Após o uso de dados de geolocalização de celulares para monitoramento e mapas de calor, um próximo passo para auxiliar políticas públicas no combate ao coronavírus poderia ser a de aplicativos de rastreamento e proximidade. Porém, o País já está atrasado nessa implantação, na opinião de acadêmicos e juristas durante debate online "Regulação das telecomunicações e rastreamento em tempos de pandemia", promovido pela FGV Direito Rio na noite desta terça-feira, 30.
Conforme explica o professor Caio Pereira Neto, da FGV Direito SP, esse modelo, chamado de "contact tracing", já está sendo adotado em outros países, como China, Coreia, Cingapura, Israel e na Europa. Os aparelhos transmitem via Bluetooth um beacon (sinalização) capaz de se comunicar com um outro celular próximo. "Quando alguém testa positivo, o app serve para que você seja avisado se já teve contato, aí você se isola e se cuida", declara Pereira Neto. Há também alternativas, que alertam em tempo real também.
Para o professor da USP Juliano Maranhão o Brasil já está perdendo tempo: embora a utilização desse tipo de aplicação ajuda e reduzir o risco de contágio do coronavírus, não há nenhuma movimentação mais concreta para adotar esse tipo de solução. "Acho que a gente já está muito atrasado, no debate público e entre autoridades, não vi nada perto de amadurecido em relação a contact tracing, ou um debate minimamente informado e desenvolvido desses modelos", disse.
Maranhão explica que a própria decisão de alguns governos e prefeituras brasileiras de abertura gradual, ou flexibilização da quarentena, já deveriam incluir como um fator o aplicativo de contact tracing para evitar a exposição. Isso porque, segundo o acadêmico, as informações permitiriam uma flexibilização com grau de informações suficientes para haver um autocontrole, autotutela e controle seletivo sobre a mobilidade.
"A ideia é: como você não tem informação relevante sobre o grau de exposição, tem que trancar todo mundo. A possibilidade de ter informações sobre risco permite um trancamento seletivo e informado. A tecnologia está disponível, e a gente pode se aproveitar dos modelos e tecnologia já desenvolvidos lá fora", afirma Maranhão.
Do lado da tecnologia, Apple e Google já se comprometeram a implantar a funcionalidade de forma nativa em seus respectivos sistemas operacionais para celular, o iOS e o Android. A ideia é promover esse tipo de aplicação de forma descentralizada, o que seria considerado o padrão mais seguro. Nesse contexto, Maranhão considera que a modalidade centralizada (com um servidor agregando os dados) pode ser "arriscado" em caso de vulnerabilidade, além de acreditar que o descentralizado é menos invasivo.
Monitoramento de operadoras
Para os juristas, o movimento de criação de mapas de calor por meio de dados fornecidos pelas operadoras aos governos foi mal recebido por falta de transparência inicial. Contudo, como se tratam de dados agregados e estatísticos, referentes às estações radiobase e não ao chip de cada aparelho, não haveria problemas de privacidade ou segurança.
Mas Juliano Maranhão vê problemas de jurisprudência na decisão do Supremo Tribunal Federal de negar ao IBGE os dados pedidos às operadoras para fins estatísticos em pesquisa da covid-19. "É uma restrição muito forte", diz. "A decisão sobre se é anonimizado ou não é relevante porque o Supremo trouxe uma decisão, desavisada ou não, mas que coloca em questão o uso estatístico", analisa.