Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL 7.004/2013) que altera a Lei do Cabo (Lei 8977/1995) para impedir que as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam transmitidas ao vivo. O projeto foi proposto pelo deputado Vicente Candido (PT-SP), que na justificativa do PL explica que a maior transparência implica, muitas vezes, o constrangimento dos ministros.
"Na verdade, as entranhas da Justiça é que estão sendo mostradas com sensacionalismo exacerbado por parte de alguns ministros em particular. Basta isso para que tenhamos uma espécie de desmoralização da nossa Corte Suprema", diz o deputado em sua justificação ao projeto, em aparente referência às ofensas que foram trocadas entre os ministros durante o julgamento da ação penal 470, o chamado Mensalão.
O deputado relator do projeto na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCT), Zezéu Ribeiro, convocou uma audiência pública na última quarta, 4, para discutir o assunto com especialistas em direito. O projeto teve apoio de nomes de peso, como o jurista Dalmo de Abreu Dalari e o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams.
Para eles, a exposição influencia o processo de formação da convicção do juiz e pode, por isso, influenciar a decisão final da Corte. "Acho complicado e complexo quando essa disponibilidade representa um processo de constrangimento à formação de convicção do juiz. E esse constrangimento é um problema porque ele fortalece a casuística. O julgamento começa a ser influenciado por elementos conjunturais", afirma Adams.
Sendo assim, prossegue ele, o processo de formação de jurisprudência fica prejudicado, tendo em vista que o julgamento dos temas passa a ser influenciado pelos efeitos da exposição midiática. "Quando a casuística predomina na solução você começa a ter dificuldade no processo de estrapolação da decisão, porque ela pode ser referência ou não para outros casos e isso começa a gerar uma insegurança jurídica", argumenta o advogado-geral da União.
O jurista Dalmo de Abreu Dallari explica que a lei obriga a publicidade dos atos jurídicos, assim como da fundamentação, mas a exposição pública dos debates causa constrangimento e traz prejuízos ao STF. Ele lembrou do episódio ocorrido em 2003 quando o ministro Joaquim Barbosa disse ao então presidente, o ministro Gilmar Mendes, "não pense que está falando com um de seus capangas".
"Qual o interesse jurídico? É essa a publicidade prevista na Constituição? Na minha avaliação, a publicidade é uma exigência fundamental, isso faz parte do sistema democrático. Mas o que deve ser tornado público? Evidentemente as decisões, os acórdãos, assim como a fundamentação dos acórdãos, acho isso muito importante para a compreensão do alcance e do significado das decisões", argumenta.
Auditório ampliado
Entre os que se posicionaram contrários ao PL, o principal argumento é de que o fim das transmissões das sessões seria um retrocesso, na medida em que as sessões já são públicas e qualquer interessado pode acompanhá-las pessoalmente. "Restrições só se faz em determinados contextos. O que se faz com a transmissão direta é ampliar o auditório, porque a televisão permite isso", disse o professor de direito da PUC-RS, Ingo Wolfgang Sarlet.
"Essas disputas existem. Nós estamos discutindo se devemos ou não mostrar isso para sociedade. Estamos discutindo o tamanho do auditório", acrescentou o presidente da Associação Paulista de Magistrados, Jaime Martins de Oliveira Neto.
Já o representante da OAB, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, acredita que os limites da exposição midiática devem ser definidos nos casos concretos. "Aboliremos a transmissão porque houve eventual excesso no julgamento do ação penal 470? Por que não aperfeiçoar o sistema ao invés de retroagir? Acho que a lei não é o lugar ideal, porque os casos concretos é que vão dizer qual é o limite para a publicidade. O que nós buscamos é o aperfeiçoamento, encontrar o ponto de equilíbrio. Abolir as transmissões me parece que seria um retrocesso social", argumenta ele.
Problema
O problema é que a Lei do Cabo é uma lei praticamente sem efeitos, já que todos os seus dispositivos referentes ao mercado de TV por assinatura e aos canais de interesse público, incluindo a TV Justiça, foram transportados para a Lei 12.485/2011, a Lei do SeAC. A Lei do Cabo se aplica hoje apenas a um conjunto muito pequeno de operações que ainda mantiveram a outorga original sem migrá-las para o novo serviço. Esse fato não foi lembrado durante a audiência.