As telecomunicações e o novo Ministério das Comunicações

Murilo Ramos

Quando, no breve governo de Michel Temer, o Ministério das Comunicações foi ajuntado, sem qualquer planejamento prévio, por mera conveniência administrativa, ao da Ciência, Tecnologia e Inovações, houve uma certa euforia no setor das telecomunicações. Eu próprio ouvi de importante executivo que até a sigla do novo ministério sinalizaria bons tempos: MCTIC. Como se o TIC necessariamente apontasse para as tecnologias da informação e comunicação, ao invés de simplesmente representar a junção das palavras inovação e comunicações.

O Ministério da Ciência e Tecnologia, como originalmente chamado, foi criado em 1985, no governo de José Sarney. Além de institutos de pesquisa tradicionais, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Observatório Nacional, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Instituto Emílio Goeldi, só para citar quatro dos 17 arrolados no portal do ministério, o ministério tinha, e ainda tem, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a sua principal interface com a influente comunidade científica e acadêmica, representada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O MCT, depois MCTI, quando, nos anos 2000, a ideia de inovação passou a ser um vetor cada vez mais fundamental para o desenvolvimento econômico e social, só era um ministério tipo segunda linha para quem não o conhecia bem. E, por isso, quando a ele se juntou o das Comunicações, como o agregado, e não o agregador, seria natural que os setores de telecomunicações e radiodifusão perdessem o protagonismo político que tinham na formulação original. Para a radiodifusão, que sempre teve órbita própria, puxada pelo Grupo Globo, isto não fazia muita diferença, mas para as telecomunicações, um setor competitivo, em meio a uma transição tecnológica potente e acelerada, que parece jamais ter fim, a perda desse protagonismo seria, como tem sido, problemática,  tanto política quanto de política pública. Isto ficou evidente durante o processo de tramitação legislativa do que viria a ser o novo modelo regulatório para a telefonia fixa comutada. A desarticulação entre o ministério, em tese a cabeça do sistema de política pública, e a Anatel, em tese a executora dessa política, levou a uma inversão de papéis, que só fez piorar o debate e a tramitação de uma matéria que tinha e tem uma enorme complexidade normativa e econômico-financeira.

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Telecom sem protagonismo

Até que houve o anúncio súbito de uma Medida Provisória anunciando a recriação do Ministério das Comunicações, de novo sem qualquer planejamento prévio, mas desta feita obedecendo as lógicas essencialmente políticas. Digo lógicas, no plural, porque se uma ficou logo razoavelmente clara para a maioria dos observadores atentos e analistas, a outra, nem tanto. E de novo, argumento, o setor de telecomunicações perde protagonismo, mas desta vez na contramão da radiodifusão. Com uma diferença fundamental: agora, o Grupo Globo já não tem mais órbita própria junto ao Poder Executivo que, se puder, o despachará para a estratosfera.

Se não, vejamos.

O ministro indicado para o recriado Ministério das Comunicações, o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN), é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos. Sobre Faria, disse Jair Bolsonaro: "Ele não é um profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos. A função é essa: otimizar e botar o ministério para funcionar nesta área, que estamos devendo há muito tempo uma melhor informação".

A recriação do Ministério das Comunicações foi, como já assinalado acima, uma operação-relâmpago, uma blitz, que pegou o mundo empresarial, sociedade civil e a esmagadora maioria do mundo político-parlamentar na mais absoluta surpresa.

Mas, não é preciso ter a bola de cristal da parlamentar-vidente Carla Zambelli, que consegue prever com semanas de antecipação as mais sigilosas operações da Polícia Federal, para se compreender a estratégia que levou Jair Bolsonaro a recriar a referida pasta, mesmo ao custo de ter que entregá-la a um ainda parlamentar, que tem circulado com rara desenvoltura ao longo da sua vida pública por ambientes tão diversificados quanto as antessalas governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o jet set artístico do eixo Rio-São Paulo –  já ficou inclusive com as celebridades Adriane Galisteu e Sabrina Sato -, os escritórios da JBS, os gabinetes da Operação Lava Jato e, sobretudo, a residência de Rodrigo Maia. Além, é claro, do entorno mais íntimo da Família Bolsonaro.

Neste momento político, e ainda por muito tempo, Bolsonaro só tem uma preocupação: a de sobreviver ao inquérito da Procuradoria Geral da República, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, somado ao chamado inquérito das fake news, comandado pelo ministro Alexandre de Moraes. Dois movimentos que, somado à CPI das Fake News, ora em curso no Congresso Nacional, até ontem se constituíam em ameaças reais à saúde política do Presidente da República.

Mas, agora, em princípio, não mais.

E o salvo-conduto a um Presidente que não tem compromisso com a democracia e suas instituições, a começar pela própria Presidência da República; que não tem e jamais teve história política que o credenciasse a estar onde está hoje; que tinha até hoje como sua única garantia de sobrevivência as Forças Armadas; que comportou-se, e ainda se comporta, como um irresponsável, ao desprezar a vida das vítimas de uma pandemia; que aparelhou o Ministério da Saúde com uma trupe de militares incompetentes; e muito mais poderia ser dito aqui; esse salvo conduto foi garantido por aquele que, na aparência, seria o seu maior algoz, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Recentemente, o dúbio presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou, numa dúbia reprimenda a Bolsonaro, que o presidente da República tinha atitudes dúbias para com a democracia, como semanas atrás um igualmente dúbio Rodrigo Maia chamou entrevista coletiva para defender o Congresso Nacional de mais um dos nunca dúbios ataques do presidente da República.

Mas o tempo de tantas dubiedades acabou.

Desde hoje Jair Bolsonaro se acredita blindado contra as dezenas de pedidos de impeachment que Maia, sem dubiedade alguma, já segurava, como também contra a hipótese de, finalizado o inquérito da PGR, provocado pelas acusações de Sérgio Moro sobre as tentativas de Bolsonaro interferir na autonomia da Polícia Federal, o Congresso vir a aprovar um eventual pedido do STF para que ele viesse a ser julgado por crime comum. Como já estava, e está, contra a possibilidade de o Superior Tribunal Eleitoral vir a cassar a chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão, porque esta seria uma hipótese contra a qual se ergueriam, sem sombra de dúvidas, as armas das Forças Armadas, e talvez também outras forças armadas.

Esta, a primeira e a mais visível lógica da recriação do Ministério das Comunicações.

Ministério da Propaganda

Já a segunda lógica tem um outro viés, que ficou evidente quando se soube que Fábio Wajngarten seria o secretário-executivo da pasta. O que Bolsonaro hoje deixou ainda mais evidente, ao explicitar que: "Ele [Fábio Faria] não é um profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos. A função é essa: otimizar e botar o ministério para funcionar nesta área, que estamos devendo há muito tempo uma melhor informação".

Jair Bolsonaro viu na oportunidade da blindagem oferecida pelo Centrão de Rodrigo Maia, uma outra: a de criar, na prática, o seu Ministério da Propaganda. Em momento algum dessa blitz, dessa operação-relâmpago, passou pela cabeça dele qualquer coisa assemelhada com banda larga, com conectividade, com acesso à informação, com a tecnologia 5 e outras Gs que ainda virão, plataformas over the top, e assim por diante. Mas, Bolsonaro foi deputado federal o tempo suficiente para saber que o Ministério das Comunicações sempre fora o ministério da radiodifusão, da televisão e do rádio, das concessões milagrosas que garantiam mandatos de todos os tipos; o ministério da Globo, aquele para o qual Roberto Marinho nomeava ministros e secretários, e que tinha garantido para a sua TV 'o monopólio das comunicações', mas que agora chegava a hora de o feitiço virar contra o feiticeiro. E mandou para lá, para ser o ministro de fato, o seu atual ministro da propaganda, que assumirá uma pasta encorpada até com uma agência reguladora, com o poder, a pasta, imagina Bolsonaro, de discricionariamente 'cassar concessão', e de 'orientar a mídia'  a dar prioridade a programações do tipo Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e assim se vencer as heresias, tipo 'ideologia de gênero'.

Claro que, em análises de conjuntura, a realidade nunca se apresenta tão linear quanto o até agora alinhavado. Claro que Fábio Faria está hoje filiado ao PSD, o partido presidido por Gilberto Kassab, ele próprio um ex-ministro da Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovação. Claro que Kassab nega peremptoriamente ter qualquer intenção de fazer o seu partido integrar a base parlamentar do governo. Claro que o fato de Fábio Faria ser um frequentador frequente da cozinha de Rodrigo Maia é mera coincidência.

Mas claro também é que, ao contrário do que analistas apressados hoje apregoavam, que Marcos Pontes estaria desprestigiado, que Fábio Wajngarten, o futuro secretário executivo do Ministério das Comunicações, atual Secretário de Comunicação Social, teria sido igualmente desprestigiado, ambos continuam seus prestígios intactos. Este mais que aquele. Pontes continua à frente de um ministério que tem dirigido sem conflitos com a exigente comunidade científica e técnica com a qual se relaciona. E aquele porque tira a Secom de debaixo da Secretaria de Governo, comandada pelo general Luís Eduardo Ramos, e a leva para debaixo de Faria que, como Bolsonaro destacou, "não é um profissional do setor", mas que, como genro de Sílvio Santos, está habilitado, junto com seu xará, infernizar a vida da mídia que, na ótica de Bolsonaro, só faz infernizar a sua vida. Wajngarten leva para o Ministério das Comunicações, além do comando das verbas publicitárias do governo, a EBC, com a TV Brasil e a EBC Rádios, mais a Agência Brasil, e lá ganha acesso à Anatel, hoje uma agência importante para a radiodifusão, e não apenas para as telecomunicações. Como ganha a interface com um setor econômico que, se até agora, estava distante das polêmicas com fake news, gabinetes de ódio etc, terá agora de conviver com a dura realidade dos conteúdos que suas redes forçosamente carregam.

Em suma, por ironia, mas não do destino, por detrás dessas criações e recriações de ministério, um mesmo personagem: Gilberto Kassab.

*Sobre o autor – Murilo Ramo é Professor Emérito da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e Diretor geral da ECCO Consultoria

3 COMENTÁRIOS

  1. Perfeita análise. Bolsonaro está se lixando para telecomunicações, banda larga ou qualquer coisa do gênero. Primeiro, porque não entende nada do assunto. Segundo, porque este tema não está ligado diretamente a sua sobrevivência política imediata. O que ele quer do novo Minicom é justamente essa soma de SeCom (verbas publicitárias + EBC), secretaria de radiodifusão e Anatel (no que se relaciona a radiodifusão). Se isso implica
    o absurdo de juntar fomento, veículos próprios e regulação em um mesmo lugar, para o Bolsonaro pouco importa. E a parte de telecomunicações surge apenas como um apêndice que, se não incomodar, pode seguir no rumo atual de concentração e fim das concessões. E que nenhuma Polyana espere algo nem ao menos parecido com políticas públicas. Se perguntarem, o Jair responde: e daí?

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