A recente decisão da Justiça da Flórida no caso envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), a plataforma Rumble e a Trump Media, que reconheceu que decisão do magistrado Alexandre de Moraes pedindo a suspensão de contas nos Estados Unidos ainda não surte efeitos no território daquele país, deve ser lida com cautela porque tem sim consequências para o mundo Jurídico dos temas ligados à Internet, segundo especialistas ouvidos por este noticiário.
Como se recorda, Moraes ordenou o bloqueio de contas do brasileiro Allan dos Santos, que está foragido nos Estados Unidos após ter prisão preventiva foi decretada em 2021. A ordem do STF foi questionada no país pela Rumble e pela sua parceira Trump Media, pertencente ao presidente norte-americano Donald Trump.
Na ação, a juíza Mary Scriven, do Distrito Central da Flórida, negou liminar da empresas, mas sem análise de mérito, entendendo que ainda não poderia se pronunciar sobre algo que juridicamente ainda não existe nos Estados Unidos.
Neste sentido, a magistrada norte-americana diz que os atos do magistrado brasileiro não foram notificados às partes, conforme exigido pela Convenção da Haia ou pelo Tratado de Assistência Jurídica Mútua (MLAT) entre os Estados Unidos e o Brasil.
Dessa forma, a juíza também destacou que pelas atuais leis vigentes nos EUA, os autores (Rumble e Trump Media) não são obrigados a cumprir as diretrizes e pronunciamentos do ministro Alexandre de Moraes, até que haja comunicação formal sobre as mesmas entre os países.
Consequências
Na avaliação de Paulo Rená, doutorando em Direito na UnB e Pesquisador do IRIS, a decisão da juíza Mary S. Scriven evidencia um conflito em relação à soberania no exercício da jurisdição sobre casos envolvendo a Internet.
"De imediato, não deve ter nenhum impacto sobre a ordem de bloqueio do Rumble no Brasil, já que seu cumprimento foi efetivado aqui por intermédio das provedoras de conexão", disse o pesquisador.
Mas Rená chama a atenção para fato de que com a nova decisão da juíza norte-americana, é possível que o STF comece a observar a Convenção de Haia e os tratados de assistência jurídica mútua (ou MLAT). Isso significaria fazer a corte suprema percorrer o caminho formal para a comunicação oficial com a Justiça dos Estados Unidos, a fim de finalmente obter apoio estrangeiro em casos como o de Allan dos Santos.
Carlos Affonso, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), aponta que a Internet é uma rede sem fronteiras, enquanto as ordens judiciais, ao contrário, estão confinadas a atuar dentro dos limites territoriais do país onde foram expedidas.
O pesquisador destaca que se fosse dado a cada magistrado impor ordens judiciais a partir de sua lei local para toda a rede, a liberdade de expressão seria nivelada pelo seu padrão de proteção mais baixo.
"Por exemplo, na Tailândia existem uma série de restrições sobre o que pode ser dito sobre a família real. Um juiz na Tailândia não deveria ter o poder de tirar do ar de toda a rede global comentários críticos à realeza do seu país. Medidas de bloqueio geográfico, utilizando o IP de quem acessa o conteúdo, permitem que as decisões judiciais tenham validade [apenas] dentro das fronteiras 'virtuais' de um país", explica Carlos Affonso, ao TELETIME.
"No caso das ordens de Moraes existe uma disputa sobre a jurisdição já que se trata de um brasileiro, residente nos Estados Unidos, publicando em português e com o objetivo de produção de efeitos no Brasil. Esses elementos precisam ser levados em conta no cabo-de-guerra jurisdicional", disse Affonso.
Vale notar que o impasse também tem gerado reflexos diplomáticos. Por meio de sua conta na plataforma X na última quarta-feira, 26, a Embaixada dos Estados Unidos sustentou que bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas no país por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão.
Suspensão do Rumble no Brasil
No Brasil, a Anatel tem monitorado a efetividade do bloqueio realizado pelas prestadoras de telecomunicações ao site Rumble, após encaminhamento da decisão do Supremo Tribunal Federal.
A agência informou que a maior parte das prestadoras de serviço móvel confirmaram terem implementado a restrição. O órgão regulador encaminhou aos mais de 21 mil prestadores de serviços de telecomunicações em todo o País a decisão do STF.
Alexandre de Moraes suspendeu a plataforma no Brasil após o descumprimento de diversas decisões judiciais, entre elas, a que solicitava a indicação de representante legal no Brasil.