A convite da Associação Brasileira de Provedores de Internet – Abrint tive a honra de participar no sábado 28 de maio de seu Encontro Nacional que aconteceu no espaço de grandes eventos Expo São Paulo como um dos debatedores do painel "crédito ao alcance do provedor: do clássico ao digital" destinado a debater fontes de recursos para o financiamento desses heroicos empreendedores que promovem a conectividade com a expansão da banda larga com fibra em casa no Brasil.
O debate foi mediado pela conselheira da Abrint, Cristiane Sanches, e contou com ricas contribuições de Ricardo Rivera, do BNDES; Pedro Lucas Araújo, do MCOM; Nathan Yoles, do Banco BS2; Willian Respendowaski, da FINEP e Fábio Moreira, da empresa fornecedora de equipamentos Celeti.
Na oportunidade, fiz a apresentação de um estudo realizado pela AD Advisors mostrando um histórico nada animador da destinação dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust, concluindo que, mesmo com o advento da Lei 14.110/2020, que libertou o fundo das amarras da telefonia fixa e o habilitou a financiar projetos de expansão da banda larga, além de ter criado o comitê gestor para a seleção dos projetos a serem beneficiados com os recursos, inovações muito importantes para destravar a sua utilização correta dentro dos objetivos propostos, ainda se depara com limitações que precisam ser consideradas.
Ou seja: houve um avanço importante, mas os recursos do Fust ainda não estão completamente disponíveis porque o novo regime fiscal da União, piorado significativamente com a instituição do teto de gastos em 2016, restringe a aplicação desses recursos na modalidade de apoio não reembolsável. Também passamos por sérias restrições fiscais no país, considerando que a relação dívida pública/PIB cresceu significativamente nos últimos anos, saltando de 51,5% em 2013 para 88,1% em 2020. Sendo assim, o saldo histórico do Fust, R$ 24,9 bilhões arrecadados desde 2001, que já foi praticamente todo utilizado para outras finalidades, jamais será resgatado. O grande desafio do comitê gestor do fundo é selecionar bons projetos voltados para a conectividade com os recursos arrecadados daqui para frente, cerca de R$ 1,2 bilhão a cada ano, cuja maior parte deve ser destinada a projetos reembolsáveis para driblar as amarras do teto de gasto.
Mas nosso estudo da AD Advisors apontou que existe vida além do Fust, trazendo como exemplo a Lei 12.431 de 2011, que introduziu no mercado a figura das debêntures incentivadas. Como essas debêntures foram criadas para incentivar a implantação de infraestrutura, elas contam com benefícios fiscais para o investidor adquirente. Há incentivos de alíquota zero de IOF e imposto de renda para investidor pessoa física estrangeira ou nacional e alíquota de 15% de imposto de renda para investidor pessoa jurídica, enquanto os outros fundos de renda fixa trazem alíquotas médias de 20%.
Um dado importante é que essas debêntures incentivadas vêm tendo uma aceitação muito grande no mercado, chegando em 2021 a quase dobrar o volume de financiamentos para infraestrutura concedidos pelo BNDES. Foram R$ 46,8 bilhões captados através dessas debêntures, enquanto o volume de recursos financiados pelo BNDES em 2021 foi de R$ 27,4 bilhões, segundo fontes do Ministério da Economia. Outro dado surpreendente foi que as emissões de debêntures incentivadas quase triplicaram no período da pandemia, saltando de R$ 18,6 bilhões em 2020 para R$ 46,8 bilhões em 2021.
Quem deixa a desejar nos itens emissão e captação de debêntures incentivadas para infraestrutura até o momento é o setor de telecomunicações, com a tímida participação de 2,7% dos valores emitidos, contra 66,2% captados pelo setor de energia; 26,1% pelo setor de transportes e 4,9% do setor de saneamento. E, mais uma vez, ponto para as prestadoras de pequeno porte que também saíram na frente nesse quesito, com a MOB e a Unifique captando R$ 100 milhões cada uma delas; a América Net captando R$ 250 milhões; a Brisanet R$ 500 milhões e a Algar Telecom captando R$ 615 milhões em duas emissões de debêntures incentivadas. Essas prestadoras abriram o caminho nesse mercado promissor e tudo indica que serão seguidas por muitas outras operadoras de pequeno no futuro.
Apesar da consolidação das debêntures incentivadas como meio de financiamento da infraestrutura, esse instrumento não foi capaz de atrair os vultosos capitais dos fundos de pensão e dos investidores estrangeiros, em razão desses fundos já contarem com benefícios fiscais sobre suas aplicações e do investidor financeiro externo ainda entender elevado o risco cambial para adquirir debêntures de empresas de infraestrutura brasileiras.
Debêntures de Infraestrutura
Para tentar destravar essas fontes de recursos, foi aprovado na Câmara e está entre as pautas prioritárias do governo no Senado o Projeto de Lei 2.646/2020, que introduzirá no mercado as "debêntures de infraestrutura". Este novo instrumento desloca o benefício fiscal do investidor para a empresa emissora das debêntures, que poderá deduzir 130% do serviço da dívida sobre a base de cálculo de seu imposto de renda e ganhará uma margem para ser repassada parcialmente para as taxas de juros das debêntures, tornando-as, assim, mais atraentes para os fundos de pensão. Adicionalmente, o projeto permite que as debêntures possam ser emitidas com cláusula de variação cambial e até mesmo no exterior, em moeda estrangeira, eliminando o risco cambial para conquistar os bolsos dos recursos internacionais.
Outra vantagem importante é que essas debêntures de infraestrutura permitirão a inclusão de projetos cujos investimentos já tenham sido feitos retroativos a 60 meses. Isso soa como música para prestadores de pequeno porte que vêm bancando sua expansão com recursos próprios por não terem acesso a financiamentos. Nas regras atuais das debêntures incentivadas, só é possível incluir nos projetos investimentos retroativos a 24 meses.
Realmente, há luz no fim do túnel! Há vida além dos fundos setoriais na busca de recursos para financiar a expansão da infraestrutura de telecomunicações no país. As parcerias público-privadas, como as desenvolvidas pelos governos do Ceará e do Piauí que conseguiram captação junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID para aumentar a inclusão digital em seus Estados, também são caminhos viáveis para consórcios de prestadores. Esses financiamentos têm a vantagem de terem juros mais baixos, prazos maiores e não estarem sujeitos às intempéries da economia nacional. Tudo depende de projetos qualificados envolvendo governos locais e prestadores regionais que demonstrem ao Ministério da Economia, para conseguir a garantia da União junto a organismos multilaterais, bom potencial de contribuição para o desenvolvimento regional, através da implantação de infraestrutura.
O avanço conquistado com a nova Lei do Fust tem grande importância para o aumento da inclusão digital no país. Mas não podemos perder de vista que os recursos deste fundo são limitados, cerca de R$ 1,2 bilhão por ano, e as regras para a sua utilização extremamente seletivas. Por isso, os prestadores de pequeno porte que já são sociedades anônimas de capital aberto ou fechado precisam cada vez mais profissionalizar suas gestões e se esforçar para aprovar projetos de emissão de debêntures incentivadas junto ao Ministério das Comunicações. Assim eles poderão captar recursos a juros mais baixos e a prazos mais alongados para fazer seus investimentos em infraestrutura e aumentar sua competitividade no serviço larga móvel, a exemplo do sucesso que vem conquistando na expansão da banda larga fixa.
*- Sobre o autor – Aníbal Diniz. Advogado (OAB/DF). Graduado em História pela UFAC, com MBA em Administração. Atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador pelo PT-AC (2011 e 2014, quando foi relator da avaliação do Plano Nacional de Banda Larga – PNBL pela Comissão de Ciência e Tecnologia – CCT) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019). Como conselheiro da Anatel, foi relator, entre outras matérias, da revisão do Plano Geral de Metas de Competição – PGMC, do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – PERT, acompanhado de minuta de Anteprojeto de Lei que propôs a flexibilização do uso dos recursos do FUST para financiar a banda larga. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente representam o ponto de vista de TELETIME.