Huawei tem na China sua grande vitrine, mas nega ajuda direta

Vista noturna de Shanghai, cidade mais rica da China e sede do MWC Shanghai

A Huawei tem na China uma das melhores vitrines para o potencial das tecnologias de conectividade e de sua própria capacidade de inovação. Com mais de US$ 25 bilhões investidos anualmente apenas em pesquisa e desenvolvimento, a empresa convidou centenas de jornalistas de todo o mundo para acompanhar esta semana, em Shanghai, a edição asiática do Mobile World Congress (MWC).

Desde o gigantesco centro de P&D na cidade de Dongguan, passando pelo modelo de cidade inteligente de Shenzhen (que tem mais de 20 milhões de habitantes e é totalmente automatizada) ou do exemplo de cidade de Hangzhou (13 milhões de habitantes), hoje 100% conectada com 5G com dezenas de aplicações habilitadas, não há nada pequeno nos números e exemplos daquilo que a empresa entende que a conectividade por oferecer. 

Shenzhen como vitrine

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O exemplo de Shenzhen é importante por ser a cidade natal da Huawei, uma empresa que em pouco mais de 35 anos de história foi da posição de um pequeno fabricante de PABX (pequenas centrais telefônicas para empresas) ao posto de maior fornecedor de tecnologia de telecomunicações do mundo.

O crescimento da cidade, hoje entre as quatro maiores cidades chinesas, acontece em paralelo ao crescimento da própria Huawei, e Shenzen é hoje a principal vitrine das soluções da fornecedora para cidades inteligentes. Essa parceria é exibida com destaque para chefes de Estado e grandes operadoras que visitam a sede da companhia. O projeto começa baseado em dezenas de milhares de câmeras inteligentes pela cidade. A cada poucos metros, é possível ver uma das câmeras de monitoramento instaladas em postes, fachadas e vias públicas de Shenzen, acompanhando a movimentação de pedestres e veículos.

Estas câmeras, explica a Huawei, estão ligadas a um sistema de processamento baseado em Inteligência Artificial que monitora e controla dezenas de funções: policiamento de trânsito, gestão de semáfaros, iluminação pública, pavimentação de ruas, coleta de lixo, combate a pestes (ratos), bueiros, fornecimento de água, energia, fluxo de multidões… Praticamente tudo o que uma cidade precisa para funcionar está monitorado por este sistema.

Em outras cidades, como Hangzhou, o desenvolvimento das soluções de cidades inteligentes se deu por meio das empresas de telecomunicações. Nesse caso específico, pela China Mobile. Aliás, é importante sempre lembrar que apesar de configurar mercado altamente competitivo, as três principais operadora de telecomunicações chinesas são estatais, ainda que haja uma relevante presença de antigos operadores de TV a cabo no mercado de banda larga.

Das telecomunucações aos veículos elétricos

Outros exemplos mostrados pela Huawei em seus centros de inovação passam por automação completa de sítios de mineração, portos e aeroportos. Na loja de demonstração dos produtos ao consumidor da empresa, em Shenzhen, o destaque são os carros elétricos, que hoje tomam completamente as ruas das cidades chinesas. A fabricante é parceira da Aito, fabricante automotiva focada em veículos 100% elétricos e híbridos. A Huawei é responsável pelo desenvolvimento dos projetos da Aito (não apenas a parte de conectividade, mas também a motorização, gestão de energia, sistema operacional e design), e a parceira cuida da fabricação.

A China avança a passos galopantes no universo dos veículos elétricos e autônomos, com fortes subsídios governamentais, numa agenda de desenvolvimento de inovação e também ambiental, já que esse movimento livrou o país dos problemas de poluição urbana, tão característicos na década passada. Um projeto tão central quanto foi o projeto de universalização da banda larga iniciado em 2007.

Banda larga universal, desenvolvimento dos grandes centros urbanos, portos, aeroportos, mineração, carros elétricos… alguns dos principais investimentos e projetos estruturantes da China nas últimas décadas, que contribuíram para que o país se tornasse a única potência econômica a rivalizar com os EUA, estão totalmente sintonizados com as estratégias de mercado da Huawei. Coincidência?

Risco e visão, não governo

Em conversas informais com executivos da empresa, de todos os níveis, é nítida a preocupação em deixar claro que o crescimento da Huawei nos últimos 30 anos, e os pesados investimentos feitos no desenvolvimento de inovações nestes diferentes setores, não têm o financiamento diretor do governo. Não é um modelo, como aconteceu nos EUA, por exemplo, em que boa parte do processo de inovação decorre de investimentos feitos pelo setor militar, por exemplo. Segundo os executivos da Huawei, houve tomada de risco e visão sobre as oportunidades de negócio. O papel das políticas públicas está atrelado, por essa lógica, ao próprio projeto de país da China, que ao se desenvolver trouxe consigo o desenvolvimento de empresas que hoje ocupam posição de liderança em vários setores.

Esse posicionamento da Huawei é importante e necessário do ponto de vista geopolítico. A empresa sofre sanções pesadas dos EUA e com isso perdeu acesso não apenas ao mercado norte-americano como  também ficou com atuação limitada em países relevantes como Reino Unido, Austrália, Canadá  e Japão. A Europa, em dívida com o apoio norte-americano na Ucrânia e em um movimento de defesa de suas próprias empresas, tem ampliado as pressões contra a Huawei, e a alegação é sempre de que a fabricante tem laços profundos com o governo chinês, o que representaria não apenas um risco de soberania como também uma concorrência desleal. A Huawei, portanto, precisa deixar claro a todo instante que não tem vínculos com o governo chinês e que é uma empresa controlada e gerida pelos próprios funcionários, que são seus únicos acionistas. Para a empresa chinesa, o que existe é uma guerra comercial, decorrente da liderança ocupada pela fornecedora no mercado de conectividade e tecnologia da informação.

Independente do papel que o governo da China possa ter tido para que as empresas chinesas se tornassem lideranças globais no setor de tecnologia, o que é fato é que hoje a China se beneficia muito dessa posição. Praticamente todo o país está conectado por fibra. Há mais de 600 milhões de usuários de 5G no país e a conectividade e a digitalização são parte intrínseca de todos os outros setores econômicos importantes. Qualquer que tenha sido a estratégia, pelo visto deu certo. (O jornalista viajou ao MWC Shanghai 2023 a convite da Huawei)

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