O parecer do procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) ao processo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Telefônica proposto pela Anatel aponta inconsistências e indícios de irregularidades em quase todos os itens do contrato aprovado pelo Conselho Diretor da agência, porém abranda na questão defendida pela área técnica da corte, de responsabilizar os conselheiros por possíveis danos ao erário. "Como, até o momento, não foi assinado o referido TAC, tendo ocorrido, tão somente, sua aprovação, não há que se falar em afastamento da boa-fé dos conselheiros da Anatel que aprovaram o acordo", defende Sérgio Caribé. Na prática, contudo, se o parecer for acolhido pelo plenário do TCU, o modelo de TACs da Anatel terá muita dificuldade de sobreviver, o que é uma péssima notícia para as operadoras, não só a Telefônica, mas sobretudo a Oi.
O procurador afirmou que "restou ausente a justificativa para realização, nesta fase processual, de audiência em face de possíveis irregularidades que teriam sido cometidas em razão de atos atinentes à aprovação do TAC com a Telefônica", aliviando as implicações para os conselheiros da agência. Entretanto, o mesmo raciocínio não foi aplicado ao relator do acordo, conselheiro Igor de Freitas, que, no seu entendimento, descumpriu disposição do regulamento do TAC (caput e § 2º do art. 9º), relacionada a não submissão do processo administrativo desse TAC à Comissão de Negociação e à procuradoria especializada da Anatel, após ter sido alterado em seu gabinete, substancialmente, o projeto de compromissos adicionais do acordo. Nesse caso, o parecer do TCU recomenda a realização da audiência. A Anatel e o conselheiro Igor de Freitas não comentam o parecer, mas este noticiário apurou que a resposta a este ponto será bastante objetiva: não existe previsão nem em regulamento nem regimental que os votos dos conselheiros retornem para área técnica.
Caribé recomenda a edição de medida cautelar pelo ministro-relator do processo, Bruno Dantas, no sentido de que a Anatel se abstenha de assinar o TAC com a prestadora Telefônica, bem como quaisquer outros acordos dessa espécie cujos respectivos processos de TAC ainda estejam em trâmite na agência reguladora, até que este Tribunal se manifeste quanto ao mérito das questões tratadas na representação. A cautelar deve ser votada nesta quarta-feira, 27, na sessão ordinária do TCU.
Para sanar os indícios de irregularidades, o procurador recomendou a realização de oitiva da Anatel, para que a agência se manifeste sobre todas as dúvidas apontadas e recomendou também que a Telefônica seja ouvida. Mas recomendou a abertura de processo apartado para verificar o não atendimento de obrigações de editais pela Telefônica, que não tiveram as garantias executadas pela agência e que os processos foram incluídos no TAC. Caribé entende que esse tópico pode indicar o descumprimento da Lei de Licitações, com eventual prejuízo a interesses de terceiros (outros licitantes), sugerindo que a possível irregularidade atinente à troca de garantia de execução dos compromissos de abrangência por compromissos a serem inseridos no acordo com a operadora seja aprofundada.
A área técnica do TCU, em seu parecer, indicou um possível dano ao erário de pelo menos R$ 137,7 milhões, caracterizado pela diferença entre o primeiro cálculo de VPL de R$ 1,6 bilhão, baseado na ferramenta cedida à Anatel pelo MCTIC, e o segundo cálculo, de R$ 1, 4 bilhão efetivado internamente pela agência reguladora. Novo VPL foi calculado pela Anatel nesse ano, chegando a R$ 1,5 bilhão correspondentes aos compromissos adicionais.
Além da oitiva e da audiência do conselheiro-relator, o procurador sugere promover diligência junto à Anatel, para que informe ao Tribunal quais correções de condutas, incluindo metas-meio, e quais projetos de compromissos adicionais, constantes da versão do TAC aprovado em outubro de 2016, já foram implementados ou estão em implementação pela Telefônica. Devem informar ainda os respectivos valores e detalhamento do plano de negócios das localidades beneficiadas (áreas/bairros atendidos, tecnologia utilizada, equipamentos instalados, data de início das obras e da disponibilização do serviço ao usuário final, total de facilidades instaladas). A suspeita é de que a operadora tenha incluído projetos que já vinham sendo executados ou já estavam no planejamento pela prestadora, o que resultaria em prejuízo ao interesse público.
Sugeriu ainda que o TCU encaminhe cópia da deliberação que vier a ser proferida à Procuradoria da República no Rio de Janeiro – Ministério Público Federal, tendo em vista o interesse desses órgãos no objeto deste processo.
Fragilidades
Na oitiva, a Anatel deve esclarecer os seguintes pontos:
1) incidência, ou não, do fator de redução de desigualdades sociais e regionais e de execução de projetos estratégicos, previsto no Ato Anatel 50.004/2016, no cálculo do montante dos compromissos adicionais previsto para o TAC da Telefônica;
2) necessidade de lei específica ou de decreto regulamentador do § 6º do art. 5º da Lei 7.347/1985, a fim de permitir a assinatura de TACs, pela agência reguladora, com as operadoras de telecomunicações;
3) previsão de arquivamento dos processos administrativos incluídos no TAC quando da assinatura do acordo (§ 3º do art. 11 do RTAC), sem previsão legal, o que representa renúncia indevida e injustificada da competência fiscalizatória da agência reguladora (vide incisos VI, IX e XI do art. 19; os arts. 82, 137 e 173, todos da Lei 9.472/1997; e o inciso II do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/1999), por inviabilizar a imposição de sanções mais graves do que as multas, ainda que se façam presentes as situações indicadas no art. 176 da LGT e no art. 10 do RASA;
4) legalidade da sistemática de TACs quando o direcionamento dos recursos do acordo não estiver vinculado ao atendimento dos objetivos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), nos termos do art. 3º da Lei 5.070/1966, e da política pública de universalização dos serviços de telecomunicações prevista no art. 5º da Lei 9.998/2000, que instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST);
5) alinhamento dos compromissos de ajustamento de condutas irregulares, previstos na minuta do TAC da Telefônica, com os objetivos mencionados no subitem precedente;
6) menção quanto ao horizonte temporal esperado para que entrem em vigor as alterações no modelo de gestão da qualidade dos serviços de telecomunicações e detalhamento de qual será o impacto dessas alterações nos TACs;
7) esclarecimento de como serão feitas as devidas compensações em caso de redução/prejudicialidade de ações e obrigações originalmente previstas nos TACs e de como será mantida a expressão financeira das multas relacionadas a condutas cujos indicadores forem alterados;
8) detalhamento das medidas alternativas que foram previstas no TAC em relação àquelas que podem vir a ser alteradas ou extintas em relação à universalização, de modo que seja assegurada a manutenção do VR do acordo;
9) inter-relação do fator de redução de desigualdades sociais e regionais e de execução de projetos estratégicos, aprovado pelo Ato Anatel 50.004/2016, com a política pública de telecomunicações;
10) aparente contradição entre a pontuação das localidades, conforme fator de desigualdade social e regional aprovado pelo Ato Anatel 50.004/2016, e as categorias do PGMC, no nível de competição de mercados de varejo ou atacado;
11) tratamento a ser conferido à infraestrutura de telecomunicações que pode vir a ser implementada com recursos de TACs, em termos de prazos e condições de compartilhamento, levando-se em conta o que prevê a Lei 13.116/2015 e o Decreto 7.175/2010;
12) justificativa quanto à opção da Agência em editar manuais de acompanhamento e fiscalização específicos para o TAC de cada operadora e à não participação da PFE/Anatel nos manuais minutados e aprovados até o momento;
13) esclarecimento quanto à interpretação do inciso II do art. 26 do RTAC, a fim de demonstrar se indica o teto (valor máximo) ou o piso (valor mínimo) da multa diária que deve ser aplicada à operadora que incidir em mora na execução de item do cronograma de metas e condições dos compromissos;
14) em relação ao caso concreto do TAC da Telefônica, resposta aos quesitos indicados nas letras "a" a "j" do parágrafo 769 da instrução à peça 139 destes autos, esclarecendo, ainda, no caso da letra "f" desse parágrafo, se houve e de que forma foi exigido dessa operadora a observância ao art. 22 do RTAC, especialmente em relação às diretrizes previstas nos incisos I e II desse dispositivo ("atendimento a áreas de baixo desenvolvimento econômico e social, por meio de ampliação da capacidade, capilaridade ou cobertura das redes de telecomunicações" e "redução das diferenças regionais", respectivamente);
15) demonstração de que, mesmo que as ações atinentes à construção de infraestrutura de rede com base na tecnologia de fibra até a residência (FTTH), previstas no projeto de compromissos adicionais do TAC da Telefônica, tenham sua implantação direcionada a municípios com interesse comercial para a operadora, que tais ações tenham VPL negativo e como alvo "áreas [bairros, distritos, setores censitários etc.] de baixo desenvolvimento econômico e social", nos termos do inciso I do art. 19 do RTAC.
O golpe é duro, porém extremamente necessário. Só que mais duro ainda é perceber que há muita sujeira escondida debaixo do tapete dos TACs celebrados entre a Anatel e as teles.
Não bastasse isso, o PLC 79/2016 vem aí para tornar o que já é desastroso ainda pior…