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Os impactos da pandemia na indústria do entretenimento

Lisa Worcman, sócia do escritório Mattos Filho

Não é preciso ser um expert no assunto para perceber os efeitos nefastos gerados pela pandemia da Covid-19 na indústria do entretenimento. Desde o momento em que foram decretadas as medidas de isolamento social em diversos países para conter a contaminação do novo coronavírus, o fluxo de frequentadores de shows, espetáculos culturais e salas de cinema foi drasticamente reduzido ou, para alguns setores, ficou totalmente paralisado.

Tomemos como exemplo a exibição de filmes e demais obras audiovisuais em salas de cinema que, desde a implantação das medidas de isolamento social ou da decretação da “quarentena”, tiveram suas operações integralmente suspensas. A mesma situação ocorre em teatros, casas de shows e espetáculos, que mantêm suas portas temporariamente fechadas para o público.

Contudo, para além deste cenário devastador, as medidas de isolamento social trouxeram benefícios para alguns setores da indústria do entretenimento, a exemplo dos serviços de streaming. Para combater o tédio, a população, reclusa em suas casas, passou a consumir em grande escala qualquer tipo de conteúdo reproduzido na internet – tais como músicas, filmes e conteúdos disponibilizados por seus artistas favoritos -, através de plataformas online próprias do setor (Netflix, Spotify, Deezer, YouTube) ou redes sociais (Facebook e Instagram).

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Maíra Schweling Scala, advogada do escritório Mattos Filho

Em contraponto, fica a dúvida do que iremos consumir no próximo ano, já que as produções audiovisuais estão paradas. A retomada da produção dessas obras dependerá da adoção de novas medidas de segurança, prevenção à contaminação e distanciamento social, que poderão alterar a concepção de produção cultural da forma em que estamos acostumados.

Neste sentido, protocolos de produção internacionais foram elaborados para orientar os colaboradores do setor acerca da nova realidade, que poderá incluir a utilização obrigatória de máscaras, luvas e protetor facial, bem como o uso de outros equipamentos de proteção individual (EPIs) para evitar o contágio. Também são recomendadas a limpeza constante e rigorosa dos sets de filmagem, e a seleção de cenas em que se verifica uma distância razoável entre o elenco.

No Brasil, um grupo de entidades representantes do setor audiovisual e técnicos cinematográficos formado pelo SIAESP (Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo), Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais) e SINDCINE (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal), apresentaram o “Protocolo de Segurança e Saúde no Trabalho Audiovisual” que  estabelece diretrizes a serem seguidas para a retomada das atividades presenciais no Brasil para o setor audiovisual.

A indústria das lives

Alternativamente, as transmissões ao vivo exibidas por artistas musicais em plataformas digitais têm crescido exponencialmente. Artistas aderem a essa modalidade, muitas vezes gravando de seus próprios celulares e com pouca produção, para entreter seus seguidores durante o período de quarentena e como forma de incentivá-los a permanecer em suas respectivas residências.

À luz desse fenômeno, produtores musicais uniram-se para tornar as lives produções com alto grau de sofisticação e profissionalismo, filmadas na residência dos artistas, sem deixar de respeitar o distanciamento entre os participantes e o protocolo de higiene recomendado pelas autoridades sanitárias. As “mega lives” ou “superlives”, como são comumente chamadas, apresentam inúmeras vantagens, dentre as quais cabe citar:

  • os expectadores assistem transmissões de shows de seus artistas favoritos de forma gratuita e no conforto do lar, muitas vezes superando o tempo de duração médio de um show ao vivo;
  • os artistas são direta ou indiretamente remunerados pelas transmissões. No YouTube, por exemplo, o artista pode ganhar dinheiro com Receita de publicidade (recebimento de dinheiro pela veiculação de anúncios gráficos, de sobreposição e em vídeo); Clubes dos canais (os membros do canal do artista fazem pagamentos mensais em troca de benefícios especiais); Estante de produtos do canal (os fãs podem procurar e comprar as mercadorias oficiais da marca do artista divulgadas em suas páginas de exibição); Super Chat e Super Stickers (os fãs pagam para que as mensagens deles apareçam em destaque no chat das transmissões ao vivo); e/ou Receita do YouTube Premium (recebimento de parte da taxa de assinatura de um usuário do YouTube Premium quando tal usuário assistir o conteúdo do artista). Assim, os artistas se mantêm ativos durante o período de isolamento social e se aproximam do seu público ao mostrar outra faceta de suas vidas pessoais (até então pouco explorada por alguns);
  • os operadores de site e aplicativos responsáveis por transmitir e armazenar as superlives mantêm fluxo alto e constante de acessos e visualizações em suas respectivas plataformas. Por se tratar de transmissão de dados (vídeos e/ou áudio) em tempo real via internet aos dispositivos conectados, é essencial que tais operadores invistam cada vez mais em serviços, sistemas, programas e/ou funcionalidades para evitar problemas técnicos e operacionais da plataforma, incluindo falhas, perda de informação, suspensões, interrupções, transmissão de vírus e qualquer outro mau desempenho da plataforma; 
  • os anunciantes se utilizam das superlives como mais um canal para veicular anúncios publicitários de seus produtos e/ou serviços; e
  • as vítimas afetadas pelo coronavírus e demais pessoas necessitadas, uma vez que através das mega lives os artistas disponibilizam meios de pagamento (com auxílio do sistema de QR Code) para arrecadar doações, bem como fundos a serem destinados à pesquisa e desenvolvimento e ao combate da Covid-19.

No entanto, essa nova modalidade pode trazer à tona novos problemas jurídicos correlacionados, como questões de violação de boas práticas publicitárias. Um exemplo que chegou a ser objeto de análise por parte do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) foi o consumo excessivo de álcool pelos artistas que participam das lives e a publicidade de bebidas alcoólicas sem a exibição das cláusulas de advertência sugerindo o consumo moderado e responsável de tais bebidas.

Outro problema nesse sentido são as fraudes atreladas às arrecadações nas lives, uma nova modalidade de crime digital que passou a se popularizar durante as transmissões. Nessa prática, comumente conhecida como “desvio de doações”, golpistas se aproveitam das lives e reproduzem integralmente o conteúdo em um outro canal no YouTube que não possui relação alguma com o canal oficial do respectivo artista. Na reprodução não autorizada, os golpistas alteram o QR Code exibido no vídeo original para realizar as arrecadações solidárias pelos expectadores, atrelando-o a uma conta bancária de titularidade duvidosa e que não possui qualquer relação com a causa do artista da live. Dessa forma, o expectador transfere recursos à organização criminosa, em vez de contribuir com a campanha oficial de arrecadação organizada pelo artista.

Por fim, a alteração em contratos típicos da indústria também se tornou um ponto de atenção. Recomenda-se que em tais documentos celebrados entre os artistas e outros agentes relevantes (como a gravadora musical, as associações que representam os direitos do artista, etc.), sejam incluídas disposições específicas para regular os efeitos jurídicos decorrentes desta nova realidade, até então pouco expressiva ou inexistente na indústria.

Adaptação é a chave

A necessidade de se reinventar – mesmo que temporariamente – para sobreviver à crise gerada pela pandemia não foi observada apenas no mundo musical. Temos verificado o surgimento de diversas iniciativas para entreter a população e manter a indústria ativa, sempre de forma remota e por meio da internet. Museus promovem visitas virtuais, espetáculos de dança e de teatro são transmitidos em tempo real, e plataformas, direta e drasticamente afetadas pela pandemia, desenvolvem novas linhas de negócio para buscar recuperar a queda do faturamento.

A indústria do entretenimento, em certa medida, tem buscado se adaptar ao novo cenário. A questão central é saber se tais mudanças serão transitórias ou se estamos diante de um cenário disruptivo que alterará a dinâmica da indústria para sempre. Resta aos profissionais que trabalham diretamente com o setor estarem constantemente antenados às mudanças e acompanhar os novos desafios que estão surgindo (e que ainda estão por vir) em decorrência do tão aclamado “novo normal”.

*Sobre as autoras: Lisa Worcman e Maíra Schweling Scala são, respectivamente, sócia e advogada do escritório Mattos Filho

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