Vivo: mudanças de regras propostas pela Anatel causam insegurança jurídica

Em seus comentários à consulta pública do Plano Geral de Metas de Competição, o tom do grupo Telefônica é duro desde as primeiras páginas e praticamente nenhuma das propostas da agência passa incólume às críticas da operadora, que rechaça de maneira contundente as mudanças propostas.

Para o grupo controlador da operadora Vivo, a consulta tem uma "uma série de falhas e inconsistências que comprometem a sua finalidade legal e regulamentar de permitir a avaliação da razoabilidade do impacto das medidas propostas e motivar a decisão do administrador". Ainda segundo a Telefônica, "da forma que se conduziu a AIR, parece que o estudo foi delineado tão somente para fundamentar e reforçar convicções pré-definidas, ao invés de se seguir uma abordagem técnica e isenta de preferências".

O primeiro ponto destacado pela Vivo é a premissa básica utilizada pela agência para promover as propostas: a de que o mercado móvel precisa de medidas assimétricas competitivas. "Mercados que apresentem indícios claros de intensa rivalidade não devem ser considerados no âmbito do PGMC", diz a contribuição, que vai além. "Um mercado com elevada rivalidade não significa necessariamente um mercado com estrutura pulverizada e com a presença de inúmeros agentes econômicos. O grau de concentração não significa, por si só, a existência de potenciais problemas concorrenciais". 

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Segundo a manifestação da Vivo, a AIR conduzida para o mercado de SMP na perspectiva do varejo "foi incapaz de identificar quaisquer problemas concorrenciais significativos que justificassem a definição de mercados de atacado adicionais e imposição de medidas assimétricas aos agentes considerados detentores de PMS". Além disso, aponta que o nível de competitividade entre as empresas está em linha com todos os mercados desenvolvidos e que existe intensa disputa de mercado entre as três operadoras nacionais. 

"A Anatel sintetiza a avaliação da rivalidade no segmento em 8 critérios, sendo 5 deles classificados como alto, e 3 como médio. Não se trata, pois, de um segmento com problemas competitivos, se a rivalidade é, no mínimo, média", diz a Vivo.

A Vivo ainda aponta outro problema: o fato de a Anatel não ter analisado o impacto que a concorrência de serviços OTT causaram a operadores de SMP, atuando como substitutos aos serviços de voz e mensagem e provocado a necessidade de ampliação da capacidade das redes. O problema, diz a Telefônica, é que a Anatel finalmente reconheceu essa rivalidade no mercado de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC, também conhecido como TV paga), mas ignorou a mesma variável no mercado móvel.

EIR não é a única alternativa

Um dos pontos atacados frontalmente pela Vivo é a introdução do mercado relevante de Exploração Industrial de Espectro. Basicamente, o que a Anatel pretende é forçar os detentores de espectro a compartilharem a capacidade não utilizada com outros atores entrantes no mercado.

Para a Vivo, "a quantidade de espectro detida pela Telefônica tem relação direta com seu comportamento competitivo nos leilões promovidos pela agência, no âmbito dos quais, a partir de uma consideração racional própria de qualquer agente econômico, tomou a decisão de longo prazo de realizar investimentos significativos e assumiu compromissos e obrigações de cobertura para poder explorar o bem público, sempre considerando as regras existentes que pautaram o certame em questão". Ou seja, o espectro detido pela Vivo decorre de ofertas feitas pela própria agência, para as quais havia regras e condições que foram seguidas.

A operadora sugere que a detenção de espectro não é necessariamente a melhor alternativa para operadoras entrantes atuarem no mercado móvel. "Deveria a Anatel avaliar quais produtos e serviços poderiam ser vistos por potenciais demandantes como substitutos (…). Entrantes podem, por exemplo, firmar acordos de MVNO, ou, para prestar os serviços em localidades não abrangidas pelas suas respectivas outorgas, de Roaming", diz a Vivo. "Contudo, a despeito da complexidade da análise, a agência apenas constatou, de forma simplista e não fundamentada, que, por se tratar de recurso escasso de propriedade da União entende-se que não há substitutos perfeitos existentes à autorização de uso de radiofrequência em caráter primário", conclui a empresa.

MVNO e Roaming: risco de oportunismo

A Vivo também rechaça a introdução do mercado relevante de MVNO, para o qual entende haver regras próprias e que já tem se desenvolvido no Brasil de maneira relevante.

"A oferta de Operação Virtual do SMP não deve ser considerada um mercado relevante de atacado sujeito a medidas assimétricas no âmbito do PGMC. Isto porque, de acordo com dados da consultoria Teleco, já operam no Brasil mais de 130 MVNOs, número muito maior quando comparado com outros países do mundo, o que demonstra, por si só, que não existe falha de mercado para a entrada desses atores". 

Outra crítica se dá às novas obrigações de roaming dentro da área de prestadores, o que segundo a empresa é um instrumento que "desvirtua o conceito de atendimento de usuários visitantes, contrário à regulamentação, não previsto no Edital do 5G e que, em verdade, gera incentivos para a não construção de rede por parte das prestadoras entrantes". Segundo a empresa, tal medida contraria outros regulamentos da agência. Além disso, diz a Vivo, "a previsão de que MVNOs teriam direito a Roaming dentro das suas próprias áreas de registro desvirtua ainda mais o conceito de atendimento de usuário visitante e gera incentivos para comportamentos oportunistas e desequilíbrios de mercado".

Segurança jurídica em risco

As mudanças trazidas pela Anatel, especialmente as imposições de um mercado de atacado de espectro, têm o potencial de causar grande insegurança jurídica no mercado, diz a Telefônica.

Segundo a empresa, "a decisão pela participação desses leilões e pela aquisição do direito de uso de radiofrequências em caráter primário é feita com base na análise das regras vigentes, e configura uma decisão de longo prazo. (…) As regras que constaram dos diversos editais que resultaram na aquisição do espectro em caráter primário devem ser necessariamente observadas, em virtude do princípio da vinculação ao instrumento convocatório", diz a Vivo, que conclui: "a Anatel está igualmente obrigada a observar todas as regras previamente fixadas nos editais das licitações por ela promovidas". 

Segundo a empresa, a Anatel "busca agora impor obrigações a determinadas operadoras que não constavam dos editais relacionados a licitações de espectro, incorrendo em verdadeira alteração das regras que implicam grave mudança dos incentivos econômicos. E pior: sem qualquer fundamento ou necessidade, já que, como visto, a AIR e todos os documentos que fundamentaram a publicação da presente Consulta Pública evidenciam que o mercado de SMP é altamente competitivo e dinâmico".

Vedação ao RAN Sharing sem fundamento

Uma das principais críticas feitas pela Vivo às propostas de mudança é em relação ao que a empresa chama de "importação" de medidas estabelecidas em outros processos específicos conduzidos pela agência para dentro do PGMC, sem que tenha havido uma análise da efetividade ou das consequências destas medidas ou remédios.

Ela cita, por exemplo, a obrigação imposta às operadoras de fazer uma oferta de Exploração Industrial de Espectro na aprovação da Oi Móvel (que segundo a Vivo não gerou nenhuma demanda) ou mesmo as condicionantes colocadas para uma eventual aprovação do acordo com a Winity. Nesse caso específico, a Vivo protesta contra o transbordo para uma regra geral do PGMC da limitação de RAN Sharing que havia sido "excessivamente" imposta como condicionante no caso Winity.

Segundo a empresa, "a proposta de vedação à realização de acordos de exploração industrial não traz qualquer benefício à competição" – mas "somente aumenta, ainda mais, e de forma totalmente injustificada, os custos para o atendimento de tais localidades".

Para a Vivo, nem mesmo a Análise de Impacto Regulatório traz qualquer dado ou evidência de que essa medida seja necessária. Para a empresa, o voto do Conselheiro Vicente Aquino, que trouxe a inovação, se baseou apenas em supostos comentários pontuais acerca de possíveis aspectos anticompetitivos de acordos de RAN Sharing.

"Não se realizou qualquer análise minimamente convincente acerca da qualidade e pertinência de tais comentários. Há muito que agentes oportunistas tentam questionar os acordos de compartilhamento existentes entre operadoras de atuação nacional, sem, contudo, apresentar qualquer justificativa ou elemento que demonstrasse a existência de riscos concorrenciais associados a este acordo".

A Vivo lembra que os acordos de compartilhamento da rede de acesso (RAN Sharing) são aprovados pela Anatel e pelo Cade, além de configurarem uma prática estimulada justamente pela otimização de custos. "Os Acordos de Exploração Industrial e de RAN Sharing (com ou sem compartilhamento de espectro) não são novidade no Brasil ou no mundo. Trata-se, do contrário, de arranjos bastante comuns que promovem uma série de benefícios não somente para as operadoras envolvidas, como para a sociedade como um todo", diz a empresa. 

Ao final de sua contribuição, que tem mais de 160 páginas e inclui um estudo realizado pela Alvarez & Marsal, a Vivo deixa um recado: "as regras que constaram do Edital do 5G não podem ser ignoradas pela agência ao se editar uma nova versão do PGMC, sob pena de se violar o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e gerar insegurança jurídica".

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