Dimensão da abertura do mercado de cabo preocupa CGU

O primeiro sinal de que a iniciativa da Anatel de derrubar as barreiras à entrada de novos operadores de TV a cabo no Brasil pode enfrentar problemas nos órgãos de controle externo já foi dado à própria agência. Em julho deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) encaminhou uma série de perguntas ao órgão regulador sobre os elementos que motivaram a agência a suspender, cautelarmente, o planejamento com limites ao número de concessões de cabo no país. Em agosto o Tribunal de Contas da União (TCU) também expôs preocupações semelhantes às apresentadas pela CGU.
Os dois documentos enviados à Anatel, e obtidos com exclusividade por este noticiário, revelam que os órgãos de controle não estão confortáveis com a decisão da agência reguladora e, principalmente, com as conseqüências dessa mudança regulatória. As perguntas da CGU foram apresentadas como parte do processo rotineiro de auditoria realizado pelo órgão e, por isso, sinalizam que o assunto será tratado no relatório anual de funcionamento da Anatel.
As perguntas da CGU foram agrupadas em três grupos: um focado nas motivações da agência ter editado a medida cautelar e no perfil dos operadores de TV a cabo no Brasil; outro apontando uma possível contradição entre a análise que culminou na medida cautelar e outra avaliação técnica produzida pela própria agência; e, por fim, os impactos da "dispensa de licitação" promovida na esteira da cautelar.

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Dos questionamentos apresentados, é possível perceber que o órgão de controle tem, ao menos, duas grandes preocupações. A primeira delas é com relação à possível existência de outras barreiras à concorrência no mercado de cabo, que não estariam sendo combatidas com a ação cautelar da Anatel. Se realmente existirem outros obstáculos a novos operadores – como os custos para a construção de infraestrutura, muito citado pelos atuais operadores de cabo – a simples abertura do mercado pode não surtir efeito real na concorrência.
Teles na mira
O outro aspecto destacado no documento da CGU é o impacto de uma eventual entrada das grandes concessionárias de telefonia fixa no setor de TV a cabo. Os auditores perguntam claramente à Anatel se a agência pretende afastar os efeitos da Lei do Cabo – um dos impeditivos para a operação das teles no ramo de TV paga – ao optar pela inexigibilidade de licitação a partir da edição da medida cautelar. A teoria que tem prevalecido na Anatel, chancelada pela interpretação da Procuradoria Jurídica, é que o fim do limite na emissão de novas outorgas afastaria a necessidade de realização de licitações. Além disso, há um entendimento de que, sem a disputa formal, as teles poderiam obter outorgas.
A lógica utilizada pela agência reguladora até agora reinterpreta as barreiras da Lei do Cabo e dos contratos de concessão do STFC, onde concessionárias de telefonia fixa, suas coligadas, controladas ou controladoras não podem ter concessões de cabo a não ser que exista expresso desinteresse de outros operadores pela área visada pela empresa. Na prática, uma licitação "deserta" (sem ofertas) viabilizaria a entrada das teles nesse mercado. Essa estratégia foi usada pela Oi na compra da operadora de cabo WayTV e aprovada pela Anatel.
Com a intenção da agência de não limitar mais a emissão das licenças e, assim, não realizar mais ofertas públicas, a interpretação que se dá hoje é que haveria um desinteresse presumido em todos os municípios no futuro, simplesmente porque pode-se intuir que, em algum momento, não existiriam mais operadores não ligados às teles interessados na oferta do serviço. Assim, desde já a agência poderia autorizar a entrada das concessionárias de STFC baseada nesse "desinteresse presumido" futuro.
Sem posição sobre as teles
Uma nota técnica produzida pela agência reguladora para responder inicialmente aos questionamentos da CGU deixa mais incógnitas no ar do que esclarecimentos propriamente ditos. No caso da pergunta sobre a intenção de autorizar as teles a operar no mercado de cabo, a Anatel simplesmente informa que ainda não analisou o assunto. "Uma vez que ainda não existe solicitação por parte das concessionárias do STFC local, a obtenção de entendimento quanto à aplicabilidade da cláusula 14.1 dos atuais contratos de concessão será tratada no decurso de processo de outorga motivado por concessionária do STFC, de forma abrangente, e considerará toda a regulamentação pertinente ao setor e impactos concorrenciais porventura existentes", declara a agência reguladora. A cláusula citada bloqueia, nos contratos do STFC, a operação de cabo pelas concessionárias de telefonia.
Sem barreiras
A equipe técnica da Anatel disse não existir outras barreiras além das regulatórias à entrada de novos operadores de cabo no mercado. Com relação à discrepância entre o parecer técnico produzido sobre o ato de concentração entre NET Sul e Antenas Comunitárias e a análise do conselheiro João Rezende que gerou a medida cautelar, a agência informou que a barreiras citadas na primeira análise faziam referência "a uma questão localizada e não podem ser estendidas a todas às demais localidades brasileiras indistintamente". O caso NET/Antenas resultou na cautelar em âmbito nacional. A avaliação técnica apontava os altos custos de implementação de rede como um elemento influenciador da baixa concorrência no mercado analisado. Essa tese foi rejeitada por Rezende em seu voto divulgado publicamente.
Solicitação de estudos
Com relação aos aspectos de custo operacional e de implantação de infraestrutura para a prestação do serviço de TV a cabo, a CGU solicitou à agência a apresentação de estudos que esclareça os perfis locais desse mercado. A Anatel encaminhou levantamento produzido pela Superintendência de Serviços de Comunicação de Massa (SCM) sobre o tema e também frisou a existência de medidas de fomento à competição não apenas no segmento de TV por assinatura, mas também na venda de serviços convergentes no país no Plano Geral de Atualização da Regulamentação (PGR) e no Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), este último em fase de elaboração.
A cautelar da Anatel foi aprovada em 20 de maio deste ano, mas não teve efeito prático desde então. O motivo é que a agência atrelou a vigência da medida emergencial à edição do novo Planejamento dos Serviços de TV a Cabo e Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS). A votação do planejamento foi suspensa na semana passada por um pedido de vistas do conselheiro Jarbas Valente.

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