Oferta de cursos feita pela Telefônica irrita órgãos de defesa do consumidor

Uma contrapartida sugerida pela Telefônica e aceita pela Anatel para a concessão da anuência prévia à aquisição plena do controle da Vivo pelo grupo espanhol, desagradou profundamente os supostos beneficiários da exigência. A proposta consiste em "apoiar e patrocinar cursos de Pós-Graduação lato sensu (Especialização) em Regulação de Telecomunicações, com ênfase nos direitos dos usuários, aos órgãos oficiais de proteção e defesa do consumidor e entidades representativas da sociedade organizada que tenham interação com a Anatel e com o setor de telecomunicações", conforme descrito na análise do conselheiro-relator do processo, Jarbas Valente.
Pelo que consta na análise, a proposta foi aceita embora não possa ser considerada uma condicionante no estilo tradicionalmente adotado pela Anatel. Na prática, a agência reguladora concordou com a oferta, mas caso o grupo Telefônica não a cumpra, o processo de anuência prévia não corre o risco de ser revisto, como acontece com a infração de condicionantes típicas. O voto de Valente, acompanhado pela maioria dos conselheiros no que se refere às contrapartidas, não deixa dúvidas de que a proposta feita pelos espanhóis foi aceita, mesmo que não tenha impacto no processo. No último item da análise, o relator sugere "notificar a Vivo, para que dê pleno cumprimento à proposta ofertada, de apoiar e patrocinar cursos".
Mesmo não sendo uma condicionante plena – com poder de anular a anuência em caso de descumprimento e, por isso, acompanhada de uma exigência absoluta de execução -, a proposta gerou grande desconforto nas entidades de defesa do consumidor, que supostamente são as beneficiárias da oferta. A lógica é simples: para os órgãos de proteção do consumidor, a oferta da Telefônica soa como uma tentativa de doutrinamento destas entidades, que funcionam como fiscais civis da qualidade do serviço prestado pela empresa.

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"A nossa primeira reação foi de estranhamento", conta Guilherme Varella, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). "A gente defende um modelo de regulação que envolva a atuação social, com um diálogo direto com os consumidores. Mas é papel da Anatel fazer a tradução de todos os aspectos técnicos para os consumidores. Ela não pode, de maneira nenhuma, transferir isso para um ente privado. Para nós, isso é completamente descabido", reclama. Para o advogado, quem tem que aprender mais sobre os direitos dos consumidores são as empresas e não as entidades que defendem os usuários.
A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste) também não ficou nada satisfeita ao perceber que a Anatel aceitou a realização dos cursos patrocinados pela Telefônica, mesmo que não seja como uma condicionante à anuência. "Pelo que tudo indica, a Vivo e a Telefônica são as campeãs de reclamações pelo ranking da Anatel fechado em 2009. Sendo assim, como pode a Vivo e a Telefônica – empresas das mais reclamadas – estarem legitimadas para promover cursos de especialização e regulação de telecomunicações para as entidades de defesa do consumidor?", questiona a advogada da entidade, Flávia Lefèvre.
Esquizofrenia
Flávia lembra que recentemente foi realizado um grande simpósio promovido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo Ministério Público Federal (MPF), junto com outras entidades de controle externo, "com o objetivo de integrar ações para brecar o nível de ilegalidade que assola os mercados de telecomunicações de todo o país". Dado o cenário, a contrapartida oferecida pela Telefônica seria ainda mais ultrajante na visão dos órgãos de defesa do consumidor. "É possível que se estabeleça uma dinâmica perniciosa e perversa de cooptação desses órgãos pelo discurso das empresas", analisa Flávia.
O fato de as empresas do Grupo Telefônica estarem entre as mais reclamadas no setor de telecomunicações também foi frisado por Guilherme Varella como um desabonador da empresa para patrocinar os cursos. "As empresas têm três obrigações básicas com o consumidor: prestar bem o serviço; atender bem o usuário; e respeitar o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Se uma empresa não faz direito essas três coisas, se ela não cumpre seu principal objetivo com a sociedade, como pode se propor a ensinar os órgãos de defesa do consumidor? É, no mínimo, uma coisa esquizofrênica."
O Procon-SP também foi procurado por esta reportagem, mas preferiu não comentar a contrapartida oferecida pela Telefônica. Por meio de sua assessoria, a entidade informou apenas que não foi consultada pela Anatel sobre o interesse na oferta da empresa, nem informada oficialmente de que a proposta teria sido aceita. Os demais órgãos de defesa do consumidor ouvidos também fizeram o mesmo protesto, afirmando que em momento algum a agência reguladora os consultou sobre este ou qualquer outro item da anuência prévia.
Semelhanças
O caso tem semelhanças com uma outra contrapartida – essa com efeito de vinculado à vigência da anuência – oferecida pela Oi e aceita pela Anatel no processo de compra da Brasil Telecom. Neste processo, a Oi sugeriu a inclusão de uma exigência de que ela providenciasse tratativas com a Agência Espacial Brasileira (AEB) para contribuir no projeto de lançamento de um satélite geoestacionário brasileiro. A agência reguladora aceitou a proposta, que passou a constar formalmente no ato de anuência. A empresa, assim, tinha a obrigação de cumprir o item, sob pena de ver a anuência revogada.
Acontece que a AEB jamais foi consultada pela Anatel sobre seu interesse em integrar a Oi no projeto. Ao fim, a condicionante foi dada como "cumprida" na semana passada pelo Conselho Diretor pelo simples fato de que a Oi tentou fechar o acordo, mas a agência espacial negou interesse. O caso, apesar de aparentemente simples, chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU) que decidiu, também na semana passada, abrir um processo específico para acompanhar o assunto. No acórdão onde consta a decisão, a Anatel foi criticada por não ter procurado a suposta beneficiária da medida – a AEB – antes de aceitar a oferta da Oi. Francisco Perrone, vice-presidente de assuntos internacionais da Oi, durante o 10o Semináro Latino-Americano de Satélites explicou que a operadora é a maior compradora de capacidade satelital no Brasil e, por isso, tem interesse em não ser apenas um cliente de um satélite nacional.

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