Assimetrias com pequenos provedores geram questionamentos por parte das teles

As disputas regulatórias e tributárias entre as grandes operadoras de telecomunicações e os provedores de acesso devem se intensificar nos próximos meses. Trata-se de um movimento que era esperado com o avanço dos pequenos e médios ISPs no mercado de banda larga, que alcançaram em novembro de 2018 mais de 20% de market share, segundo dados da Anatel, ultrapassando, no conjunto, a Oi, por exemplo. As grandes telas estão começando a se manifestar de maneira mais contundente dentro da agência, segundo interlocutores ouvidos por este noticiário, contra as regras estabelecidas pela agência no final do ano passado que trazem condições competitivas diferenciadas para os chamados Prestadores de Pequeno Porte (PPPs). Além disso, como mostra esta outra reportagem, as grandes operadoras estão com estudos já avançados para questionar na Justiça a exceção tributária de ICMS que tem sido aberta em alguns estados para a prestação dos serviços por empresas de pequeno porte (com até 5% de participação de mercado e sede local).

Do ponto de vista das exceções regulatórias, o argumento das operadoras é que, nos mercados locais, olhando-se cidade a cidade, a disputa com os pequenos operadores se dá de igual para igual. Em algumas cidades, alegam as grandes, o que a Anatel chama de pequenos operadores são empresas que têm mais de 50% de market share. Se no conjunto do mercado brasileiro nenhuma destas pequenas empresas têm mais de 5%, no conjunto elas já constituem um grupo relevante e, em praças específicas, disputam diretamente o mercado e com plenas competições de rivalizar com os grandes players. As queixas se tornaram mais acirradas depois que, em novembro do ano passado, a Anatel redefiniu as regras para Prestadores de Pequeno Porte, permitindo uma série de exceções tributárias a empresas com menos de 5% de participação de mercado nacionalmente, mas sem colocar limites locais.

Alguns dos estudos das operadoras apontam que, no campo dos direitos do consumidor, pelo menos oito aspectos ficam significativamente flexibilizados ou são totalmente eliminados para as pequenas prestadoras: atendimento pela Internet; atendimento por call center; gravação das interações telefônicas; cancelamento automatizado; obrigação de loja para atendimento presencial; mecanismo de comparação de planos; comunicação de assuntos relevantes pela fatura; aviso prévio sobre término da franquia.

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Os estudos apresentados pelas grandes operadoras a que este noticiário teve acesso e que estão sendo colocados para a Anatel mostram que, nos aspectos de qualidade de serviços, os pequenos prestadores acabaram ficando isentos de obrigações como: parâmetros de qualidade de acesso como velocidade e latência; participação compulsória em pesquisas de satisfação (realização e divulgação); participação nos indicadores de qualidade; penalizações pelo não cumprimento. Fora isso, a regra de PPP isenta as prestadoras locais da necessidade de informação prévia sobre alteração nos planos e interrupções de serviço, além da obrigação de manter registro acessível em tempo real de reclamações, solicitações e cancelamentos.

As grandes operadoras têm procurado a Anatel na tentativa de demonstrar que estas exceções criam assimetrias concorrenciais relevantes quando se olha apenas o mercado local, onde a disputa não é entre uma empresa com menos de 5% de marketshare e uma grande empresa, mas entre operadoras que têm participação muitas vezes equivalentes. O que as grandes operadoras estão pedindo, em essência, é a possibilidade de prestar os serviços nas mesmas condições. Este noticiário apurou que, em pelo menos um aspecto, as chances de as grandes conseguirem algum avanço é considerável: a Anatel tende a permitir, na revisão do Regulamento Geral do Consumidor, a oferta de planos 100% digitais com menores obrigações de atendimento humano.

Um argumento colocado pelas empresas é que se a intenção da Anatel é promover a prestação do serviço nos mercados não atendidos, deveria facilitar as regras para todos. Para elas, considerar o mercado relevante de âmbito nacional para a definição do que são os pequenos provedores não faz sentido, já que a venda e a prestação de serviço se dá em uma disputa essencialmente local.

Assimetria justificada

Segundo técnicos da agência ouvidos por este noticiário, contudo, a regulação assimétrica buscando o aumento da concorrência é parte do que preconiza a LGT e nesse sentido a agência não tem nenhuma obrigação de manter as regras iguais a todos os operadores. Além disso, argumentam que, no caso dos operadores locais, é possível fazer a regulação ex-post justamente porque o histórico de atendimento e qualidade de serviços medidos pela Anatel não mostram a necessidade de intervenções regulatórias. E ressaltam que em nenhum momento os direitos referentes à relação de consumo foram revogados, não cabendo falar em "consumidor de segunda categoria". Para os técnicos, não é preciso regular um "não-problema", já que muitas vezes estes operadores locais têm um atendimento muito mais próximo de seus clientes e resolvem os problemas de forma muito mais personalizada e rápida.

Mas no caso dos grandes operadores, as regras mais rigorosas foram estabelecidas, quase sempre, porque havia indicadores e práticas que justificavam aquelas exigências. Ainda que, reconhecem, muitas vezes a Anatel seja muito lenta para rever suas regras quando elas de fato se tornam excessivas.

Para Aníbal Diniz, vice-presidente da agência e relator das regras que redefiniram o conceito de Prestadores de Pequeno Porte, o diferencial destas empresas de pequeno porte é justamente o foco na qualidade dos serviços locais e na proximidade com seus consumidores. "Elas não podem fazer os mesmos investimentos em marketing nem têm a escala de uma grande empresa, mas estão muito mais presentes localmente". Na visão do conselheiro, não é verdade que a Anatel não esteja flexibilizando as regras para os grandes operadores. "As revisões de obrigações no PGMU, a cautelar suspendendo o SMP4 (o indicador de chamadas completadas), a consolidação de diferentes tipos de licença em apenas quatro principais, a revisão do limite de espectro…", elenca Diniz. Para ele, existe um problema no Brasil que é levar atendimento a pequenas e médias cidades, e os prestadores locais são parte da solução. "É preciso comprometimento (com este desafio) e da nossa parte estamos avançando na simplificação regulatória", diz o conselheiro.

Condições diferentes

Para Basílio Perez, presidente da Abrint, uma das associações que representa pequenos provedores, "parte dos consumidores que estão entrando no mercado sequer seriam consumidores se não houvesse um prestador local para levar o serviço". Ele diz que dificilmente os pequenos provedores entram sozinhos ou são monopolistas em alguma cidade. "Sempre tem uma operadora grande e pelo menos mais um ou dois ISPs". Ele aponta práticas concorrenciais que diferenciam o tratamento em relação aos grandes, como a inexistência de cláusulas de fidelização e a proximidade local no atendimento como diferencial, mas reconhece que a exceção regulatória prevista na regra de PPPs vai ajudar. "Na regra anterior, com o limite de 50 mil clientes, o pequeno operador se via obrigado a não reportar o aumento de base ou, quando mudava de patamar, tinha quase R$ 1 milhão em custos adicionais para cumprir as regras, o que poderia inviabilizar a operação ou o investimento na expansão", declara.

Mas há outras situações relatadas pelas grandes operadoras que, segundo elas, geram distorções competitivas. A informalidade de pequenos operadores muitas vezes significa a compra de equipamentos não homologados, contrabandeados e adquiridos no mercado paralelo. Segundo estudo do Idesf (Instituto de desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) realizado no final do ano passado, 70% do mercado de fibra ótica no Brasil provém de contrabando (com uma evasão fiscal de R$ 1,5 bilhão), e mesmo as apreensões acabam sendo aproveitadas pelo governos ou leiloados, mesmo sem a certificação da Anatel. O mesmo problema se aplica aos equipamentos de links de rádio, no qual apenas 30% dos equipamentos seriam legais, segundo estimativas do instituto com base naquilo que é apreendido. Outro tipo de fraude identificado é a comercialização dos equipamentos como se fosse locação de equipamentos. Segundo o Idesf, estes problemas se aplicam a dezenas de tipos de equipamentos diferentes de telecomunicações. E há ainda o problema de produtos que estão homologados, foram registrados na Anatel e que entram no Brasil mediante contrabando. A constatação é óbvia: se o volume de equipamentos irregulares é tão grande, é porque eles estão sendo adquiridos.

Basílio Perez diz que não é possível generalizar e atribuir a todos os pequenos e médios provedores a prática de uso de equipamentos irregulares, ainda que isso de fato possa acontecer. "E quando as empresas crescem, elas aumentam a sua preocupação com a qualidade, com a procedência dos equipamentos e precisam de garantias de funcionamento" diz ele. O que faz a diferença é que, muitas vezes, os pequenos provedores fazem os projetos internamente, a instalação é simplificada, não são contratadas empreiteiras "turn-key" no processo (o que gera mais um intermediário). "O pequeno tem que fazer devagar, não começa nem com o equipamento de primeira linha nem fazendo a rede toda de uma vez".

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