Encontro organizado pela FGV concluiu que a falta de transparência e a forma apressada de colocar o Plano Geral de Outorgas em consulta pública pela Anatel por apenas 30 dias (que vence no próximo dia 17 de julho) dificultam um processo de discussão mais aprofundado do mercado e dos consumidores. Por esse motivo, o que fica patente é que a consulta foi lançada apenas para atender ao desejo da fusão de grupos privados – ou seja, a compra da Oi pela BrT, sem que o pilar fundamental, a maior competição entre serviços, seja levada em conta.
Essa foi uma das conclusões do Seminário de Economia Aplicada, da Fundação Getúlio Vargas, realizado nesta quarta-feira, 24, em São Paulo, com o tema "A Atualidade do Marco Regulatório das Telecomunicações".
Segundo o professor da FGV, Arthur Barrionuevo, especialista em regulação, o período de 30 dias da consulta pública é exíguo para uma discussão mais aprofundada de tema tão complexo, com tantas implicações para a sociedade, além de não encaminhar vários desafios importantes.
A partir da queda da receita das empresas de telefonia fixa com o serviço de voz, a tendência das teles é manter sua posição dominante também com novos serviços. O reajuste das tarifas de telecomunicações desde 97 sempre se deu acima do IPCA (embora abaixo do IGP-M, atrelado ao câmbio) e as empresas não tiveram perdas. "Faltou à Anatel, desde o início, fazer valer o unbundling (que foi regulamentado, mas não implantado) e a portabilidade numérica. Isso manteve o monopólio da telefonia fixa", afirma o professor.
Hoje, essas empresas contam com 90% do total de assinantes de telefonia, além da maior parte dos clientes de banda larga. "Para que isso mude depende de um processo competitivo e de regras. Se a Anatel busca um novo modelo, mas com os mesmos prestadores, mantendo as atuais regiões de concessão, não existe real mudança no cenário da competição". Para ele, as medidas promovem a concentração e o conluio tácito de uma empresa não entrar na região da outra.
A única medida efetiva do novo PGO em curto prazo é a permissão da fusão de grupos econômicos que controlam uma concessão em mais de uma região. "Parece pouco, tendo em vista os desafios enfrentados e dada a demanda da sociedade brasileira por maior acesso a serviços de telecomunicações e em particular de banda larga", afirma.
Ineditismo brasileiro
O advogado Pedro Dutra, presidente do Ibrac (Instituto Brasileiro de Defesa da Concorrência), destaca que a proposta do novo PGO quer atender, única e exclusivamente, a um negócio privado já realizado. "Isso é inédito no direito brasileiro e pode suscitar dúvidas jurídicas, já que o artigo 37 da Constituição trata da impessoalidade da administração pública que deve ser guiada pelo interesse público de natureza coletiva, e não resolver questão específica de interesse privado", diz.
Segundo o advogado, o artigo 202 da LGT já previa a revisão da regulamentação após cinco anos de privatização e a possibilidade da fusão de concessionárias. "Mas colocando em consulta pública um novo PGO, a Anatel tira de cima de si o ônus dessa mudança e coloca essa decisão para o Executivo, evitando futuros processos no Judiciário". Para ele, não há uma proposta efetiva de mudança dos atuais marcos regulatórios, já que a maioria dos itens remete a estudos que ocorrerão em 180 dias, exceto a fusão dos grupos. "Serão de novo regras definidas a portas fechadas, sem a participação da sociedade".
Dutra também apontou para uma imprecisão no item III da proposta que coloca a "Eliminação das restrições de atuação de Grupo que contenha concessionárias em mais de uma Região do PGO…". Segundo o advogado, a palavra "conter" não é técnica e, do ponto de vista jurídico, não é válida. "Como um grupo pode conter o outro? Essas e outras imprecisões mostram que o grupo não teve tempo hábil para uma revisão cuidadosa por parte dos expoentes", afirma.
Para Daniela Trettel, diretora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a proposta do novo PGO mais uma vez coloca o consumidor em último plano. "Não vemos propostas de mudanças para aumentar a competição e o paradigma do monopólio das redes nem do uso do Fust para a disseminação da banda larga. É uma consulta pública atropelada que não garante condições de competição que beneficiariam o consumidor", afirma.
Captura da agência
Outro problema colocado pelo professor Barrionuevo, da FGV, é a questão da captura da agência reguladora e a dificuldade da Anatel exercer seu papel de órgão independente. Ou seja, ela seria influenciada por grupos privados que conseguem definir o processo regulador ou impedir medidas contra seus interesses. "Com a ampliação do monopólio, essa captura tende a ser maior do que quando há menos concentração", diz. Há também o lobby dos grupos no próprio governo que influencia a decisão da agência. "A nova 'supertele' concentrará o mercado nacional em acesso fixo. Qual é o impacto institucional de uma concentração do porte econômico desse tipo?", questiona Barrionuevo.
TELETIME debate o tema
Os equívocos na revisão do modelo regulatório são analisados detalhadamente pelo professor Barrionuevo em entrevista na revista TELETIME que circula neste mês.