Risco de ataques à cabos é baixo no Brasil, mas acidentes preocupam

cabo submarino

Se um cabo submarino no litoral brasileiro for rompido por uma âncora de navio ou uma rede de pesca, o impacto pode ir muito além do prejuízo financeiro. Isso porque 97% dos dados que conectam o Brasil ao mundo trafegam por essas estruturas submersas, segundo a Anatel. Apesar de protegidos por camadas de aço e enterrados (quando em águas rasas), esses cabos enfrentam riscos constantes – e um grupo de empresas e órgãos do governo corre para evitar que falhas causem um apagão digital.

No Brasil, é baixo o temor em relação a riscos de sabotagens contra essas infraestruturas, como aquelas com suspeitas recentes no Mar Báltico. Ao menos foi isso que disseram ao TELETIME representantes da Blue Marine – companhia que instala e faz manutenção de sistemas ópticos e elétricos submarinos e subfluviais por aqui.

Ainda assim, o CEO da empresa, Rodrigo Magarotto, contou que são dois os principais causadores de rompimentos no País:

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  • Pesca de arrasto, principalmente de camarão, que pode enganchar e puxar os cabos além do limite de curvatura;
  • Âncoras de navios, mesmo em áreas onde a ancoragem é proibida.

Em seis anos de operação da companhia, a Blue Marine já realizou cerca de 15 reparos em cabos submarinos para empresas, incluindo uma grande operadora brasileira. "Nunca tivemos um único relato de um rompimento proposital. Todas as ocorrências indicaram acidentes, seja por âncoras ou pesca", contou Magarotto.

"O cabo óptico submarino, embora tenha uma proteção robusta, tem um raio de curvatura máxima que ele suporta. Passou disso, as fibras ópticas do interior podem ser rompidas", disse Magarotto. Dependendo do porte, embarcações são obrigadas a usar o PREPS (Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite), que permite à Marinha acompanhar a localização delas em tempo real.

Em tese, isso ajuda a responsabilizar quem danificou uma infraestrutura desse tipo. Mas, na prática, nem sempre é assim. Muitas embarcações de pesca sequer contam com o tal rastreador.

"Esse é um sistema desligável. Se um barco quiser pescar sobre um cabo submarino e desligar o rastreamento, ela some do mapa", contou Magarotto. Com essa brecha, a menos que haja um flagrante por parte de fiscais da Marinha, é possível danificar cabos e escapar sem identificação. 

Marinha

Ainda que não haja registros de danos propositais contra a cabos brasileiros, este assunto é de atenção do Governo – que observou os movimentos que ocorreram ao longo dos últimos meses no Mar Báltico e as missões feitas pela Otan para reforçar a segurança dessas infraestruturas por lá. 

Em maio de 2024, por exemplo, a Marinha do Brasil realizou um exercício inédito, focado na proteção de cabos submarinos, incluindo ações de contraterrorismo. O exercício ocorreu na área marítima do Rio de Janeiro, dentro do território conhecido como Amazônia Azul.

Por lá, o treinamento envolveu até mergulhadores especializados. Foi uma espécie de aceno para mostrar ao setor que o País reconhece a importância desses cabos para a segurança nacional. 

"Já tem uma programação, ao menos em agenda, para que em agosto e setembro a Marinha repita o mesmo tipo de trabalho na Praia do Futuro [Fortaleza] com os cabos submarinos. Isso é justamente para buscarmos nos antecipar. Não é que tenha acontecido algo ou que tenhamos ameaça", contou ao TELETIME o gerente de desenvolvimento de negócios da Blue Marine, Romualdo Rocha.

Arte: Teletime

Concentração em Fortaleza

Com localização estratégica, Fortaleza é a queridinha do mercado de cabos submarinos no Brasil. A cidade está situada em um dos pontos mais próximos da África, Europa e América do Norte. Essa característica facilita a conexão com outros continentes e alavanca a capital cearense como um dos principais hubs de data centers da América Latina.

É em Fortaleza, inclusive, onde 10 dos 16 sistemas de cabos submarinos chegam ao País. "Esta concentração tem preocupado as entidades governamentais sobre o modelo de proteção, possibilidade de cortes e a garantia da operação dessa infraestrutura", afirmou Romualdo Rocha.

"Existem inúmeros projetos do setor em andamento e sempre são em Fortaleza. É impressionante. O ponto focal é lá. Por enquanto, não vemos um movimento de mudança desse cenário. Mas é algo que deve ser provocado. É o ponto mais frágil hoje na costa brasileira. Se alguém pensasse um dia em fazer alguma sabotagem de cabos no Brasil, Fortaleza seria o alvo perfeito e principal", disse Magarotto.

GSI, Comitê e Congresso

Há uma preocupação em discussão dentro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), junto com Anatel, Marinha, Ibama e outros órgãos brasileiros, sobre buscar uma diversificação para a chegada de um novo cabo que não necessariamente seja por Fortaleza. 

O GSI, inclusive, assumiu a liderança nas ações de proteção. Após dois anos de estudos, o órgão encaminhou à Anatel um pacote de recomendações que inclui desde mapeamento detalhado de rotas vulneráveis até protocolos de resposta rápida a incidentes. Em linhas gerais, o objetivo das medidas é evitar que acidentes provoquem apagões digitais.

Em paralelo, avança no País a criação do Comitê Brasileiro de Proteção de Cabos Submarinos, que reunirá órgãos como Marinha, Anatel e Ibama com empresas do setor. A ideia dessa iniciativa é estabelecer diretrizes mais claras para prevenção de danos, fiscalização e resposta a emergências.

Segundo Rocha, o que o Brasil propõe com esse comitê é uma uniformização de procedimentos e um protocolo de comunicação para interação com os órgãos governamentais em casos de incidentes envolvendo cabos. "O governo quer saber o que aconteceu, como aconteceu, como a empresa vai remediar a situação e quanto tempo vai levar para reparar", explicou ele.

"Acreditamos que a inquietação dos órgãos do Governo Federal em relação a esse assunto surgiu quando foi divulgado um projeto para a instalação de uma usina de dessalinização de água na Praia do Futuro, em Fortaleza, Ceará, cuja localização ameaçava a operação dos cabos submarinos e data centers instalados naquela localidade", comentou o gerente da Blue Marine.

Já no Congresso Nacional, o projeto de Lei 270-2025 propõe a criação da Política Nacional de Infraestruturas de Cabos Subaquáticos. De autoria de David Soares (União-SP), esse texto prevê, por exemplo, restrições à navegação em áreas críticas, exigência de rastreamento contínuo para embarcações e estímulos para diversificação de rotas – tentando reduzir a dependência de Fortaleza.

Segundo Romualdo, esse projeto de lei é o primeiro passo importante para buscar a proteção dos cabos submarinos existentes. "Entendo que é algo benéfico para a indústria de telecom e de cabos submarinos", disse ele.

Reparo

Apesar das medidas preventivas, rompimentos ainda acontecem e exigem resposta rápida para minimizar impactos. Nesse sentido, a central de operações das operadoras de cabos submarinos consegue detectar imediatamente quando uma estrutura é rompida – ainda que o monitoramento dos responsáveis pelo dano seja um desafio.

Uma vez que um incidente desse tipo ocorre, a preocupação das empresas passa a ser o quão rápido podem resolver a situação. De acordo com Magarotto, a Blue Marine (que é brasileira) fez "altos investimentos" em tecnologia e treinamento para realizar esses consertos de forma mais rápida – em até 15 dias ou, em alguns casos, menos de uma semana

"Em um rompimento de um cabo óptico submarino internacional em águas brasileiras, se dependermos exclusivamente das empresas de fora, o histórico mostra que não se consegue recuperar um sistema como esse em menos de 30 dias. É muito além disso", afirmou o executivo.

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