Intelsat: padronização é o grande desafio do mercado de satélites

Esta semana a Intelsat promoveu uma série de encontros com clientes e parceiros no Brasil para anunciar dois novos produtos: um para conectividade de backhaul destinado a operadores móveis, e outro para a entrega de serviços de TV. Como pontos comuns estão a integração de redes IP terrestres (em alguns casos, a operadora não usa nem mesmo o satélite) e, mais importante, a atuação como prestadora de serviços, e não apenas de capacidade. Durante estes encontros, Carmel Ortiz, vice-presidente global de tecnologia e inovação da Intelsat, falou das principais transformações da indústria de satélites. 

TELETIME – O que você apontaria como principais tendências do setor de satélites hoje?

Carmel Ortiz – Vejo cinco pontos importantes hoje: a virtualização dos satélites e a separação do software e do hardware; outro é a tendência de operações multi-órbita, ou seja, uma rede com várias constelações simultâneas em diferentes órbitas; a tendência de conectividade direct-to-device também é uma grande tendência; a chegada dos "hiper scalers", as novas empresas que estão gerando um novo momento de demanda e inovação, com o movimento em direção à aos serviços em nuvem; e vejo a discussão sobre a padronização como potencial de criar pontes na indústria de satélites e direcionar o mercado em direção ao que acontece no mundo das telecomunicações. Entendo que o  momento seja o de tirar os satélites do mundo exótico e colocar o setor como parte de um ecossistema maior. 

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Em relação aos novos entrantes, que você chama de "hiper scalers", você vê eles como bom marketing ou de fato são modelos disruptivos?

É um bom ponto. Acho que todos estão tentando se tornar "mainstream" e dominantes. No caso da Amazon, eles estão construindo uma nova constelação importante integrada a um modelo já existente. A Microsoft está integrando a plataforma de nuvem Azure ao segmento terrestre, então são empresas que definitivamente estão tentando criar valor com o segmento de satélites. 

Esse esforço de integração com as plataformas de nuvem parte de vocês também, certo?

Sim, e não exclusivamente com a Microsoft. Pensamos que o movimento de integração com a nuvem é muito importante para os serviços de satélite e definitivamente estamos caminhando nessa direção.

Você menciona também como tendência os serviços direct-to-device, ou seja, a conexão direta entre satélites e dispositivos. Você vê isso para aplicações de massa ou são aplicações mais focadas em nichos?

Vemos como uma oportunidade e que se for bem explorada pode  ser interessante e parte de uma estratégia multi-órbita. E é uma oportunidade de novamente trazer o satélite mais perto das massas e tornar a tecnologia mais popular. Mas quando olhamos em relação ao que de fato está acontecendo nesse mundo direct-to-device vemos as operadoras LEO usando espectro das operadoras móveis, como AST, Link e Starlink. São sistemas tecnicamente ainda desafiadores e complexos do ponto de vista regulatório, por isso temos precisamos ver onde vai dar; temos outros sistemas LEO que usam frequências MSS, como Omnispace, Globalstar, Iridium etc, e essas são boas oportunidades interessantes, ainda que os handsets tenham que ser proprietários e caros, e serão serviços narrowband, definitivamente; e o terceiro modelo é o de HAPS (sistemas que operam em altitudes elevadas, mas não no espaço, como drones e balões), que estão ainda em caráter mais experimental. Gostamos do modelo de asas fixas, como drones, mas o desafio ainda é desafiador pela potência que pode ser embarcada e autonomia das aeronaves. 

E sobre a estratégia de uma constelação de órbita média? Vocês foram o segundo grupo a buscar essa estratégia, depois da O3b/SES. Como está esse projeto?

Estamos de fato muito animados e há vários motivos para isso: capacidade, latência relativamente baixa, um custo menor porque são apenas 18 satélites na nossa constelação. Vemos a demanda crescendo  e isso é importante para o planejamento do projeto. Achamos que ter uma opção não-geoestacionária é necessário e ponderamos MEO vs. LEO. Do ponto de vista econômico, custo por bit, complexidade de implementação, custo total, ficou claro que o MEO é a opção certa. Não temos todo o benefício de latência de uma constelação LEO, mas acreditamos que não existam aplicações que não funcionem bem no MEO. 

Vocês já começaram a encomendar os satélites?

Já estamos em uma fase de desenho de projetos, mas ainda sem contrato de construção, que deve ser anunciado no final do ano. Nosso objetivo é ter a constelação em funcionamento em 2027 com 18 satélites, que devem ser lançados com algum distanciamento entre eles, mas para que a rede fique completa o quanto antes. Será uma constelação em banda Ku, que é o que já utilizamos, e em termos de possíveis inovações, uma das novidades será a possibilidade de links por laser com constelações de órbita baixa. Acreditamos que existirá uma demanda importante de satélites de aplicações específicas, como observação da Terra, que podem se beneficiar de uma conectividade com  órbitas médias para offload mais rápido das informações.

E com a constelação GEO, haverá uma integração também?

Estamos pensando em uma integração com terminais multi órbita baseados em antenas planas. Esperamos que elas se desenvolvam e fiquem mais baratas até lá (risos), mas a escala está crescendo rapidamente. Pensamos que com o tempo os custos cairão, há muitas start-ups e empresas de tecnologia desenvolvendo tecnologias muito promissoras nessa área.

Em relação aos modelos de negócio do mercado de satélites, como você vê players como Starlink e Kuiper trazendo uma nova proposta de preços tão diferentes? Isso não afeta o valor do negócio como um todo?

Sem dúvida estamos sendo desafiados e sem dúvida estas empresas são disruptivas, e o que eles fizeram com a SpaceX mostra o quanto eles têm capacidade de inovar. É um desafio, mas muito da pressão que vemos agora tende a passar e eles estão fazendo toda a indústria melhor e nos empurrando no sentido de darmos um passo atrás e olharmos para os nossos fundamentos como indústria, e pensar em como aproveitar isso em um novo cenário. Temos nosso legado, nossa estabilidade e consistência como provedores, e isso tem valor. O que alguns dos novos players ainda não entendem é que o escopo e a escala de prestar serviços globalmente demandam presença em todas as frentes, o tempo todo: espaço, segmento terrestre, atendimento ao cliente, redes terrestres, cobrança, teleportos… É uma operação de grande escala e temos experiência nisso. Isso tem valor diante dos novos operadores, mas temos que continuar trabalhando no desenvolvimento tecnológico permanentemente  para estarmos em condições de competir. Os clientes não querem ficar dependentes de um ecossistema de tecnologias proprietárias, e hoje as constelações LEO trazem tecnologias verticalizadas e totalmente proprietárias. 

É interessante você trazer isso, porque a padronização nunca foi uma virtude do mercado de satélites, não?

Vejo esse esforço de padronização acontecendo em várias frentes e estamos trabalhando por isso. É parte do nosso esforço de ser um provedor de serviços, porque ninguém vence nesse segmento sendo dono de uma única tecnologia. A tecnologia de satélites definidos por software e a necessidade  de custos e tempos de implementação muito menores nos coloca na perspectiva real de satélites de linha de produção, de prateleira. A gente brigava para ver quem fazia o melhor projeto e a melhor especificação, mas a indústria nos sinalizou com a perspectiva de escala e padronização, baixando os preços e prazos. Vamos usar praticamente os mesmos satélites, e no segmento terrestre isso também vai acontecer, dando muito mais flexibilidade. A nossa filosofia é ganhar na qualidade de serviços, na flexibilidade e na rede, e nada disso é definido pela tecnologia, mas pela execução enquanto empresa. Estamos nos empurrando nessa direção da padronização para que o ecossistema cresça e não seja restrito a um conjunto pequeno de atores. 

No futuro teremos serviços integrados que utilizem inclusive capacidade em satélites de diferentes provedores?

Sem dúvida. Já estamos integrando satélites de diferentes fornecedores por meio de software e no futuro isso pode ser ampliado para diferentes operadores, sobretudo como uma oportunidade para players regionais se integrarem a redes globais, interoperáveis. Da mesma forma que o usuário de celular pode migrar entre diferentes redes, o usuário de satélite deveria ter essa capacidade de roaming também. Isso amplia o potencial de alianças entre diferentes operadoras.

A parceria com a OneWeb vai nessa linha, não?

Acreditamos no modelo multi órbita, estamos lançando o modelo de cell backhaul e SDWAN que são baseados na rede da OneWeb, de satélites de órbita baixa, mesmo não sendo uma propriedade nossa. Isso vai continuar e crescer com o tempo. O fato deles serem da Eutelsat, nosso competidor, é positivo, porque dá mais estabilidade para o modelo da OneWeb. A indústria de satélites sempre teve cooperação, como o compartilhamento de teleportos, joint-ventures para satélites, lançamentos… Não é algo novo, mas vai crescer.

Você já mencionou o impacto dos satélites definidos por software. Do ponto de vista de tecnologias, podemos esperar alguma outra grande inovação, como foram os foguetes reutilizáveis?

Estamos muito animados com os veículos de extensão de missão (MEVs – satélites que permitem o reabastecimento de outros satélites em final de vida útil). Foram duas missões com grande sucesso até aqui nos últimos três anos. Em uma recuperamos um satélite já aposentado e que estava em uma órbita de descarte. Trouxemos ele de volta e conseguimos colocar ele de volta ao serviço. Parece ficção científica, mas a gente precisava provar o modelo de negócios e conseguimos. O objetivo é dar a esses satélites mais vida do que custa a missão de reabastecimento. São satélites antigos, que não tem nenhuma preparação especial para serem reabastecidos, então é um grande feito. Na segunda missão fizemos o acoplamento em um satélite que ainda estava em serviço e com clientes, o que é ainda mais impressionante. Acreditamos que esse tipo de missão pode mudar significativamente o mercado, e estamos olhando com muita atenção o desenvolvimento da tecnologia nesse sentido. É uma discussão importante para a sustentabilidade do espaço e temos casos como a OneWeb, que pensou nisso na sua constelação, colocando já alguns recursos no satélite, como uma placa de acoplamento magnética, que no futuro poderão ser utilizados para um processo de manutenção em órbita.

Sobre a possível fusão com a SES?

Não sei mais do que você sobre esse tema (risos).

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