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Ancine precisa acordar para o problema da pirataria

A Ancine passou uma mensagem muito ruim ao mercado ao rejeitar a criação de uma coordenação de combate à pirataria, no último dia 6 de março. Talvez o colegiado da agência não tenha se dado conta, mas para distribuidores de TV paga, programadores, canais de TV por assinatura e detentores de direitos, esta é de longe a pauta mais importante no momento, do ponto de vista político-regulatório. A pirataria de conteúdos é uma ameaça real à indústria, e hoje mobiliza um imenso esforço financeiro e jurídico por parte das empresas. Este alerta tem sido dado para a Ancine e para diversos órgãos do governo em muitas ocasiões nos últimos dois anos, e as resoluções do Conselho Superior de Cinema sobre o tema, aprovadas em 2017 e 2018, por unanimidade, têm um significado: representam uma diretriz política para aquilo que a agência deve priorizar. A priorização de qualquer coisa se materializa, dentro da estrutura de Estado, de quatro formas: estrutura (pessoal e equipamentos), orçamento, tempo e atos concretos. A criação de uma coordenação, por mais simples que fosse a sua estrutura, sinalizaria que a Ancine está atenta e preocupada com o assunto. Não criá-la, ou adiar a decisão, significa que o assunto está sendo empurrado para frente.

O setor de TV por assinatura, notadamente distribuidores, programadores e canais, é fortemente regulado pela Ancine. Apesar de ser, no nome, uma agência de cinema, trata-se da agência de todo o setor audiovisual. O grosso do orçamento que move a atividade de fomento da Ancine vem do setor de telecomunicações, que contribui com 90% dos recursos da Condecine e, portanto, do FSA. As distribuidoras de TV paga são parte dos conglomerados de telecomunicações que pagam esta conta. Nesta quinta, 29, aliás, foi pago mais R$ 1,1 bilhão, a título de Condecine-Teles sobre o ano de 2017.

As programadoras e canais de TV paga também são parte essencial deste ecossistema virtuoso que hoje move o setor audiovisual brasileiro, já que são elas que garantem, por meio das cotas de tela estabelecidas na Lei do SeAC, em 2011, a distribuição de boa parte dos conteúdos nacionais produzidos com os recursos oriundos da atividade de telecomunicações.

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Ao longo de todos estes anos, apesar de um inconformismo de operadores e programadores de TV paga em relação aos benefícios reais destas políticas para o setor, os pleitos à Ancine ficaram restritos a pedidos genéricos, no sentido de uma menor carga de obrigações regulatórias ou uma burocracia mais eficiente. Nem mesmo uma vaga no conselho do Fundo Setorial do Audiovisual, que define a aplicação dos recursos, o setor de telecom e TV paga pleiteou, ainda que tivesse bons argumentos para fazê-lo. Em todos estes anos, a primeira vez em que o setor efetivamente pediu a ajuda da Ancine para resolver um problema concreto foi com a questão da pirataria, e a resposta da agência ainda parece tímida.

Note-se que este não é um assunto que só interessa a distribuidores e canais. Também os produtores de conteúdo devem se preocupar com o problema, pois é deles a propriedade intelectual que, em última instância, está sendo violada. O mesmo dano causado ao grande estúdio norte-americano é causado ao produtor independente brasileiro. Tanto é assim que as resoluções do Conselho Superior de Cinema foram aprovadas por unanimidade.

Existe um mito de que o combate à pirataria pode trazer um risco para a economia criativa, pois poderia haver repressão de iniciativas inovadoras, típicas da cultura digital. É um mito, porque esse problema, se houver, é muito menor e muito mais fácil de resolver do que o problema real, que é o dano econômico que está sendo gerado à indústria por uma atividade criminosa multinacional, que gera danos de bilhões e atua em escala global.

Talvez este mito tenha sido o motivo pelo qual a Ancine nunca se viu politicamente motivada a atuar nessa área, ou talvez o assunto nunca tenha sido colocado pelo mercado como uma prioridade, como está sendo feito agora. Fato é que a garantia do respeito à propriedade intelectual é essencial ao produtor e ao detentor de direitos, qualquer que seja o tamanho, da mesma forma que é essencial ao programador e ao distribuidor, e aos seus modelos de negócio. E o respeito à cadeia econômica do audiovisual é essencial à existência de todos.

A Ancine precisa olhar para esse assunto com os mesmos olhos e o mesmo cuidado com que olha para o fomento da atividade audiovisual. Ela não vai resolver o assunto sozinha, já que há questões que cabem à Anatel (como a certificação de equipamentos), à Receita Federal e à Polícia Federal, sem falar do Congresso e do Judiciário.

Mas ela precisa participar das ações, estar coordenada com outros órgãos de Estado, precisa definir estratégias e acompanhar o problema de perto, com dados e inteligência. A MP 2.228/2001, que criou a Ancine, estabelece claramente que cabe a ela “promover o combate à pirataria de obras audiovisuais” e “zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras”. Não há margem para interpretação relativizada, mas ela precisa encampar a tarefa. Há respaldo jurídico, demanda de mercado e, depois das resoluções do Conselho Superior de Cinema, diretrizes políticas estabelecidas para isso. Falta a Ancine partir para a ação.

 

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