Apesar de ter sido publicado na edição do Diário Oficial da União (DOU) desta quinta-feira, 27, o Decreto 10.474/2020, que cria a estrutura e explicita as funções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), só terá validade após a nomeação do diretor-presidente da Autoridade. Isso significa que a instalação da ANPD pode demorar mais do que se imagina.
Como todos os membros do Conselho Diretor deverão ser sabatinados pelo Senado, fica evidente que a ANPD nem no papel existe até que isso aconteça. Com a pandemia, o Senado está com suas atividades reduzidas, pois as Comissões não estão funcionando. Ou seja, com a aprovação na quarta-feira, 26, da MP 959/2020 no Senado, que retirou do texto final aprovado o adiamento da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), corre-se risco da legislação de dados brasileira entrar em vigor sem a ANPD ter sido instalada.
A divulgação do Decreto que estrutura a ANPD um dia depois do Senado rejeitar, mais uma vez, o adiamento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, mostra que o governo tentou correr atrás de uma derrota no legislativo sobre o tema, já que o objeto da Medida Provisória 959 de adiar a LGPD não foi alcançado.
José Renato Laranjeira, Diretor do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN) da UnB e membro da Coalizão Direitos na Rede (CDR), enxerga na publicação do Decreto com essas condições mais uma tentativa do governo de atrasar a implantação da ANPD, que já poderia estar em funcionamento. "A nomeação do diretor-presidente depende ainda da sabatina do senado, que, com a pandemia, teve o trabalho de suas comissões comprometido. A ANPD já poderia ter seu funcionamento adiantado para iniciar a estruturação de seus quadros, mesmo que ainda sem o quadro de diretores completo. Por isso, acho que pode representar um atraso desnecessário no seu funcionamento essa medida", diz o pesquisador.
Conselho Diretor superpoderoso
Outro aspecto curioso no Decreto 10.474 é a atribuição do Conselho Diretor, órgão máximo da Autoridade, ser também o responsável por montar a lista tríplice que serão nomeados pelo Presidente da República como membros do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade (CNPD). Essa lista contará com representantes de organizações da sociedade civil; das instituições científicas, tecnológicas e de inovação; das confederações sindicais representativas das categorias econômicas do setor produtivo; das entidades representativas do setor empresarial; e do setor laboral.
Segundo o Decreto publicado, essas representações responderão a um edital, indicando seus representantes dentro do prazo de 30 dias. A partir das indicações, o Conselho Diretor monta a listra tríplice para os representantes serem nomeados.
De certa forma, a escolha dessas representações acaba por passar pelo Conselho Diretor, o que pode significar uma interferência na escolha desses nomes e desvirtuar o papel do CNPD que, apesar de ser um órgão consultivo, tem papel chave nas formulações das políticas de dados brasileira.
José Renato entende que o CNPD é um de apoio à ANPD com uma expertise sobre proteção de dados a partir de um ponto de vista plural, considerando sua composição multissetorial. Na avaliação dele, existe risco do Conselho acabar refletindo somente a visão do governo sobre os temas, já que caberá aos representantes já escolhidos pelo Presidente da República selecionar quais candidatos de outros setores deverão formar o CNPD.
"Isso representa uma limitação à capacidade desses setores de participarem das principais decisões afetas à proteção de dados no Brasil. Para tornar a situação ainda mais complexa, quem selecionará os conselheiros será o próprio presidente, com base em lista tríplice encaminhada pelo Conselho Diretor. Ou seja, existe um duplo filtro para a indicação desses representantes, o que refletirá em um CNPD com uma visão uniforme à do Conselho Diretor, o que a princípio vai contra a lógica prevista na LGPD, de ser o CNPD um espaço de pluralidade de ideias", aponta Renato.
A saída para isso, sugere o pesquisador, seria o Conselho Diretor da ANPD ter uma composição multissetorial. "Dessa forma, os riscos diminuem. Mesmo assim, o CNPD dependerá exclusivamente da boa vontade do governo para que seja suficientemente diverso", finaliza José Renato.