Os esforços do governo para tentar apresentar uma proposta de regulação do ecossistema digital ganhou, aparentemente, um esforço de coordenação. A Casa Civil criou um grupo de trabalho, do qual participam Secretaria de Comunicação da Presidência, Ministério das Comunicações, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, AGU entre outros, para tentar desenhar propostas que possam ser apresentadas ao Congresso.
Detalhes das discussões foram antecipados pela Folha de S. Paulo em duas reportagens esta semana, e confirmados por este noticiário, com algumas variações. Até aqui os trabalhos têm sido conduzidos por grupos técnicos, eventualmente com a participação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Na próxima semana espera-se um encontro ministerial sobre o tema para debater as propostas e eventuais encaminhamentos.
Uma primeira proposta que está sendo desenhada busca dar um tratamento consumerista para os serviços de Internet. Seria uma forma de estabelecer direitos dos usuários frente às plataformas e serviços digitais à luz do Código do Consumidor brasileiro. Trata-se de uma abordagem parecida com o que acontece na Europa com o Digital Services Act (DSA), mas com as especificidades da legislação consumerista brasileira.
Vale lembrar que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do ministério da Justiça, trabalha em uma revisão do Decreto do SAC para obrigar qualquer empresa acima de um determinado patamar de faturamento (R$ 300 milhões) a seguir regras consumeristas mais rígidas, especialmente em relação ao serviço de atendimento ao consumidor (SAC), e não apenas aquelas empresas reguladas. Isso afeta, em cheio, as plataformas digitais. Esta frente é considerada estrategicamente relevante porque, a depender do alcance da regulamentação, pode ser feita sem necessidade de mudar leis. Confira aqui a versão publicada pelo Portal Jota da minuta de decreto.
A outra frente em debate na Casa Civil é ter também um modelo de regulação econômica, que viria através da atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com uma atuação concorrencial. Algo parecido com o modelo do Digital Markets Act (DMA) europeu, mas também com as especificidades da legislação concorrencial brasileira.
Essa é a proposta que já havia sido levantada pelo Ministério da Fazenda em 2024, por meio de uma tomada de subsídios. Mais recentemente, o ministério passou a defender publicamente um fortalecimento do Cade.
Congresso
O governo não pretende dar ênfase em nenhuma questão relacionada ao combate à desinformação, porque entende que isso pode atrapalhar qualquer esforço de tramitação no Congresso, como aconteceu com o PL 2.630/2020.
Nesse sentido, uma das ideias é que haja contribuições e sugestões ao texto do PL 4.691/2024, do Deputado Silas Câmara (Republicanos/AM), presidente da Comissão de Comunicação da Câmara até o ano passado. Trata-se de um projeto apoiado por uma parte da bancada conservadora do Congresso, e que cria um modelo de autorregulação regulada para as plataformas digitais, sob supervisão da Anatel e ANPD.
Há ainda um outro projeto do deputado Silas Câmara que também pode ser aproveitado no contexto de uma tramitação conciliada de novas propostas do Executivo no Congresso: o PL 4.557/2024, que amplia responsabilidades da Anatel, colocando a agência como uma espécie de supervisora da atividade de governança da Internet no Brasil, tarefa hoje exercida pelo Comitê Gestor da Internet. Esta proposta também altera a governança e a sustentação jurídica do CGI, que foi criado por decreto, apesar de ter algumas de suas atividades previstas no Marco Civil da Internet.
E há ainda outras frentes que afetam o ecossistema digital em debate no Congresso: desde a regulação do streaming em debate na Câmara, passando ainda pelo marco legal da Inteligência Artificial aprovado no Senado e que será discutido esse ano também na Câmara; entre outros projetos.
Anatel e MCom
Nesse momento, a Anatel está completamente fora dos debates na Casa Civil, mas o Ministério das Comunicações participa. Segundo uma fonte da agência, a sensação é que a agência de telecomunicações é "persona non grata" dentro do governo, ainda que o Ministério das Comunicações esteja atuando no processo.
Em 2023, Juscelino Filho, ministro das Comunicações, defendia abertamente o papel da agência, mas nas suas últimas manifestações tem sido mais cauteloso. Esta semana, em artigo na Folha de S. Paulo, ele voltou a defender uma regulação contra a desinformação, mas não citou a agência vinculada à sua pasta. Filho também tem sido bastante enfático ao defender que as plataformas digitais passem a contribuir também para o Fust, em programas de universalização dos serviços de conectividade.
Segundo apurou este noticiário, ainda não há um prazo fechado na Casa Civil para a conclusão das propostas, mas a ideia é aproveitar o momento político criado com o alinhamento das grandes plataformas ao governo Donald Trump, e a mudança repentina na política de verificação de fatos anunciada pela Meta. Mas ainda que uma ou mais propostas sejam colocada pelo Executivo, o Congresso segue sendo a principal variável, e nos últimos anos o alinhamento do Centrão com a bancada conservadora de oposição tem sido determinantes para o insucesso de qualquer tentativa de regulação das empresas de Internet. (Colaborou Marcos Urupá)