Soberania, liberdade e diálogo. As três palavras foram a tônica do discurso da chanceler Angela Merkel na cerimônia oficial de abertura do 14o Fórum de Governança da Internet (IGF), que começou nesta terça-feira (25) em Berlim. Numa fala bastante diferente da que marcou a abertura do IGF em Paris, em 2018, quando o presidente francês Emmanuel Macron apontou para uma agenda própria em termos de governança e regulação da Internet, Merkel reforçou a importância do diálogo e da construção multissetorial de um consenso sobre uma rede livre, aberta e global.
"O futuro da Internet não pode ser definido apenas porEstados e governos. A ideia clássica de multilateralismo não serve mais para os
propósitos de hoje, porque a Internet afeta a todos, incluindo aqueles que nãotem acesso à rede", afirmou.Merkel criticou países e empresas que tem criadoinfraestruturas próprias de conexão, fomentando uma fragmentação da rede. "Aideia de soberania digital é de suma importância, mas isolamento não é umaexpressão de soberania. Isso não pode significar protecionismo, não podesignificar bloqueios arbitrários da rede, não pode significar censura. E,infelizmente, este tem sido um instrumento político perigoso para interferir naforma como as pessoas se conectam", alertou.
A chanceler alemã disse que é natural as pessoas verem aInternet como uma rede verdadeiramente global, mas lembrou o quanto ainfraestrutura que permite essa conexão ainda é decisiva para a forma como aspessoas se inserem no ambiente digital. Citando a centralidade dos cabossubmarinos e dos maiores pontos de troca de conexão – o principal deles fica emFrankfurt, na Alemanha –, Angela pontuou como a infraestrutura de Internet estáhoje no centro da economia global. "Por isso precisamos preservar a ideia deuma rede descentralizada, que atravesse fronteiras, e entender a Internet comoum bem público global", disse.
Defesa permanente da liberdade
Lembrando os 30 anos da queda do muro de Berlim, celebradosno último dia 9 de novembro, Angela Merkel falou em "revitalização dos valoresque deram origem à Internet", e disse que a liberdade é um dos princípios do mundoanalógico que devem ser garantidos no ambiente digital. Para a chanceler, aliberdade não pode ser vista como algo garantido. "Temos que defendê-la sempre,e definir juntos qual o seu limite, o que é permitido e o que não é. Atransformação digital está nos colocando questões muito básicas, não só sobre oque é possível de se fazer online, mas também sobre o que é eticamentedesejável", mencionou, citando particularmente os desafios colocados no âmbitoda inteligência artificial e da Internet das Coisas.
"Mais do que debater sobre o que queremos, precisamosdiscutir com maior profundidade o que não queremos. A tecnologia tem que serviràs pessoas, e não o contrário. Como indivíduos e como sociedade, o fundamentalé que possamos exercer nossa autodeterminação digital", acrescentou.
Responsabilidade coletiva
Também presente na abertura do IGF, o Secretário-Geral dasNações Unidas, António Guterres, chamou os participantes a uma responsabilidadecoletiva para dar direção ao futuro da rede, visando maximizar seus benefíciose minimizar seus efeitos indesejados.
"Trinta anos atrás vimos a queda do muro de Berlim. Hoje háuma enorme frustração ao vermos que ainda estamos construindo muros físicospara separar as pessoas e que também há uma tendência de se criar murosvirtuais na Internet. Uma rede acessível, segura, livre e aberta está emrisco", afirmou o português. Guterres criticou a falta de expertise emtecnologia dos tomadores de decisão e disse que os formuladores de políticaspúblicas precisam enfrentar essa questão com urgência.
"Vivemos um risco real de ruptura geopolítica no ambientevirtual. Não é mais uma previsão para o futuro, é uma realidade de hoje. Umperigo potencial que exige respostas coletivas. Se não fizemos isso, ficaremosconhecidos como a geração que arruinou as promessas da Internet", concluiu oSecretário-Geral da ONU.