas gigantes em suas contribuições que foram tornadas públicas pela imprensa especializada. E tal omissão não parece ser aleatória uma vez que nestes municípios as grandes operadoras não fazem o menor esforço para estarem presentes.

Investir na expansão da banda larga fixa nos municípios que foram sempre esquecidos pelas grandes operadoras foi a base da estratégia adotada pelas PPPs que resultou na conquista de fatia importante do mercado. Elas optaram por operar de forma majoritária em municípios com até 30 mil habitantes, com redes de alta capacidade (fibra ótica) até o endereço do consumidor, em áreas historicamente negligenciadas pelas grandes prestadoras. O gráfico abaixo evidencia isso de forma inquestionável: enquanto as PPPs têm 85,9% das conexões nos municípios menores, as grandes operadoras se concentram sobretudo nos municípios com mais de 500 mil habitantes, onde detém 73,7% de participação de mercado.

As PPPs são as maiores responsáveis pela interiorização da banda larga fixa em fibra ótica com a oferta de 91% dos quase 6,2 milhões de conexões com fibra em casa (fiber to the home – FTTH) e fibra no endereço comercial (fiber to the business – FTTB) em municípios com até 30 mil habitantes. Esses mercados durante muitos anos não despertaram o menor interesse das gigantes do setor de telecomunicações e, contribuindo para corrigir essa falha, os prestadores de pequeno porte transformaram o osso em filé e, juntos, já atendem hoje mais de 52% dos 48 milhões de assinantes de banda larga fixa no Brasil.

 

A relevância que as PPPs vêm desempenhado na disseminação geográfica da banda larga fixa foi reconhecida recentemente pela própria Anatel. A proposta de Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), que quando estive no Conselho Diretor da Anatel também tive a honra de ter sido o relator em sua versão original, está nesse momento em consulta pública[1] para sua atualização. O novo PERT faz um diagnóstico da situação atual do acesso à internet e reconhece o papel de destaque das PPPs para a expansão da infraestrutura em locais com baixa densidade demográfica:

Cabe destacar que 92% dos municípios atendidos por PPPs têm menos de 100 mil habitantes e, daqueles atendidos somente por PPPs, todos têm menos de 100 mil habitantes, sendo que apenas 118 possuem população acima de 30 mil habitantes. Isso demonstra a importância das PPPs para a expansão da infraestrutura em locais com baixa densidade demográfica:

(…)

Chama atenção a grande participação das PPPs nas regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste, com 42%, 37% e 35%, respectivamente, do total de municípios atendidos. Tais números corroboram a importância das PPPs na expansão das redes de banda larga nas regiões que são as mais carentes dessa infraestrutura.

O falso discurso de que as assimetrias regulatórias afrontam direitos dos consumidores das PPPs confronta diretamente com a realidade inquestionável de que são justamente os consumidores de banda larga fixa atendidos pelas PPPs que apresentam os maiores índices de satisfação com o serviço prestado. Não fosse pelo êxito das pequenas prestadoras nos menores municípios do Brasil, fruto das assimetrias regulatórias promovidas pela Anatel, milhões de famílias não estariam conectadas e sequer seriam tratadas como consumidores com direitos a serem protegidos. Seriam digitalmente excluídas e estariam à margem de uma infinidade de serviços e benefícios acessíveis pela internet.

Não há como negar que a multiplicação de prestadores de pequeno porte nos serviços de telecomunicações em todas as regiões do país trouxe inúmeros benefícios para a sociedade.  Aumento de 34% para 84% dos domicílios conectados[2], redução do preço por Mbps de R$ 15,6 para R$ 0,37[3], o aumento da velocidade média contratada, de 14,9 Mbps para 369,4 Mbps[4], além de impulsionar a economia das localidades com milhares de empregos diretos e indiretos gerados. Não é à toa que os principais indicadores de satisfação dos consumidores, como o índice Geral de Satisfação dos Consumidores produzido pela Anatel, apontam claramente para um desempenho melhor das prestadoras de pequeno porte:

 

PrestadoraNotaTipo de Prestadora  
CLARO7,13GRANDE PORTEMédia GRANDE PORTE7,35
OI7,38GRANDE PORTE
SKY7,15GRANDE PORTE
TIM7,32GRANDE PORTE
VIVO7,76GRANDE PORTE
ALGAR7,20PPPMédia PPP7,75
BRISANET8,24PPP
BRSUPER8,26PPP
GBONLINE8,09PPP
LIGGA7,03PPP
PROXXIMA7,73PPP
UNIFIQUE8,10PPP
VALENET7,20PPP
VERO7,86PPP
Fonte: https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/consumidor/pesquisa-de-satisfacao-e-qualidade-internet-fixa

 

Também no ranking do sítio eletrônico Reclame Aqui, nos últimos 6 meses, enquanto as PPPs são as melhores empresas em solução de reclamações dos consumidores, as grandes prestadoras figuram entre as cinco piores colocações na resolução das queixas dos usuários:

Diante dessas evidências, é natural que a equipe técnica e o Conselho Diretor da Anatel estejam trabalhando no sentido de aproveitar a revisão do PGMC para fazer com que os resultados obtidos no serviço de banda larga fixa sejam também experimentados no serviço móvel. Que seja bem-vinda a inclusão do mercado relevante de Exploração Industrial de Radiofrequência – EIR e outras facilidades regulatórias que permitam aos pequenos prestadores também explorarem o serviço móvel em redes físicas ou virtuais.  Quanto maior a competição, maior o poder de escolha e a satisfação dos consumidores.

Tenho o maior orgulho de defender que a instituição formal do conceito de PPP como sendo todo prestador com até 5% de participação no mercado em qualquer serviço e os incentivos das assimetrias regulatórias têm viabilizado um aumento sem precedentes no número de ofertantes de banda larga fixa e possibilitado que milhões de pessoas tenham direito à conectividade mesmo sem residir nas metrópoles brasileiras. Ao aprofundar esse tipo de regulação e reduzir o custo regulatório para as PPPs, a Anatel criou as condições ideais para expandir e modernizar a rede de banda larga fixa no país, praticando o preceito de que o maior e melhor direito do consumidor é a competição.

Exatamente por defender o direito dos consumidores a terem serviços de qualidade e poder de escolha daquele que melhor lhe atende, é que sou adepto da regulação assimétrica que permite competição saudável em todos os mercados. Os ataques aos instrumentos desenvolvidos pela Anatel para fortalecer a competição e aumentar os índices de satisfação dos consumidores não têm nada a ver com a defesa dos direitos do consumidor. Pelo contrário, é a expressão nítida de uma estratégia coordenada das gigantes do serviço móvel para impedir que os pequenos, que já fazem tanto sucesso na banda larga fixa, possam competir também no serviço móvel. O Plano Geral de Metas de Competição – PGMC nos serviços de telecomunicações é um esforço permanente da Anatel em busca de corrigir possíveis falhas no mercado, elevar a satisfação do consumidor e garantir que seus direitos sejam assegurados.

*Sobre o autor – Aníbal Diniz é graduado em História pela UFAC, jornalista e advogado (OAB-DF). Atua como consultor em relações institucionais e regulatórias para a Associação NEO. Foi secretário de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996) e do Governo do Acre (1999-2010); Senador da República entre dez. 2010 e jan. 2015 e Conselheiro da Anatel entre out. 2015 e nov. 2019. No Senado Federal, foi relator pela Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) da avaliação do Plano Nacional de Banda Larga PNBL 2014. Como Conselheiro da Anatel, foi relator, entre outras matérias importantes, da revisão do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC – 2018) onde propôs e aprovou a criação do conceito de Prestadoras de Pequeno Porte (PPP), que tem contribuído fortemente para a expansão da banda larga fixa no país. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente representam o pomnto de vista de TELETIME

 

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[1] Disponível em https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?8-74Kn1tDR89f1Q7RjX8EYU46IzCFD26Q9Xx5QNDbqZ9pS52sMhU4bOrEds2w6VHXVGGU7XzZaAJwEBsUzbmoPcFXtdt1sbjppDA-leTIAgaEIkrlkMIs63AxUlLHW1Z

[2] Comparar as pesquisas TIC Domicílios de 2011 e de 2023, disponíveis em < https://cetic.br/pt/tics/domicilios/2011/domicilios/A4/ > e < https://cetic.br/pt/tics/domicilios/2023/domicilios/ >

[3] Comparar os relatórios da Anatel disponíveis em  https://sistemas.anatel.gov.br/anexar-api/publico/anexos/download/415ecc55f33f3b0277433ec78527a093 , de 2011, e < https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/competicao/anatel-comparador-banda-larga> , de fev/2024

[4] Ver < https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/acessos/velocidade-contratada-banda-larga-fixa > e ver a evolução de 2017 até fev/2024

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