Organizações da sociedade civil do México divulgaram nesta semana, documento onde apontam diversos aspectos considerados problemáticos na nova legislação de radiodifusão telecomunicações que está em debate no parlamento mexicano.
A nova Lei de Telecomunicações de Radiodifusão extingue o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT) e transfere suas competências para uma Agência de Transformação Digital e Telecomunicações.
A nova entidade terá diversas competências, entre elas, a discricionariedade na atribuição de concessões, como a gestão do espectro no país, permitindo o "resgate" faixas de frequência ou recursos orbitais por razões de "segurança nacional" ou "interesse público"; a ausência de regras de transparência; e o bloqueio de aplicativos e monitoramento de conteúdos.
Sobre a gestão do espectro, as entidades apontam que as atribuições previstas dão uma discricionariedade na emissão das concessões, sem especificar os mecanismos que evitem decisões arbitrárias ou preferenciais, o que poderia facilitar a exclusão de mídia crítica ou comunitária se a Agência agir com viés "político".
A iniciativa não estabelece, por exemplo, mecanismos de participação ou consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas sobre o uso do espectro, concessões ou implantação de infraestrutura em seus territórios.
Um outro problema apontado pelas organizações é a falta de transparência nos atos da nova Agência. A iniciativa proposta estipula que o órgão pode emitir diretrizes técnicas e resolver divergências sem detalhar como a participação ou a responsabilização pública são garantidas nesses processos. Isso permite que decisões "obscuras" que afetam veículos de comunicação importantes continuem, explicam as entidades.
Censura
As entidades também criticam os poderes de "censura" atribuídos a nova agência. Segundo as organizações, a lei que está em debate no Congresso mexicano autoriza o órgão a fiscalizar conteúdos dirigidos a crianças e adolescentes, mas sem estabelecer critérios claros para o que constitui "violação dos valores e princípios" previstos no artigo 3º da Constituição mexicana.
"Ou seja, dá à autoridade total discrição para censurar conteúdo sob a justificativa de proteger os melhores interesses de crianças e adolescentes", dizem as entidades no manifesto.
As organizações também chamam a atenção para o tema da privacidade e proteção de dados. Segundo as organizações, a regulamentação de infraestrutura, conforme proposta pela iniciativa, pode facilitar a vigilância governamental ou corporativa se não houver proteções de privacidade robustas para usuários e jornalistas.
As entidades também apontam outros aspectos ditos questionáveis da legislação, como os dispositivos que estabelecem a obrigação de conservar os dados das comunicações por 24 meses e compartilhá-los com autoridades sem fiscalização judicial, o que viola o direito à privacidade.
Outro dispositivo da Lei de Radiodifusão e Telecomunicações questionado pelas entidades, é o que prevê a figura do "Registro de Comunicações e Equipamentos", que obriga as concessionárias de telecomunicações a manter um registro detalhado das comunicações móveis, incluindo dados do usuário, identificação do equipamento (como IMEI e IMSI), bem como outros dados de comunicações.
Segundo as entidades, embora a confidencialidade das comunicações seja mencionada, não há garantias claras contra o acesso ilegal ou abusivo a dados pessoais por entidades estatais. "Isso apesar do fato de que a vigilância ilegal e seletiva no México continua impune e ainda é negada. A evidência mais recente foi publicada em 14 de abril deste ano, quando foi revelado que 456 pessoas foram espionadas usando o spyware Pegasus entre abril e maio de 2019, durante o mandato de seis anos do presidente Andrés Manuel López Obrador, conforme revelado em documentos judiciais do litígio entre o WhatsApp e a empresa israelense NSO Group", afirmam as entidades.
Em relação à localização geográfica em tempo real, a legislação estabelece que os mesmos licenciados são obrigados a colaborar com as autoridades para geolocalizar os equipamentos terminais em tempo real — o que inclui o número de telefone, IMEI/IMSI e a localização do usuário. "Tudo isso pode ser feito sem supervisão judicial, contrariamente aos precedentes da Suprema Corte de Justiça da Nação e da Corte Interamericana de Direitos Humanos", dizem as signatárias do documento.
A iniciativa não possui garantias explícitas contra priorização arbitrária ou bloqueio de conteúdo por licenciados, explicam as organizações. Embora mencione a obrigação de respeitar a neutralidade da rede, não especifica mecanismos claros de supervisão ou sanções proporcionais para o descumprimento. Isso permite práticas discriminatórias, como priorizar certos serviços ou conteúdos em detrimento de outros, afetando a igualdade de acesso à informação.
Bloqueio de plataformas
Outro problema está no bloqueio temporário de plataformas digitais por "descumprimento de normativa". Segundo as entidades, o dispositivo que prevê tal medida carece de critérios de transparência e de procedimentos judiciais robustos.
"A censura arbitrária buscada viola os parâmetros interamericanos de liberdade de expressão, que proíbem o estabelecimento de quaisquer meios que visem impedir a comunicação e a circulação de ideias e opiniões, como o bloqueio de plataformas digitais, bem como a proibição de uma Internet livre, aberta e inclusiva, conforme declarado pela Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Dessa forma, o bloqueio de conteúdo não supervisionado poderia restringir informações relevantes de interesse público decorrentes de investigações jornalísticas, incluindo informações sobre direitos sexuais, saúde reprodutiva ou diversidade de gênero, afetando mulheres, LGBTQ+ e outros grupos", afirmaram as entidades.