Historicamente, os serviços de telecomunicações eram prestados por monopólios estatais, que também são responsáveis pelas definições regulatórias. O domínio das administrações públicas no controle fez com que as exigências do mercado tivessem um papel secundário. A década de 1990, na Europa, foi caracterizada por uma separação entre a função reguladora e os aspectos de prestação de serviços, e por uma oferta de serviços cada vez mais orientada para mercado e tecnologia.
Na liberalização do mercado de telecomunicações, três fatores determinantes passaram a reger a prestação dos serviços: demanda de mercado, disponibilidade de tecnologias e requisitos regulatórios. A interação entre estas três forças podem ser verificadas dependendo do desenvolvimento específico em cada domínio. No artigo The Role of ETNO in the Changing European Telecommunications Environment* (por Harold Mantle and Pierre-André Wenger, 1994), uma figura ilustra bem os vetores que direcionaram essas três forças no mercado europeu, durante a década de 1990:
E nesse contexto, a regulamentação preventiva ex-ante foi largamente utilizada. Este é um instrumento a ser usado como último recurso, mas diante do que foram as privatizações realizadas na Europa e no Brasil, coube perfeitamente a adoção de práticas regulatórias "antes do fato" (em latim ex ante), até que a competição fosse estabelecida e com o intuito de evitar possíveis conflitos nos mercados varejistas e atacadistas das telecomunicações.
Mas passados mais de 25 anos das privatizações do setor, com todo o amadurecimento do mercado e a evolução da competição, não seria o momento apropriado para rever de sobremaneira o arcabouço normativo, adotando uma regulação ex post ("após o fato")?
Estamos diante de desafios sem precedentes a serem enfrentados na realidade do ecossistema da internet, os novos modelos de negócios da economia digital, a competição com produtos e serviços substitutos e o novo landscape concorrencial ou a tentativa de redefinição do perímetro destas novas fronteiras. A inércia à mudança pode perpetuar um engessamento desnecessário e agravar assimetrias mercadológicas nesta nova realidade.
Numa declaração recente, o fundador e CEO da Nvidia foi categórico: "A próxima revolução industrial começou". Obvio que ele estava se referindo a IA e os "vários mercados verticais multibilionários" que esta nova tecnologia proporcionará. Diante desta revolução, não é este o momento?
As operadoras estão num esforço contínuo e acelerado para um reposicionamento estratégico e inovador, para além da conectividade, mas não deveriam ser tratadas de forma diferente de outras atividades empresariais. Ou seja, reguladas prioritariamente pelo direito da concorrência, onde as intervenções só são tomadas se houver abuso de uma posição dominante.
A regulação ex-ante, quando comprovadamente indispensável, é a transferência do custo administrativo de supostas composições de conflito para o ente privado, ignorando práticas mais modernas e atuais de regulação responsiva. Esse ônus passa a compor o custo das empresas e acaba por encarecer a prestação dos serviços para os usuários finais. No caso de dúvida, deve-se deixar a competição se estabelecer e avaliar eventual abuso de poder de mercado ex post.
E essa desregulação tem esteio na regulação responsiva, formulada pelos defensores da desregulamentação como um contraponto a uma forte regulação estatal da atividade econômica, ainda no início dos anos 90 (por Ayres e Braithwaite em 1992). A teoria consiste numa pirâmide regulatória, que prevê medidas crescentes de intervenção estatal, a depender do comportamento dos regulados, balanceando sinergias entre punição e persuasão. Mas preconiza a necessidade de se conhecer a fundo a estrutura do mercado regulado, suas normas internas e as motivações dos atores.
A regulação responsiva (incluindo a autorregulação) pode ser um dispositivo vanguardista e aplicável para assegurar a igualdade de tratamento e uma maior transparência no gerenciamento da atuação das empresas de forma ex-post. E na construção desta alternativa, existem diversas premissas e parâmetros que precisam ser definidos, de modo a garantir a razoabilidade e proporcionalidade adequadas para os limites pretendidos e necessários. Ou seja, quais as latitudes permitidas e os perímetros aceitos numa atuação ex post, que não enseje sanções pelo regulador.
O cerne da questão é como formular uma resposta regulatória menos intervencionista para os atores do setor neste novo momento, num ambiente de internet com novos modelos de negócios, com os incentivos e os direcionadores alinhados para suportar a digitalização da economia no longo prazo, e tenha efeitos benéficos para os mercados atacadista e varejista, atraindo os investimentos necessários para acompanhar a evolução tecnológica e a expansão da infraestrutura.
*-Sobre o Autor: Carlos Eduardo Medeiros é consultor e foi VP de assuntos regulatórios da Oi