Nenhum contrato é eterno

A seguir, a íntegra do editorial da revista Teletime de junho que já está circulando esta semana:

"Será que uma operadora de telecomunicações privatizada que funciona no regime de concessão pública deve ser encarada como outra empresa qualquer que tenha feito investimentos no País? A pergunta se coloca após a crise surgida entre as três concessionárias de telefonia fixa local e o governo Lula em torno do reajuste de tarifas deste ano e os novos contratos de concessão para o período 2006 a 2025. E a resposta a essa pergunta é monossilábica: não. Telefônica, Telemar e Brasil Telecom são antes de qualquer outra coisa prestadoras de um serviço público essencial para a população (como transporte e eletricidade), que no mundo moderno é um insumo básico para todos os demais setores da economia. Portanto, o interesse público vem antes de qualquer alegado direito adquirido. Isso é assim no Brasil e em qualquer outro país civilizado deste planeta.
O interesse público se sobrepõe até ao direito do acionista de dispor dos recursos da empresa como lhe convier. Um bom exemplo disso é a reversibilidade dos bens, compulsória para as concessionárias. Quem investiu numa concessionária de telecomunicações sabe ou deveria saber que esse negócio não pode ser medido pelos mesmos parâmetros dos investimentos no mercado financeiro ou numa cadeia de lanchonetes.

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Por outro lado, a relação entre poder concedente e concessionária não segue a lei da selva. Existem regras para isso. E são claras: cabe à Anatel regular e fiscalizar com base nas leis e nos contratos firmados sob a orientação política do governo. Esta orientação política materializou-se, na era FHC, na Lei Geral de Telecomunicações. E o Ministério das Comunicações é também instrumento de ação política. No governo passado, a vontade política do governo fez com que a LGT fosse aprovada rapidamente no Congresso, permitindo assim a realização dos leilões de privatização. A pressa era tanta que até se deixou de lado a questão da comunicação social (a democratização da mídia eletrônica), até hoje empurrada com a barriga. A necessidade de caixa do governo FHC foi, sem dúvida, a razão da pressa.
O novo governo assumiu com projetos e prioridades diferentes do anterior. Enfrentou de imediato ameaça inflacionária, tratada com remédio amargo para todos. E, sem romper contrato nenhum vigente, fez ver às operadoras que o reajuste das tarifas de uma só vez indexadas pelo IGP-DI jogaria no ralo todo o sacrifício de seis meses imposto à sociedade.
Estabeleceu também, por decreto, as linhas que deverão dar o tom de sua política de telecomunicações. O PSDB, antigo partido de governo, através do deputado Alberto Goldman, considera a medida inconstitucional e entrou com uma ação no Supremo. Já a Advocacia Geral da União considerou o procedimento legal. As operadoras ameaçaram ir aos tribunais, alegando violação de contratos.
Seja qual for o resultado dessa discussão (se uma linha política pode ser estabelecida ou não por decreto ou se é necessário mudar a LGT), vale ressaltar que não existem contratos imutáveis. Na medida em que se tornam inviáveis para qualquer uma das partes, ou se chega a um acordo, ou não poderão ser cumpridos. É o que acontece de um simples aluguel de imóvel a tratados internacionais.
Convém lembrar às operadoras de telefonia fixa que suas obrigações públicas não se encerram com a antecipação das metas de universalização ou cumprindo metas de qualidade, que por sinal estão muito abaixo do desejado. Tampouco podem se organizar em cartel e se recusar a competir nos serviços locais onde detêm monopólios regionais. Também não é aceitável que cortem investimentos e empregos no Brasil, preocupando-se apenas em gerar um enorme Ebitda, colocando em risco a vida das empresas fornecedoras de produtos e serviços aqui instaladas, inviabilizando qualquer tentativa de promover uma política industrial por parte do governo e remetendo bilhões de reais para a matriz, como a Telefônica fez em 2002 e pretende fazer também este ano – fato revelado ao mercado acionário em Madri, para mostrar que os investimentos na América Latina e particularmente no Brasil propiciaram uma geração de caixa livre de US$ 1,7 bilhão para a Telefónica de España só no ano passado. E, por fim, todos devem ter em mente que daqui até 2025 pelo menos mais quatro governos virão, querendo implementar suas políticas.
Se contratos fossem imutáveis ao longo do tempo, poderíamos estar vivendo nas telecomunicações brasileiras de hoje uma situação peculiar: todas as operadoras do País até uma linha imaginária situada a 370 léguas a oeste do arquipélago do Cabo Verde pertenceriam à Portugal Telecom e as que estiverem além dessa linha, até o Oceano Pacífico, pertenceriam à Telefónica de España.
Afinal, não consta que o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, pelos reis de Portugal e de Castela, tenha sido revogado em algum momento da história. Ele simplesmente perdeu a legitimidade e deixou de ser obedecido.
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