O acordo firmado no ano passado e que permitiu à Oi deixar de ser uma concessionária de telefonia fixa e migrar para o modelo de autorização foi um feito inédito até aqui. Em um processo complexo e sem precedentes anteriores, a empresa conseguiu, ao final, dar o passo que selou o destino da operadora e do próprio modelo de telecomunicações.
Nesta entrevista, Adriana da Cunha Costa, diretora regulatória e institucional da operadora, que esteve na linha de frente da negociação, conta como foi o processo, os bastidores, aprendizados e as perspectivas que ficam para a empresa daqui para frente do ponto de vista regulatório e também o que esperar da arbitragem ainda em aberto com a Anatel
TELETIME: Qual a leitura que você fez do processo de negociação com a Anatel e que levou ao acordo que no final permitiu à Oi deixar de ser uma concessionária?
Adriana Costa: Primeiro, quando a gente fala uma negociação com a Anatel, é importante ressaltar que não foi só com a Anatel. A complexidade foi tamanha e envolveu tantos interlocutores que só na comissão [Comissão de Consenso do TCU], de maneira formal, tinha a Oi, a Anatel, o TCU como Secex Consenso e o Ministério das Comunicações. A gente está falando de cinco interlocutores, o que acho que muitas vezes as pessoas achavam que a chance de dar certo não era tão grande.
Você passou 20 anos na Oi, saiu por um breve período e voltou bem no começo da negociação. Como foi isso?
Eu voltei em setembro de 2022. O nosso primeiro movimento para tentar uma solução sobre o tema foi em dezembro de 2022. A Secex nasceu em janeiro de 2023. Então, na realidade, quando eu voltei, eu voltei exatamente com uma certa missão de tentar dar uma solução para esse final da concessão de forma acordada. A primeira provocação que nós fizemos, ainda não existia nem Secex Consenso. Um mês depois, a Secex foi criada e aí uma das soluções que se imaginou foi mandar para o TCU, ver se havia admissibilidade, e avaliar se haveria uma solução. E foi assim que foi feito. Posso dizer que eu participei do processo antes do início até a conclusão.
Você sabia do tamanho do problema que teria que ser enfrentado…
Sim, sabia. É um dos casos em que foi mais forte ter um propósito do que uma decisão puramente pensada no futuro profissional. Eu estava bem onde eu estava, não tinha uma razão específica para eu voltar. Mas eu estive na Oi durante 20 anos. Participei do início da provocação da arbitragem, desde os primeiros PGMUs (Plano Geral de Metas de Universalização), eu participei disso tudo. Minha volta tem a ver com conhecer esse histórico. Porque alguém começar do zero a debater esse tema é difícil.
Independente de quem tinha razão ou quem não tinha razão? Mas havia também a situação crítica da Oi do ponto de vista financeiro, isso foi uma pressão…
Mas mesmo se a Oi se mantivesse de pé até o final da concessão, será que o governo estaria preparado para um final de concessão em 2025? Nós temos ainda áreas que dependem das antigas concessionárias, né? Então, a gente viu que seria importante alongar a saída da Oi destas localidades até 2028, para atender ao interesse público. Até porque, se não tivesse, acho que não teríamos conseguido, porque tem muitos atores que estavam ali para defender o interesse público. Mas no final, o que foi muito interessante, foi que ninguém entrou na negociação para rediscutir o passado, revisitar teses e ver quem estava certo. Foi uma negociação para evitar os problemas que poderiam aparecer no futuro, para a Oi e para a União.
Qual a sua avaliação sobre a negociação e o acordo?
A negociação foi um sucesso e o acordo foi a melhor solução possível. O diálogo e a construção de soluções conjuntas foram essenciais. Voltei para a Oi com o propósito de encontrar uma solução. Sabia do desafio, mas acreditei que podia contribuir. A equipe teve muito apoio da empresa e a conclusão foi a melhor possível.
Na sua avaliação qual foi o peso da carga regulatória na situação final que levou a Oi à recuperação judicial e depois ao processo de negociação com a Anatel e o TCU?
O peso regulatório foi determinante. A concessão se tornou insustentável em 2016 e essa situação se arrastou até 2024. A falta de medidas regulatórias para corrigir o rumo rapidamente agravou a situação da empresa.
E você acha que isso veio à consciência da Anatel, do TCU, do governo enfim, no momento em que se sentou na mesa para chegar a um acordo?
Não existe uma única pessoa que tomou uma decisão nem uma única causa que levou à situação a que a Oi chegou. Foi um processo complexo. Mas certamente o peso regulatório e a falta de uma medida regulatória que corrigisse o rumo rapidamente foi o que fez falta [ao longo dos últimos anos]. E obviamente também pesou o tamanho do desafio que seria para o governo assumir a concessão de um serviço que não tem mais sustentabilidade. O que eu diria é que houve essa consciência em muitas pessoas do governo, em outras menos, e no final prevaleceu o acordo possível.
O que fica de legado, na sua opinião?
Foi um processo muito rico e muito produtivo. Foram dois anos de reuniões semanais caracterizadas por muito diálogo com gente muito competente dos dois lados. Nem sempre a gente concordava, mas sempre houve escuta e a preocupação de resolver a questão. Tanto que, ao final, o acordo teve a aprovação da Anatel, do plenário do TCU e da AGU, com quem ainda tivemos 60 dias de uma negociação bastante intensa. A autocomposição, com certeza, foi um mecanismo muito importante e que pode ser aprimorado.
Mas havia a pressão da recuperação judicial…
Pressão da recuperação judicial, pressão da intervenção, de o governo ter que assumir os serviços… Se uma coisa não desse certo, caia tudo e seria ruim para todos os lados, e todos tinham isso bem claro. No início, eu brincava que podia dar mais errado do que certo. Aí as coisas foram avançando e eu comecei a achar que sim, que podia dar certo.
E houve algum momento em que a conversa esteve em risco?
Em um determinado momento, foi preciso deixar claro que não havia mais como a Oi seguir dando suporte ao modelo de interconexão que o Brasil tinha até aqui, mas não dá para dizer que isso foi um risco para o diálogo seguir. Foi apenas um limite que precisou ser estabelecido.
Vocês mantiveram a arbitragem contra a Anatel. Qual é a perspectiva daqui para frente? Tem um cronograma em termos de próximos passos?
Sim, nós a mantivemos. O termo de autocomposição da Oi não previu uma renúncia em relação à arbitragem. Então ela se mantém. Obviamente que existem temas mais residuais que não fazem mais sentido ser tratados na arbitragem, como questões de bens reversíveis e do PGMU, porque isso foi acertado na autocomposição. Mas, no todo, a arbitragem está seguindo e já foi retomada. A arbitragem já teve a fase de apresentação, de audiência, de apresentação do caso. E agora a gente vai aguardar uma decisão por parte dos árbitros de questões jurídicas, como os fatores prescritos ou preclusos, mas o cronograma de uma arbitragem não é algo muito preciso. Existem intenções, mas eu acho que ela está bastante madura para, pelo menos, uma decisão jurídica sobre o direito à indenização pela reconhecida insustentabilidade da concessão e discussões de prescrição e preclusão, ainda este ano.
Vai ter ainda uma fase de perícias para refazer os cálculos, refazer as contas. Isso é posterior?
Posterior, porque aí a gente, com a decisão jurídica, circunscreve aquilo que você precisa ser estimado.
Daqui para frente, então, a sua preocupação regulatória será apenas com a Oi Soluções, correto? Qual tipo de prioridades vocês têm?
A Oi Soluções terá duas outorgas e será o foco da atuação da empresa. A Oi se tornará uma empresa atrelada à Oi Soluções após o cumprimento do plano de recuperação judicial. Temos que estar atentos a todos os movimentos regulatórios que possam nos impactar. Eventualmente, questões de espectro podem não estar tanto no nosso radar, por exemplo, mas tudo o que disser respeito às regras do SCM nos interessa, como numeração. E temos que lembrar que a Oi terá responsabilidades até o final de 2028.
O que fica de responsabilidade para a Oi então é a implementação da banda larga nas 4 mil escolas e nas 10 mil localidades?
Escolas, não. É importante deixar isso bem claro. No acordo, a V.tal assumiu o compromisso das escolas, então esse trabalho de implementação será feito por ela e a Anatel vai cobrar esse compromisso da V.tal. Com a Oi está a manutenção dos serviços de voz nas cerca de 10 mil localidades onde não há outras opções. Quando estas localidades passarem a ser atendidas por outros operadores, nós podemos antecipar a saída.
E como vai ser o atendimento das localidades? Com que rede?
Quando a gente fala no atendimento destas localidades, tem casos em que o que fica é um TUP (Terminal de Uso Público). Não estou dizendo que não seja importante, mas são realmente localidades muito pequenas, e nesses casos vamos usar soluções com satélite, por exemplo, para não ter que manter uma infraestrutura de cobre que só gera custo. Assim que a comunidade for atendida de outra forma, a Oi deixa de ter a obrigação.