[Do Mobile Time] O regulamento de deveres dos usuários de telecomunicações que está sendo elaborado pela Anatel não vai estabelecer uma taxa de rede a ser paga pelos grandes provedores de conteúdo em razão do tráfego excessivo de dados. Em vez disso, vai definir limites adequados de uso das redes e boas práticas que devem ser adotadas por quem ultrapassar tais limites, como, por exemplo, técnicas de manejo de tráfego e implementação de CDNs.
Se tais limites forem ultrapassados e não forem adotadas as medidas mitigadoras previstas no regulamento, as operadoras afetadas terão o direito de reduzir a velocidade (traffic throttling) ou até mesmo bloquear esses serviços. É o que indicou o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, em conversa com Mobile Time depois reafirmada durante painel no M360 Latam, evento organizado pela GSMA na Cidade do México, nesta quarta-feira, 28.
A afirmação confirma tendência apontada por TELETIME em março, de que a área técnica da agência não deve propor um mecanismo de cobrança às big techs no regulamento de deveres de grandes usuários.
A ideia é que o regulamento viabilize a livre negociação entre operadoras e grandes provedores de conteúdo, explicou Baigorri. Ou seja, em vez de um fair share (ou network fee) definido por uma regulamentação, teles e OTTs vão poder firmar acordos bilaterais, quando e tão somente houver descumprimento do regulamento de deveres dos usuários. É parecido com o que aconteceu na Europa, por exemplo, onde OTTs e operadoras firmaram acordos envolvendo o uso massivo da rede e o investimento em CDNs, esfriando o debate em torno de um regulamento de fair share.
Baigorri cita como inspiração o teorema econômico de Coase, segundo o qual, uma vez definidos certos direitos, é permitido que os agentes econômicos transacionem esses direitos em busca de uma solução de equilíbrio de mercado. "A livre negociação sempre levará a uma solução eficiente do ponto de vista econômico", argumenta.
Nessa negociação, poderia ser combinado, por exemplo, um compromisso de mais investimento de uma OTT em CDN. Ou mesmo um pagamento extra pelo uso excessivo da rede. Ou seja, seria uma forma de se chegar ao fair share, mas através de livre negociação.
PL contra fair share
Cabe destacar, entretanto, que se for aprovado no Congresso o projeto de lei 469/2024, da forma como está redigido atualmente, nenhum tipo de cobrança por tráfego gerado pelas plataformas poderá ser feito.
No painel do M360, Baigorri falou que não está preocupado com esse PL, mas entende que seria prejudicial inviabilizar a livre negociação entre teles e OTTs.
Cronograma
A elaboração da proposta de regulamento de deveres dos usuários está sendo concluída pela área técnica da Anatel e deve ser encaminhada para o Conselho Diretor na semana que vem, disse Baigorri. Ainda não foi definido um relator. Depois de aprovado pelo conselho, o texto vai para consulta pública, o que deve acontecer na segunda metade do ano.
Prioridades
Baigorri listou como uma prioridade regulatória do Brasil neste momento a organização dos leilões de novos faixas de espectro, conforme o planejamento de longo prazo estabelecido pela agência, começando por 700 MHz, 850 MHz e 6 GHz.
Outra prioridade mencionada é o reposicionamento do regulador dentro de um contexto ampliado de ecossistema digital, abrangendo OTTs, streamings e marketplaces, por exemplo.
UIT
Por fim, Baigorri citou sua campanha para ser eleito secretário-geral adjunto da UIT. Sua candidatura tem o aval do Itamaraty, que o considera um nome competitivo. Baigorri foi aplaudido pela plateia e por seus pares quando abordou o assunto no palco do M360.
Em um sinal de prestígio, Baigorri ganhou da GSMA o prêmio de "Industry champion", na abertura do evento. E a Anatel levou o prêmio de melhor case de impacto social, com a iniciativa da Amazônia Integrada e Sustentável.