O Uber e o valor da informação

Os aplicativos de compartilhamento de veículos tipo Uber, Cabify e 99 conseguiram evitar o desastre que seria a aprovação do PLC 28/2017 pelo Senado, que inviabilizaria o modelo de operação destas empresas. Com uma mudança de última hora no projeto, o cenário para os aplicativos melhorou. Na prática, restou o direito das prefeituras fiscalizarem as atividades destas empresas, mas sem a exigência de placas vermelhas nos carros, licença da prefeitura (o que equivalia transformar os carros que servem a estes aplicativos a taxis) ou exigência de carros próprios. E o projeto ainda volta para a Câmara, dando mais tempo para a sua efetivação, se for aprovado.

O Senado entendeu que é possível chegar a um meio termo entre não deixar sem nenhum tipo de supervisão uma atividade tão presente na vida das pessoas (e que compete intensamente com um outro modelo, fortemente regulado) mas, ao mesmo tempo, garantiu espaço para inovação e novos modelos de negócio. "O PLC tem viés intervencionista em atividade privada. Não estamos tratando de concessão pública, não devemos ultrapassar o limite do bom senso. Não afastemos a capacidade empreendedora e a liberdade das pessoas decidirem, de fazer suas escolhas", disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES). Curiosamente, Ferraço é o autor de um outro projeto já aprovado no Senado (PLS 174/2016) que proíbe terminantemente a adoção do modelo de franquias na banda larga fixa. Sobre isso já falamos aqui.

Mas voltando à questão do Uber e deixando as incoerências do senador de lado, um dos fatores que possivelmente levaram à exitosa reviravolta de última hora pode ter sido simplesmente dar  transparência ao que estas empresas de internet fazem. A Uber, maior das empresas de compartilhamento de veículos, trouxe seu CEO global ao Brasil. Dara Khosrowshahi veio ao país, deu entrevistas e, sobretudo, abriu números. Revelou que a Uber pagou, de janeiro a agosto, R$ 495 milhões em impostos, e revelou que a empresa ajuda 500 mil motoristas a terem uma renda.

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A transparência é sempre positiva, porque permite ter uma ideia do que estamos falando. As empresas de Internet que operam no Brasil, como Facebook, Google e Netflix, têm receitas importantes no Brasil, mas sabemos pouco sobre isso. As receitas de empresas como Google e Facebook com o mercado publicitário são desconhecidas. Estima-se em R$ 8,7 bilhões ao ano. Concorrentes e reguladores ignoram completamente o número de assinantes da Netflix no Brasil. Estima-se em 6,5 milhões, mas sem muita segurança.

Conhecer estas empresas é importante, porque a simetria de informações gera uma concorrência mais justa, sobretudo quando se fala de agentes regulados competindo com agentes não-regulados. Ter informações também ajuda reguladores e legisladores a evitar decisões equivocadas, como seria proibir a atuação de aplicativos de compartilhamento de veículos (ou impor a restrição de modelos de franquia na banda larga, como é o caso de um outro projeto de lei, importante para as empresas de telecom). É natural que os aplicativos queiram esconder seus dados, seja por estratégia competitiva, seja para evitar a atuação regulatória do Estado. Mas é de se perguntar se isso é bom para o ecossistema econômico como um todo.

Vejamos o caso do Uber: com os poucos dados apresentados, é possível saber muito sobre o que o serviço de fato agrega à vida dos "colaboradores" (motoristas) que se dispõem a trabalhar para a empresa. Considerando a carga tributária média para empresas estimada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, de 33% sobre o faturamento, e sabendo-se agora que o Uber pagou nos primeiros oito meses do ano R$ 495 milhões em tributos, sabemos que a receita anual do aplicativo deve estar na casa dos R$ 2,2 bilhões.

Sabemos que o Uber fica com 25% de cada corrida. Isso permite estimar que para os motoristas ficam R$ 8,9 bilhões ao ano. Sabemos agora que o Uber tem 500 mil motoristas cadastrados. Supondo que todos eles estejam dirigindo ativamente, deduzimos que cada motorista ganha R$ 1,45 mil por mês em média. Supondo-se que apenas metade dos cadastrados efetivamente trabalhe regularmente, essa média subiria para R$ 2,9 mil por motorista, por mês. É pouco? É muito? É justo? É melhor que o modelo de taxi tradicional? Deveria haver uma regulação destas relações de trabalho? Cabe à sociedade dizer, mas isso só pode ser feito a partir de dados conhecidos e transparentes.

Há casos em outros setores bem mais tradicionais em que a ausência de informação também é um problema. O mercado de radiodifusão, por exemplo, é pouquíssimo transparente. Ao não se ter informações básicas, não é possível dizer se é um mercado equilibrado, qual seu peso na economia ou se é um mercado sustentado por outros interesses (políticos, por exemplo). A radiodifusão tem um papel público e utiliza um bem público (espectro). Poderia seguir o exemplo do Uber, e assim passará a ter automaticamente o direito de cobrar de Facebook e Google, por exemplo, que abram seus dados também.

Nem todos os mercados devem abrir suas vísceras para a sociedade (e para o Estado). Aqueles que não utilizam bens públicos, não são ou não competem com agentes regulados ou não têm uma importância estratégica nacional, não têm razão para serem transparentes em dados estratégicos. Afinal, o segredo pode ser parte do negócio. Mas muitas vezes ser transparente também ajuda. No caso do Uber, parece ter sido o caso.

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente análise. Breve, mas no ponto. Precisa a observação sobre a radiodifusão. Só tenho uma discordância de fundo: chamar a Uber e similares de aplicativos de compartilhamento de veículos mascara sua face real de empresas de transporte individual ou coletivo que disputam, e alteram substantivamente, o mercado convencional das empresas de táxi. A chamada economia de compartilhamento não funciona mais aqui, se é que algum dia funcionou, tal qual não mais funciona, com exceção aqui e acolá, com a AirBnb.

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