Junto com o ano que se inicia somos inundados por diversos exercícios de futurologia sobre os mais diversos temas da economia, cultura, tendências e sociedade. Ao longo dos anos, me acostumei a pensar em termos de "perspectiva", conceito da geometria que indica como uma figura real projeta a sua imagem e que podemos usar como prisma para projeção dos fatos recentes.
Com esse conceito de perspectiva, listei os três principais temas em ESG que devem se apresentar recorrentemente na agenda do setor este ano.
Clima – Reflexos da COP28
A COP28 foi marcada pelo avanço nos compromissos de redução gradual do uso de combustíveis fósseis, principais responsáveis pelas mudanças climáticas que têm impactado o planeta. Faltaram prazos, é verdade, mas é preciso considerar que negociações multilaterais dessa magnitude são construídas de passos longos rumo ao consenso, ano após ano.
A transição energética necessária à economia de baixo carbono nunca esteve tão em voga, fruto do compromisso em transformar a matriz energética mundial para fontes renováveis, caminho em curso pelas empresas de Telecom e TIC no Brasil e que deve se desdobrar. De fato, a busca pela eficiência energética parece se consolidar no core business de prestadores e fabricantes de equipamentos, mediante compromissos de net zero, adesão ao SBTi, registro de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no GHG Protocol, investimentos em geração de energia distribuída e redes cada vez mais inteligentes capazes de se ajustando à demanda de tráfego instantânea pela alocação dinâmica de banda ou no limite ativação de modos de suspensão.
As novas ambições climáticas (NDC – Contribuição Nacionalmente Determinada) apresentadas pelo Brasil na COP28, ao final de 2023, demandarão a integração das cadeias de upstream (clientes) e downstream (fornecedores) em sinergia com as ações individuais para o seu alcance. Atingir seus próprio compromissos e metas continuará sendo relevante para qualquer organização, entretanto, atingir os NDCs em 2025, 20230 e 2050 requer ações coordenadas e integradas setorialmente com o engajando da sociedade.
Ainda, com a COP30 sendo realizada em 2025 no Brasil, em Belém do Pará, toda atenção global estará voltada para o país e essa pauta vai se intensificar.
A hora e a vez dos ODSs
Também ao final de 2023, observamos o Conselheiro Alexandre Freire da Anatel estabelecer prioridade de tramitação de processos e de pedidos de audiência no âmbito do seu Gabinete com base na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Iniciativa inovadora na administração pública que ainda longe da rotina nas áreas regulatórias dos administrados.
Os operadores do direito que atuam na área regulatória do setor vão sentir a necessidade de incorporar conceitos e siglas tais como ODS, GEE, SBTi, GRI, SASB e TCFD em seu vocabulário e área de conhecimento (ainda não há doutrina consolidada para ser utilizada).
A realidade é que os ODSs ainda são secundários no planejamento, ações e relatórios, mesmo das empresas mais engajadas em ESG, direcionados em atender às normas GRI de relato em sustentabilidade em contraponto ao seu uso como direcionadores empresariais. O Relatório de Progresso 2023 publicados pelas Nações Unidas descreve uma "realidade de progresso alcançada pelos ODSs no meio caminho para 2030 com desafios significativos" onde, "mais de 30% dos objetivos não tiveram nenhum progresso ou, regrediram abaixo do baseline de 2015".
Ainda em 2023, a ANATEL designou a constituição de um Grupo de Trabalho com o objetivo de definir índices de desempenho e critérios para promoção de uma classificação comparativa entre as prestadoras, de acordo com as ações realizadas quanto aos compromissos ambientais, sociais e de governança corporativa (Agenda ESG), juntamente com a revisão do Regulamento Geral do Consumidor (RGC), em um importante passo na junção desses dois mundos que até então traçaram caminhos paralelos.
Privacidade de Dados no centro
Iniciamos 2024 com o Fórum Econômico Mundial, em Davos, e com o anúncio do compromisso da UIT e de algumas prestadoras globais no combate coordenado à ataques cibernéticos de alto volume contra redes de telecom.
A sociedade e as organizações se tornam, a cada dia, mais dependentes das facilidades do mundo digital e, com isso, a gama de crimes digitais também se amplia e sofistica. Nos primeiros anos da privatização do setor, quando começamos com as obrigações de compartilhamento do cadastro de assinantes do STFC para o faturamento das chamadas de longa distância, já sabíamos do valor que as informações dos clientes tem para qualquer negócio. As primeiras fraudes surgiram, e assim os grupos técnicos e as primeiras ações coordenadas do setor. Evoluímos com a tecnologia, mas o mesmo dever de cuidado persiste nessa adaptabilidade para transações digitais e ampliação do uso de Inteligência Artificial.
Não à toa a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) anunciou, no final de 2023, que a relação da cadeia de telecomunicações com os direitos de titulares de dados pessoais será um dos temas prioritários na atuação para o biênio 2024/2025 e, ainda, que foi instituída a Política Nacional de Cibersegurança (PNCiber) para orientar a atividade de segurança cibernética, que contará com a participação da Anatel no Comitê Nacional de Cibersegurança. A pauta de governança das prestadoras deve se intensificar com este tema.
Outros temas globalmente relevantes em ESG também deverão despontar em 2024. Biodiversidade, transparência (atenção as revisões dos padrões GRI em curso) e direitos humanos devem surgir na demanda emergente para o setor em 2024, mas num caminho de longo prazo que pode ser melhor detalhado mais a frente.
*Sobre o autor: Marcio Lino é sócio fundador da Colin Consultoria, executivo do setor de tecnologia e colabora periodicamente com TELETIME sobre temas da agenda ESG. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME