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Governo vs. teles: o que deu errado na agenda Temer?

Foto: Pixabay / Pexels

Nos últimos 20 anos desde a privatização das telecomunicações ainda não se tinha visto, em nenhum momento, as empresas do setor se insurgindo contra o governo ou contra políticas públicas setoriais. Em várias ocasiões, o descontentamento foi grande, como quando o então recém-eleito governo Lula decidiu segurar no grito o reajuste tarifário de telefonia, em 2003, ou mesmo quando o Plano Nacional de Banda Larga foi estabelecido, recriando a Telebras, em 2010. Mas nos últimos dois dias a coisa mudou de figura. Dois dos principais sindicatos patronais do setor, o Sinditelebrasil e o Sindisat, entraram na Justiça contra duas das principais bandeiras políticas do governo: o programa Gesac (que tem uma relação umbilical com a principal política governamental atual no setor, o Internet para Todos) e contra o modelo de exploração do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação, o SGDC.

Não deixa de ser curioso que este nível de indisposição tenha se dado justamente no governo Temer, que assumiu em 2016 com a bandeira pró-mercado, pró-iniciativa privada, contra o superdimensionamento estatal e disposto a tudo para criar uma pauta que atraísse investimentos privados. Pelo menos este era o discurso antes e imediatamente depois do impeachment. Mas esta agenda liberal não se materializou no setor de telecomunicações.

Talvez houvesse uma expectativa no mercado de que, derrubado o governo Dilma, a Telebras seria extinta, ou reduzida ao mínimo. Isso não aconteceu. A Telebras se tornou maior desde então, e passou a disputar espaço comercial com as empresas na oferta de serviços ao governo. A estatal virou objeto de elogios públicos do presidente Temer (vide o discurso do presidente na Futurecom de 2017) e se tornou a principal articuladora das bandeiras do ministro Gilberto Kassab, que segue exaltando os impactos positivos que a atuação da estatal pode trazer aos municípios que visita em suas atividades políticas.

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Abacaxi

É verdade que o governo Temer assumiu com um grande abacaxi para descascar chamado SGDC. O satélite estava contratado desde 2013, no primeiro governo Dilma, e em 2016 já havia passado do ponto de ser cancelado sem um prejuízo imenso para o erário. A opção do governo era pagar o que faltava e ficar com o satélite, ou perder tudo. O governo fez um esforço final, arrumou mais R$ 1 bilhão em um cenário de profunda crise fiscal, terminou e lançou o satélite, ao custo total de R$ 3 bilhões. O SGDC foi, originalmente, concebido para ser a solução de conectividade para todo o território nacional (incluindo a porção oceânica), pelo qual seriam atendidas políticas públicas, todas elas subsidiadas com recursos orçamentários, além de atender aos órgãos de Defesa com a banda X. Só que em 2016 o orçamento havia secado e o satélite teria que subir de qualquer maneira, sem garantias de orçamento futuro para mantê-lo.

A saída do governo foi trabalha em um modelo de exploração comercial do satélite, em que parte ficaria com a iniciativa privada e parte ficaria reservado para atender a Telebras em suas obrigações do PNBL. Obrigações estas, diga-se de passagem, que poderiam ter sido alteradas pelo governo Temer, mas que foram mantidas tal qual concebidas por Lula e reiteradas por Dilma.

O modelo de exploração privada originalmente previsto fracassou no ano passado, com o leilão do SGDC restando vazio. O mercado não mostrou interesse nas condições apresentadas pela Telebras. Condições estas estabelecidas dentro da lógica da administração pública, ferrenhamente defendida pelo Tribunal de Contas da União e outros órgãos de controle, em que não pode existir risco ao Tesouro. Ou seja, o governo criou um gasto de R$ 3 bilhões ao contratar, construir e lançar um satélite destinado a atender políticas públicas que seriam bancadas pelo orçamento, mas ao ficar sem orçamento direto para remunerar o investimento, teve que se virar para recuperar esse valor de outra forma. Uma conta complicada de fechar.

Surgiu então uma solução: uma operadora de satélites e fabricante de equipamentos norte-americana chamada Viasat, respeitada em sua área de atuação e com grande experiência na oferta de serviços a governos, assegurou à Telebras ter um modelo em que, explorando comercialmente o satélite, conseguiria ajudar a remunerar a estatal de modo a devolver aos cofres públicos o investimento de R$ 3 bilhões. Conseguiria ainda instalar todos os equipamentos que a Telebras necessitasse para as suas políticas públicas, a preços supostamente muito menores do que os de mercado (estes valores não são conhecidos), em tempo recorde.

A Viasat, diga-se de passagem, entraria no mercado brasileiro de uma forma ou de outra, mas possivelmente daqui a alguns anos, depois que seu novo satélite com altíssima capacidade para a cobertura total das Américas, o Viasat 3 (com seus inéditos 1 Tbps), estiver em órbita e operante. Com o SGDC, a empresa viu, provavelmente, uma oportunidade de ganhar dois ou três anos em seu business plan para o Brasil. De quebra, a Viasat ainda promete ter um modelo para viabilizar o programa Internet para Todos, oferecendo conexão a áreas remotas e sem interesse comercial a preços razoáveis. Não se sabe quanto será esse valor cobrado dos consumidores, nem qual será a remuneração da Telebras, nem quanto a Telebras pagará à Viasat pelos equipamentos, nem se de fato estas seriam as melhores condições possíveis de exploração do SGDC. Pontos que ainda estão bastante nebulosos e que precisam ser explicados, explicitados ou, no mínimo, atestados pelos órgãos de controle. Lembrando que a Telebras, desde que anunciou a parceria com a Viasat, só falou por meio de poucas notas oficiais.

Contratos

É claro que, sozinha, a Viasat não resolve o problema da Telebras. O governo também ajudou, não apenas fazendo os aportes para cobrir os seguidos prejuízos da estatal desde que foi recriada, mas também dando a ela (ou a colocando na disputa por) alguns contratos valiosos, como o programa de conexão das escolas do Ministério da Educação (Programa Educação Conectada), o atendimento a postos de saúde do Ministério da Saúde (Programa Prontuário Eletrônico), o Gesac e diversos contratos de órgãos do governo e estatais, como Dataprev. Até mesmo uma alternativa para viabilizar a redução da carga tributária foi encontrada, com a isenção do ICMS no caso do Internet para Todos via enquadramento no Gesac, algo que as teles privadas sempre buscaram para suas operações comerciais e nunca conseguiram.

Todos esses contratos que a Telebras está levando estão fortemente amarrados no SGDC, o que faz com que a necessidade de um segundo satélite cresça a cada dia. Uma conta de padaria mostra que os 60 Gbps do SGDC, por mais expressivos que sejam (e ele é, de longe, o melhor satélite em banda Ka a cobrir o Brasil), não dão conta dos milhares de pontos que estão sendo propagandeados pelo governo: 18 mil pontos do Gesac a 10 Mbps, 30 mil localidades do Internet para Todos (não se sabe a capacidade, mas o governo fala em 80 mil pontos), mais 22 mil pontos do programa Educação Conectada do MEC, mais 40 mil Unidades Básicas de Saúde… Com todos os contratos que estão sendo colocados, estima-se que a Telebras operará, em alguns anos, acima de 200 mil pontos com o SGDC (cada ponto é uma VSAT a ser instalada). Tudo isso, em tese, dependendo da perenidade do orçamento público destes órgãos e num modelo de operação fortemente dependente dos parceiros, já que a estatal em si tem pouco mais de 400 funcionários e uma fração do tamanho das operadoras privadas de telecomunicações com as quais compete. Um desafio e tanto.

O governo Temer, ao assumir, tinha a opção de desidratar a Telebras, amargar os prejuízos do projeto do SGDC e seguir com prometida agenda pró-mercado, pró-iniciativa privada e liberalizante. Optou por manter a estatal em pé e dar-lhe corpo. Com isso, não apenas frustrou as expectativas do setor empresarial como adicionou concorrência a um mercado que há muito reclama de caminhar para a inviabilização econômica, seja pela carga regulatória, pela carga tributária ou pelo excesso de competição.

O governo vê a reação das teles como um movimento de simples defesa de seus interesses comerciais, “choro de concorrente”. Não deixa de ser verdade: as empresas gritam mais quando aperta no bolso. Mas é inegável que o governo passou a participar da dinâmica competitiva do setor de telecomunicações muito além do que vinha fazendo nos últimos 20 anos desde a privatização. Daí a inédita reação do mercado de confrontar o governo na Justiça, que se soma a uma grande frustração com a agenda regulatória e com a dificuldade de ver mudanças estruturais acontecendo no Congresso (temas que serão analisados futuramente).

Ainda não se sabe se este movimento do governo de “empoderar” a Telebras será benéfico aos usuários e ao interesse público. A estatal ganhou um protagonismo que nem mesmo quando foi recriada ela teve na execução de políticas públicas. Se as promessas e expectativas que estão sendo colocadas sobre ela forem cumpridas, estará bem encaminhado o problema de acesso universal à banda larga, as escolas estarão melhor conectadas do que nunca e a saúde brasileira dará um passo importante em direção à digitalização. Tudo isso com mais competição no mercado, o que é sempre desejável, e com o investimento relativamente “baixo” de um ou dois SGDCs. Na teoria, pode dar certo. Mas, e se não der certo? Não existe risco zero. Sempre alguém vai pagar a conta.

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