Marco Civil da Internet completa 5 anos

© Gustavo Lima/Câmara dos Deputados, CC BY 3.0

exatos cinco anos, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet durante a cerimônia de abertura do congresso NetMundial. O texto sancionou sem vetos o que havia sido aprovado no dia anterior, no Senado Federal, e previa ainda a regulamentação, que veio dois anos depois, em maio de 2016, por meio do Decreto 8.771/2016. Entre os principais pontos, a nova legislação trouxe uma abordagem multissetorial de governança e principiológica para temas como neutralidade de rede e privacidade de dados.

O Marco Civil aproveitou três dos dez itens do decálogo do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), justamente os mais aplicáveis: neutralidade, proteção de dados pessoais e a impossibilidade de remoção de conteúdo sem ordem judicial. "São as questões mais legisláveis", destacou o conselheiro do notório saber do CGI.br, Demi Getschko. Por incorporar princípios, a lei permanece com uma redação atual, na opinião do conselheiro, especialmente com a futura complementação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a Lei nº 13.709/2018. "Tem sido válido e tem sido aplicado de formas que vão melhorar com o tempo", afirma.

A aprovação do texto em si veio com um empurrão após as revelações de espionagem do governo norte-americano, divulgadas pelo ex-colaborador da agência de segurança NSA, Edward Snowden. Mas o texto tramitava há anos no Congresso, sendo alvo de intensos debates e contribuições. Em termos gerais, o documento final não foi o ideal para ninguém, mas conseguiu ser "o possível". Hoje, na opinião dos especialistas consultados por este noticiário, a lei se mantém atual, tanto em seus acertos como em seus defeitos.

Notícias relacionadas

"Se não tivéssemos o Marco Civil como ele veio, com as garantias que ele teve na neutralidade, na proteção de dados pessoais e da não responsabilização de provedores por conteúdos de terceiros, poderíamos ter um quadro pior, ainda que os direitos do MCI não estejam sendo cumpridos como a gente gostaria", analisa a representante do 3º setor no CGI.br, Flávia Lefèvre. Como avanço, ela cita jurisprudências no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à inimputabilidade da rede, com a não responsabilização de provedores, com base no artigo 19 da Lei. Lefèvre destaca ainda o estabelecimento da Internet como serviço essencial universal e o artigo 25, que determina a governança de forma multissetorial. "O saldo é positivo, ainda que tenham disputas", diz. "Acho que o Marco Civil é muito relevante, porque é uma lei principiológica, apesar da pressão na época de definir questões pontuais."

A abordagem diferente levou a Lei 12.965 a ser referência em fóruns internacionais. O texto chegou a ser utilizado como base para uma proposta de marco legal na Itália, mas a lei não chegou a ser "totalmente promulgada", conforme explicou Getschko. "O MCI é um exemplo. Não há fórum internacional que trate de neutralidade, proteção de dados pessoais e inimputabilidade da rede e que não fale dele", explica Flávia Lefèvre, destacando a importância do caráter multissetorial na governança da Internet. "Isso foi reconhecido no NetMundial, é de importância fundamental."

Bloqueio do WhatsApp

Apesar dos avanços, Demi Getschko analisa que o texto acabou passando por interpretações que considera equivocadas, o que evidencia uma necessidade de maior compreensão. "Se ler de uma forma não correta ou profunda, não conceitual, pode entender erradamente [o conteúdo] por ser uma lei principiológica. Ainda tem trabalho para educar, tem que ser cada vez melhor entendido."

Uma aplicação do Marco Civil da Internet que se mostrou particularmente atribulada foi a do artigo 12, que fala em suspensão de atividades. O item foi citado em decisões judiciais que bloquearam o serviço do WhatsApp no Brasil em 2015 e em 2016 (por duas vezes). "É um dispositivo de privacidade, mas alguns magistrados ampliaram a norma e, em vez de suspender a coleta de dados, suspenderam o aplicativo como um todo", analisa o diretor do ITS Rio e professor da UERJ, Carlos Affonso. Ele diz que há duas ações no Supremo envolvendo o bloqueio, mas ainda pendente, questionando a constitucionalidade do art.12 ou um suposto dano à liberdade de expressão.

"Concordando ou não com a interpretação que o tribunal pode dar, você dizer tudo, menos que o MCI não pegou. Às vezes, ela pegou até demais, com casos que deveriam ser decididos de outra forma, mas que ampliaram o escopo do Marco Civil." Affonso ainda lembra que a decisão do juiz Ricardo Lewandowski, que suspendeu o bloqueio ao WhatsApp, cita princípios dessa legislação. "Foi uma das decisões mais importantes desses cinco anos, ainda que não seja definitiva."

"Não engessou muita coisa, e as empresas se adaptaram, e a própria Internet e o MCI também", explica o sócio do escritório FAS Advogados e consultor jurídico do MEF, Rafael Pellon. Ele diz que houve preocupações iniciais com uma possível regulação mais forte, colocando conflitos com operadoras. "Mas no final, nas últimas redações [da lei], o que era conflitante com o setor de telecom foi retirado, e o filtro foi bem feito." Ele avalia que a Internet não está prevista na Lei Geral de Telecomunicações como um serviço público ou privado, e que em algum momento poderá haver a necessidade de reunir as normas do CGI.br, da Anatel e do MCI em uma regulação única. "Mas hoje, a Internet é muito dinâmica para regular como utilitie. Em telecom os ciclos são de 15 anos, a cada 15 anos muda tudo, mas na Internet muda tudo a cada cinco ou dez anos. Não tem regulador que aguente, então autorregulação funcionaria de forma mais dinâmica", considera.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!