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Com mudança de comando, Globo reforça política e estratégia multiplataforma

Foto: Pixabay

O significado do retorno dos Marinho ao comando do grupo Globo, com o anúncio da ascensão de Paulo Marinho à presidência da empresa e João Roberto Marinho à presidência do grupo (o que inclui também jornais, rádios e outros investimentos), tem que ser entendido e analisado sob diferentes perspectivas, com diferentes implicações.

Para quem observa e analisa o grupo Globo há décadas, como é o caso de TELA VIVA, o que fica claro é que existe um movimento pendular, que já era esperado de uma empresa familiar cujos herdeiros vinham sendo preparados para assumir o comando, especialmente no caso de Paulo Marinho. O executivo teve a maior parte de sua carreira moldada dentro da Globosat, já com a visão de multiprogramação, nichos de mercado, modelos de negócio que não dependem apenas do mercado de publicidade, como é a TV aberta. E essa é a principal mudança simbólica. Paulo Marinho é um executivo ainda jovem, mas que além de ser herdeiro da família, esteve mergulhado no dia-a-dia dos negócios do grupo na parte que, ao longo dos último anos, foi a mais rentável e mais desafiada por novos modelos.

Interlocutor para um momento único

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João Roberto Marinho, como filho do fundador Roberto Marinho, dispensa apresentações e já é personagem de primeira grandeza na história do grupo há décadas, como são seus irmãos Roberto Irineu (que ficou por muito anos na posição de CEO) e José Roberto (este sempre mais discreto, e pai de Paulo Marinho). Quem conhece a história do grupo sabe que nos últimos 25 anos João Roberto Marinho foi a verdadeira figura institucional do grupo. Coube a ele desde meados dos anos 90, mas sobretudo após a morte do pai, Roberto Marinho, em 2003, a relação mais próxima com o jornalismo do grupo, com as afiliadas (e com os muitos interlocutores políticos, donos das afiliadas), com os principais atores políticos brasileiros e responsável direto por todas as questões que passam por Brasília. Na prática, o fato de ter assumido a presidência do grupo não muda nada nestas funções de João Roberto, mas o fato é que não existe mais a distância da figura de um herdeiro-conselheiro longe da arena política: a família retomou o controle direto e operacional do grupo.

Tudo isso em um momento inédito  na história da Globo, em que ela é tida pelo governo e seus apoiadores como inimiga declarada; seu acesso ao Poder Executivo tornou-se extremamente limitado (algo que nunca aconteceu antes, nem mesmo no governo do PT); em que as relações com as afiliadas estão desgastadas pelas quedas de receita generalizadas no setor de mídia e mudanças de modelos de negócio da própria nave-mãe Globo, que partiu com tudo para a Internet; às vésperas de uma eleição presidencial em que o grupo não parece ter vida simples com nenhuma das opções viáveis nesse momento; e com uma inevitável discussão sobre o ambiente regulatório das comunicações e da Internet no Brasil. Sem falar na sempre lembrada (pelos grupos bolsonaristas) renovação das outorgas de TV do grupo, a partir de outubro do próximo ano,  o que não depende apenas da caneta de Bolsonaro, pois o processo precisa do aval do Congresso, mas podem ser muito atrapalhadas por um governo hostil. A comunicação direta com um “Dr. Roberto”, indiscutivelmente, terá um peso.

Um novo modelo

O desafio de Paulo Marinho à frente das operações e principais negócios do grupo é igualmente imenso . A Globo, ao contrário do que dizem os grupos de WhatsApp, está longe de estar quebrada, mas a transformação dos modelos da empresa não será simples. Os números da Globo são sem dúvida mais desafiadores porque a competição com empresas de Internet pelo bolo publicitário e declínio da TV paga afetaram as principais fontes de receita. Mas ela não está morta.

A Globo tem se preparado para isso há muitos anos, e mesmo com o imenso impacto negativo nas receitas publicitárias de 2020 em função da pandemia e suspensão dos eventos esportivos, e investindo um caminhão de dinheiro no Globoplay e na sua capacidade de produção, ainda assim conseguiu fechar com lucro de quase R$ 170 milhões no ano passado, resultado bastante superior ao dos demais grupos de mídia tradicionais brasileiros com receitas exclusivamente comerciais. Sem falar na confortável posição de caixa de mais de R$ 12 bilhões. Adendo importante importante: o tão falado “fim da mamata” do governo Bolsonaro, cortando as verbas publicitárias governamentais de veículos que considera hostis a seu governo, teve efeito mínimo sobre os números comparado com todos os outros desafios.

Mas Paulo Marinho precisa enfrentar a transformação do modelo da TV por assinatura, ainda hoje o principal carro-chefe do grupo em receitas, ao lado da publicidade; garantir que o Globoplay seja uma plataforma competitiva na guerra internacional das plataformas de streaming; enfrentar todos os desafios tecnológicos e competitivos com as empresas de Internet; e conseguir manter a empresa e seus talentos unidos em torno de um projeto que tenha futuro.

Nos últimos anos, por força da reestruturação e da execução de projetos estratégicos que tinham como premissa número um a saúde financeira da empresa para enfrentar o futuro, a Globo se afastou alguns pontos dos elementos que fizeram dela um dos maiores grupos de comunicação do mundo: talentos comprometidos com os projetos; direitos sobre conteúdos relevantes; e influência na opinião pública e na vida das pessoas. A Globo abriu mão de alguns direitos esportivos importantes, não renovou contratos de artistas relevantes e abriu vários flancos para a concorrência e hostilidade de parte significativa da população. Foi uma conta fria e possivelmente inevitável (talvez modulável?), mas certamente com efeitos colaterais.

Mas o maior desafio é o da relevância: a Globo se prepara para enfrentar uma geração que não consome mais a mídia tradicional, e para essa nova geração, ela não tem o papel que teve para as gerações anteriores e que continua tendo para parcela significativa da população. Estes desafios estavam na mesa há alguns anos e o projeto “uma só Globo” é uma tentativa de responder a isso, com disciplina fiscal. Paulo Marinho terá que levar o plano adiante, fazendo os ajustes que julgar necessários, e avaliar os resultados do que foi feito até agora.

O papel de Nóbrega

Mas é importante falar também do papel de Jorge Nóbrega, que deixa o comando do grupo, ainda que permaneça no conselho. Não é exagero dizer que Nóbrega foi um dos responsáveis por salvar a Globo quando a situação do grupo era muito mais desafiadora, do ponto de vista financeiro, do que a atual. Em 2002, a Globo entrou em concordata, e foram vários anos, com Jorge Nóbrega à frente das negociações com os credores, para que o grupo conseguisse sair do sufoco.

Depois disso, Nóbrega teve um papel relevante em arbitrar espaços para que o principal novo negócio do grupo, a programadora Globosat, tocada por Alberto Pecegueiro, crescesse sem ser mortalmente detonada pelo time da TV aberta, como acontecia nos anos anteriores, ainda que as rusgas territoriais sempre estivessem presentes. O sucesso do modelo foi tal, e a Globo ganhou tanto dinheiro nesse período, que Nóbrega se tornou o executivo mais importante do grupo, recebendo o bastão de Roberto Irineu Marinho. Um resumo dessa história pode ser lida aqui.

Foi também Jorge Nóbrega um dos responsáveis  por dar ao grupo o rumo tomado nos últimos anos em torno do projeto de fazer da Globo uma “mediatech”, algo que nunca esteve no DNA da empresa mas que indiscutivelmente terá que ser adquirido daqui para frente, sem perder o seu DNA original. É um desafio em curso desde 2018.

Paulo Marinho, como executivo, começou a viver essa história dentro da Globo no começo dos anos 2000, ainda como aprendiz,  foi cultivado dentro da Globosat no melhor momento da empresa (e nos mais desafiadores) e participou ativamente das discussões sobre esse momento de virada para um projeto ainda incerto no mundo digital. Um pouco de sua visão pode ser vista nesta entrevista dada durante o PAYTV Forum, em agosto deste ano.

O pêndulo e a batuta, como já era esperado, voltam para os Marinho, mas os tempos são outros.

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