A Revisão PGMU: uma análise de custo de oportunidade

Nos termos do art. 80 da Lei n. 9.472, de 16/07/1997, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), as obrigações de universalização serão objeto de metas periódicas.

As metas de universalização podem variar no tempo, tendo em vista seu caráter eminentemente social. Tal compreensão foi devidamente sedimentada na Exposição de Motivos n. 231/1996, do então Ministério das Comunicações:

Por se tratar de uma questão de natureza eminentemente social, deve-se admitir, de antemão, que essa obrigação possa variar com o tempo, à medida que certos objetivos sejam atingidos e que a evolução da economia, do desenvolvimento regional, das questões demográficas, da distribuição de renda e outras, vão alterando as condições iniciais. Por isso, as metas específicas de serviço universal devem poder ser modificadas periodicamente, de forma a ser adaptadas às condições de cada momento.

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Portanto, o chamado Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) constitui instrumento relevante da política pública para o setor de telecomunicações, mediante o qual objetiva-se conferir tangibilidade ao citado comando normativo da LGT.

Nessa esteira, os Decretos n. 2.592/1998, 4.769/2003, 6.424/2008 e 7.512/2011 estabeleceram metas de acessos individuais e coletivos às concessionárias, dentre outras. As metas variaram no tempo e, para além disso, nos mais recentes instrumentos foram contempladas metas associadas à instalação de postos de serviços em áreas rurais, ao acesso individual classe especial e, notadamente, à implementação de infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga.

É preciso lembrar que o objeto material dos contratos de concessão é a exploração do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) em regime público. Cuida-se de um serviço que, por meio de processos de telefonia, permite a comunicação de sinais de voz e outros sinais, limitado à capacidade de 64 kbit/s.

Veja-se que, quando da promulgação da LGT, a principal questão a ser endereçada era a universalização da telefonia fixa, haja vista a demanda reprimida então existente. Sem embargo, reconhecida e notoriamente, o STFC perdeu importância relativa vis-à-vis às demais opções de serviços e aplicações disponíveis aos usuários. Tal constatação não é objeto de dissenso.

Paralelamente, significativos avanços em termos de cobertura de voz e de acesso à bandar larga móvel foram logrados, em regime privado, por meio de editais licitatórios de outorga de direito de uso de radiofrequência levados a cabo pela Anatel. Ressalto, contudo, que ainda é preciso avançar nesse sentido. Tais avanços, aliás, não dar-se-ão caso as licitações se derem com viés arrecadatório.

Fato é que a telefonia fixa já não dispõe das mesmas condições de atratividade ou de essencialidade de outrora e que os principais avanços do setor brasileiro se deram, ao menos na última década, em regime privado.

Em outros termos, muito embora a universalização da telefonia fixa tenha tido grande avanço ao abrigo dos diversos PGMUs, alhures mencionados, é forçoso concluir que o foco no STFC não preza pela efetividade das políticas públicas atualmente demandadas pela sociedade brasileira. A perda da atratividade comercial desse serviço convalida tal diagnóstico, qual seja, a mudança da percepção social quanto à essencialidade do STFC.

Sem embargo, ao menos por ora, quaisquer propostas de revisão do PGMU estão confinadas ao marco legal vigente. Nessa perspectiva, desonerações do contrato de concessão devem ter como contrapartida a formulação de compromissos relacionados com o objeto material da concessão, qual seja, o STFC.

Nesse contexto, importa mencionar, ainda que brevemente, o PL 79/2016. Trata-se de uma solução legislativa que, ao meu ver, permitirá ao Brasil superar entraves que o atual marco das concessões da telefonia fixa representa aos investimentos necessários para a modernização da infraestrutura de telecomunicações do País.

Há, todavia, posicionamentos, legítimos e democráticos, contrários à proposta legal suscitada. Enfim, conciliar posições e concepções antagônicas é algo complexo. É factível, no entanto, conciliar propósitos/interesses maiores e legítimos, tais como garantir oportunidades para que a banda larga esteja, de fato, no centro da política pública.

De qualquer sorte, a matéria requer a devida discussão política no âmbito do Congresso Nacional. O legislador democrático tem a prerrogativa, tanto do tempo quanto da forma, para o tratamento da matéria.

Ademais, convém lembrar que a proposta legislativa tão somente abre uma janela de oportunidade. Não significa, assim, que a adaptação dos termos de outorga prevista no PL, de concessão para autorização, ocorrerá de fato.

Portanto, a retomada do debate atinente à alteração do PGMU é necessária e independe das perspectivas de aprovação da proposta legal. Nesse sentido, abaixo é realizado breve exercício teórico com o fulcro de se atentar para o custo de oportunidade concernente à manutenção da política pública vigente.

Pois bem. Esclareça-se, desde já, que o exercício proposto limitar-se-á à análise do custo de oportunidade associado às metas de acesso coletivo. Ou seja, relativo à manutenção do chamado Telefone de Uso Público (TUP), notadamente daquelas referentes à densidade e à distância dos acessos coletivos.

Três aspectos fundamentais norteiam os cálculos da desoneração das obrigações de cobertura de TUP. Primeiro, a contabilização do quantitativo teórico necessário para o atendimento das atuais exigências. Em seguida, a estimativa da quantidade necessária para adequação ao novo contexto, sumarizada em figura exposta adiante. Por fim, o cálculo do saldo em valor presente.

Das Estimativas

Para fins de estimativa foram elaboradas premissas sobre dois aspectos. A primeira trata da receita com a prestação desse serviço. Essa receita corresponde ao somatório dos créditos válidos para fins de faturamento. O cálculo estimado da receita foi realizado com a seguinte equação.

 

Por sua vez, o fluxo estimado de gastos, que abrange a despesa operacional de manutenção (OPEX manutenção) e desmobilização da planta (OPEX desmobilização), foi estimado a partir de médias ponderadas.

Os valores de referência de Receita, de "OPEX Manutenção" e de "OPEX Desmobilização" são médias ponderadas pelo número de TUP ativo por concessionária.

A diferença entre os valores presentes dos fluxos de caixa das condições vigentes e da perspectiva do novo contexto de disponibilização de TUPs representa o valor a ser desonerado. Para fins do presente estudo, utilizou-se como taxa de desconto o Custo Médio Ponderado do Capital (CMPC) regulatório, estimado em 9,05%, em termos reais.

A equação 2, a seguir, resume o cálculo do correspondente valor presente do fluxo de caixa.

 

 

Base de dados e Premissas

Dados e premissas utilizadas para contabilização dos valores presentes do evento: Desoneração de obrigações associadas à disponibilização de TUPs.

 

 

Do exposto, foi obtido o seguinte:

 

Custo de oportunidade associado ao intervalo temporal 2015-2018 (valores baseados em 2018): R$ 1.115.125.004,33

 

Esse intervalo temporal (2015-2018) contabiliza, em valores correntes, o custo de oportunidade já incorrido, considerando todo o ano de 2018. Cuida-se de avaliação hipotética, segundo a qual a desmobilização dos TUPs ocorreria de forma imediata, a partir de 01/01/2015.

Registre-se que os cálculos são não-exaustivos e podem ser objeto de aprimoramento. Sem prejuízo de eventuais refinamentos metodológicos, espera-se demonstrar a magnitude do custo de oportunidade associado à não revisão das metas de acesso coletivo.

Por óbvio, consoante o exposto, a revisão do PGMU está subordinada ao marco legal vigente, o que traz contornos mais complexos para a reformulação da política pública, prezando-se pela eficiência da alocação dos recursos. Isso porque a destinação dos recursos correspondentes às desonerações deve guardar correspondência com o objeto material da concessão, qual seja, o STFC explorado em regime público.

Em suma, a revisão do PGMU não passa pela promulgação do PL, muito embora a revisão do arcabouço legal pudesse conferir maior efetividade à destinação dos valores decorrentes de eventuais desonerações.

De qualquer sorte, o presente exercício visa a apresentar singela contribuição para uma reflexão mais detida sobre o custo de oportunidade ora incorrido, tendo em conta a importância da eficiência alocativa, em termos socioeconômicos, dos recursos empregados.

(* – Os autores são, respectivamente, conselheiro da Anatel e assessor especial do gabinete do conselheiro na agência)

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