Existe um personagem oculto no Mobile World Congress 2023, que acontece em Barcelona esta semana: a guerra preparatória para a WRC 2023 (ou Conferência Mundial de Radiocomunicação), que acontece no final de novembro e começo de dezembro em Dubai. Trata-se da edição quadrianual sobre espectro mantida pela ITU, e é não por acaso o principal fórum de debate sobre políticas de espectro.
Ainda que não seja um tema tratado de maneira escancarada nos principais debates públicos, é a grande agenda do Programa Ministerial, organizado pela GSMA durante o evento em Barcelona, e tópico permanente das conversas entre reguladores e operadoras.
As empresas de telecomunicações têm algumas preocupações de curto prazo. Querem assegurar o acesso a 600 MHz, querem harmonizar o uso da faixa de 3,5 GHz globalmente (um problema que o Brasil já venceu ao alocar a maior parte da faixa para o 5G; e, principalmente, querem garantir uma recomendação de que o espectro de 6 GHz seja designado em parte para os serviços de banda larga móvel. Para Mats Granryd, CEO da GSMA, essa é uma questão crítica. "Sabemos que espectro acessível é essencial e esse é um ano especial, pela WRC. Temos que ter um esforço de harmonização e ampliação do acesso. Precisamos que a WRC entregue espectro em low band (600 MHz), harmonize 3,5 GHz e, especialmente, considere o 6 GHz para expansão do 5G".
O Brasil tem uma posição crucial nesse tema, porque foi um dos países pioneiros, ao lado dos EUA, a alocar ainda em 2021 a integridade do espectro de 6 GHz para aplicações não-licenciadas, como o WiFi 6E. No caso brasileiro, as operadoras de telecomunicações móveis, apoiadas pelas grandes empresas fornecedoras de equipamentos 5G, perderam a primeira batalha, mas não se deram por vencidas. Querem que a agência brasileira reavalie sua posição, e uma decisão da WRC 2023 em favor da divisão do espectro de 6 GHz entre uso não-licenciado e uso para o 5G seria uma forma de pressionar os reguladores.
No ano passado, a Anatel chegou a manifestar aos fornecedores e operadores alguma inclinação para repensar a sua posição, mas rapidamente o comando da agência brasileira tratou de esfriar expectativas, declarando que as posições regulatórias não poderiam ser revistas em tão curto prazo. Esse ano, a agência brasileira está bem mais cautelosa sobre o que fala e o que promete nas conversas, mas não quer dizer que a pressão das telcos por uma reversão da decisão da agência não esteja acontecendo. Não é mais uma batalha envolvendo apenas o Brasil, mas sim toda a preparação dos reguladores e grupos de pressão para a WRC 2023. O futuro das empresas que estão em Barcelona, de certa forma, será definido apenas no final do ano, em Dubai.