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Steve Collar, da SES: “O espaço precisa ser um ambiente sustentável”

A SES é uma das maiores empresas operadoras de satélite no mundo, e muito antes da onda atual sobre constelações de satélites dedicados a serviços de banda larga virar moda, apostou no conceito de uma constelação não geoestacionária para atender qualquer local do globo com acesso de Internet  em alta velocidade: a constelação O3b, que este ano ganha uma segunda geração, com maior capacidade, chamada O3b mPower.

Mas a visão de negócio e as preocupações da SES são bastante diferentes do que se vê na nova geração de empresas de satélite: a preocupação está na sustentabilidade dos modelos econômicos e, no limite, na sustentabilidade do próprio espaço, como um ambiente em que os diferentes países precisarão coexistir. Nesta entrevista exclusiva, o CEO da empresa, Steve Collar, fala sobre os novos desafios para a indústria de satélites em todo o mundo, e sobre os planos da SES.

TELETIME – Como o Brasil está na estratégia da SES?

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Steve Collar – O Brasil é um país muito importante de uma região muito importante para a SES. Estamos no Brasil há 25 anos, com um misto de atividades na área de broadcast e redes. É um mercado muito interessante, muito grande, com uma população muito dispersa em algumas regiões como a Amazônica, mas também concentrada em outras. É uma região com muita ação, como o que está acontecendo agora com a banda C, mas que conhecemos bem desde o tempo da New Skies (empresa que deu origem à SES). A performance é boa, sem grandes crescimentos. O mercado de broadcast é relativamente estável, muita atividade agora da banda C para a banda Ku, o que deve ser a movimentação mais importante, e temos como maior cliente no segmento de TV a Oi, com o DTH, que surpreendentemente está indo bem e com um crescimento na base de assinantes. Isso é positivo. Do lado de conectividade nós já implementamos o serviço O3b desde 2016, começando na região Norte onde é sempre mais difícil conectar clientes, e hoje temos mais de 10 sites com backhaul para a Claro e outros operadores. E temos muitos outros projetos de conectividade rural, o que tem sido bastante forte no Brasil em comparação com outros países. Então, podemos dizer que é um país muito importante, com muito potencial e muito a se desenvolver.

Brasil estará na primeira leva de serviços o3B mPower?

Sim, temos a capacidade de cobrir todo o globo a partir dos nossos primeiros seis satélites, e assim que os tivermos em operação podemos entregar serviços, e já temos conversas bastante avançadas com operadoras no Brasil e é possível que o país esteja entre os primeiros países atendidos. Esse modelo de parceria com as operadoras é que que tem sido mais bem sucedido para nós no Brasil porque o serviço o3B não foi desenhado para ser um serviço de acesso residencial, mas sim para servir a pontos de agregação e a partir dai atender a projetos como WiFi rural ou redes 3G, 4G e 5G.

 O foco do serviço O3b parece ter mudado um pouco da conexão a desconectados para conectar quem de fato precisa de conexão, como o mercado de cruzeiros, mas tem dificuldade de conseguir de outras formas. É isso?

A gente sempre teve outras áreas no radar, como o mercado de cruzeiros, mas nosso foco foi desde o princípio oferecer conectividade de baixo custo para partes do mundo sem outras posições. A gente sempre teve a missão de conectar pessoas, não necessariamente os 3 bilhões desconectados, mas o máximo que conseguíssemos a um preço razoável. Com a nova geração de satélites de órbita média mPower esse propósito continua o mesmo, ampliando em 10X a nossa capacidade. Na primeira geração do o3B a gente precisava escolher áreas de cobertura prioritárias, e por isso não pudemos cobris todo o Brasil, por exemplo. Agora isso muda, a partir do lançamento no final deste ano da nova geração.

Falando de 5G, quais as suas expectativas em relação a o impacto dessa tecnologia nos serviços de satélite?

 É importante que com o release 17 os chipset vão já incluir componentes de integração com as redes de satélite, mas no curto e médio prazo o que veremos é o uso mais intensivo do satélite como backhaul para estas novas redes, especialmente em aplicações privativas que já vão surgir com 5G e precisam de conectividade. Isso é algo muito promissor, e certamente no curto prazo veremos mais sites sendo conectados por satélite. No médio prazo veremos aplicações mais elaboradas, com satélite se comunicando diretamente por 5G. É algo que começa com serviços de Internet das Coisas, mas pavimenta o caminho para soluções mais amplas. É provável que essa integração demande uma nova geração de satélites já pensadas com esse propósito. É possível fazer essa conexão hoje, mas talvez não ainda de forma universal em qualquer país.

Em quanto tempo veremos essa conexão direta entre satélites e redes 5G?

Já existem coisas que começam a ser feitas de maneira pontual agora, empresas pequenas. Ainda é preciso uma definição das frequências em que as empresas de satélite vão operar o 5G, dependendo da faixa existem desafios em relação às antenas e outros problemas. Nós estamos analisando esses cenários e temos convicção de que é algo que vai acontecer, entre 3 e 5 anos começaremos a ver serviços muito interessantes e confiáveis. 

Vocês nunca mostraram muito interesse na oferta de serviços de banda larga diretamente ao consumidor. Como você mesmo diz, o O3b mPower não foi pensado nesse cenário. Por que?

Primeiro, porque outras pessoas estão fazendo. Para nós, na nossa análise, é um mercado difícil de se fazer dinheiro. É difícil de ver onde pode estar o lucro nesse tipo de serviço. Pensamos que o tipo de equipamentos que se precisa instalar nas casas dos usuários têm um custo relativamente elevado e a receita média na maior parte dos mercados é baixa. Estamos falando de ARPUs iniciais de US$ 30 ou US$ 40 mas logo começa a cair para menos de US$ 10 e é preciso fazer bem as contas de onde esse modelo pode funcionar. Temos um pouco de serviços residenciais na Europa, mas é muito difícil. Por isso preferimos o modelo de agregação, e que uma única antena serve dezenas de usuários por meio de um modelo de distribuição terrestre por WiFi ou 4G.

Vocês têm também operações diretas de DTH, correto? Qual é o futuro do serviço?

Temos dois países em que operamos diretamente no modelo B2C, e nos demais nós damos suporte, como é o caso do Brasil com a Oi. O DTH em si é um mercado já bem maduro, que desde o começo faz parte do nosso DNA e do qual participamos, e foi uma verdadeira revolução quando surgiu porque foi a primeira tecnologia a oferecer centenas de canais digitais em qualquer lugar. Nos últimos cinco ou sete anos isso tem mudado com a crescente evolução da banda larga e do streaming on-demand. O que vemos como futuro são as plataformas híbridas, em que a entrega predominante para os canais é o DTH mas existe conectividade no set-top box para os serviços de streaming e VoD. E a razão para esse modelo fazer sentido é porque o aspecto econômico do DTH faz todo sentido: é muito mais barato distribuir canais lineares de maior audiência em uma plataforma de DTH, de forma simultânea, e o streaming para conteúdos sob demanda. Baixar um filme no streaming é, inclusive do ponto de vista ambiental, muito menos eficiente: é como ferver cinco chaleiras de água para ver um filme. Então a combinação de algo que tem muito mais apelo econômico com a flexibilidade do streaming me parece algo que tenha muito apelo. Por exemplo, conteúdos em HD ou UHD como esportes e notícias fazem todo o sentido para o DTH, porque não existe um delay significativo como no streaming.

Mas você vê os operadores investindo nesse modelo híbrido?

Na Europa vemos operadores como a Sky (que não tem relação com a Sky brasileira) com essa estratégia. Na verdade, hoje eu acho que não temos mais nenhum provedor de DTH que não esteja trabalhando com set-tops conectados. Já é uma realidade há cinco anos, 10 em alguns casos. É um modelo que tem funcionado muito bem. Mas é algo que varia muito em função do acesso à população por banda larga terrestre. E quando não tem, o DTH segue sendo a principal forma de entregar conteúdo. 

E em relação ao mercado de broadcasting, TV aberta?

De fato é um mercado muito desafiado pelo crescimento das plataformas de Internet em termos de disputa pelo mercado publicitário, mas de novo, do ponto de vista econômico da distribuição de conteúdo, poucas plataformas são mais eficientes do que o satélite, e mesmo para publicidade, o alcance da TV via satélite é muito maior. Os estudos mostram que a receita gerada pela publicidade da TV aberta é muito maior do que o custo de transmissão.

Hoje existem muitas coisas novas acontecendo no setor de satélites, sobretudo nas constelações LEO, mas ainda parece haver pouca coordenação entre os diferentes atores e pouca preocupação com as responsabilidades inerentes a esta ocupação do espaço. Qual a sua percepção?

Você está corretíssimo. Se esta falta de coordenação ainda não é, certamente será um dos principais desafios do mercado de satélite. Temos uma grande onda de inovações e novos modelos de negócio, e nós somos parte disso desde o começo com o O3b. Mas até aqui as regras estavam bastante claras. No mercado GEO são décadas de coordenação entre todos os atores, com a gestão da ITU, os processos de coordenação de slots e frequências etc. No caso das novas órbitas não-geoestacionárias é que as regras não estão claras e as administrações nacionais estão tendo muito mais dificuldade de coordenar o acesso ao mercado. O problema não é só de frequências, mas também da quantidade de objetos no espaço sobretudo nas órbitas baixas, e estamos chegando a um ponto bastante crítico em termos de sustentabilidade desse ambiente, da mesma maneira com que estamos negligenciando a questão climática. A questão é como manter o espaço um ambiente sustentável não apenas agora, mas no futuro. Se o Brasil decidisse hoje mandar uma constelação para o espaço certamente seria difícil. Temos questões de manobrabilidade das frotas, de tolerância de distâncias, No momento isso está parecendo uma Corrida do Ouro em que cada um vai por si só tentar pegar o maior pedaço do território sem levar a sustentabilidade em consideração. 

E de quem seria essa responsabilidade? A quem cabe essa coordenação?

É uma boa pergunta. A resposta não está clara ainda, a ITU tem um papel, mas certamente não o papel que ela tinha até aqui, mas eu acredito que ela precisará ter mais responsabilidades daqui para frente, não apenas na questão de espectro mas também no controle de órbitas. As administrações nacionais também têm um papel de fiscalizar o comportamento de suas empresas, mas é possível que tenhamos que ter, no futuro, um órgão internacional.

Você não acha que a indústria conseguirá chegar em um modelo de autorregulação?

Eu duvido, porque não me parece haver incentivos nesse sentido. É preciso ter punições para comportamentos ruins, como acontece com ambientes poluídos, por exemplo. Porque não existe nenhum incentivo econômico para que uma empresa poluente deixe de se comportar dessa maneira. Esta questão (do ordenamento do espaço) é relevante não apenas para nós, mas para a humanidade, porque muito do que fazemos hoje depende do espaço. Clima, previsão do tempo, GPS, comunicações, tudo isso passa pelo espaço. Se não dermos mais atenção a esses problemas, enfrentaremos questões reais em breve. A crise está nas órbitas baixas, porque é onde há mais objetos, há menos espaço, está mais próximo da Terra, onde há pesquisas sendo realizadas… Já vemos uma quantidade preocupante de quase-incidentes e manobras evasivas para evitar colisões. E tem os testes de armas anti-satélites que já vimos a Rússia e China testarem que podem criar campos de fragmentos muito perigosos, a ponto de que as órbitas baixas podem deixar de ser viáveis. 

É por isso que vocês evitam uma estratégia para uma constelação de órbita baixa (LEO)?

É um dos fatores. Não é o que nos impede de avançar em uma estratégia para LEO, mas estamos convencidos de que podemos manter uma estratégia multi-órbita com órbitas médias e geoestacionárias. No futuro podemos até incluir LEO, temos trabalhado em projetos menores. Mas temos que estar atentos sobre a viabilidade de serviços de satélite em órbitas baixas nesse ambiente.

Que tipo de projeto vocês estão olhando para LEO?

Por exemplo, em uma constelação que possa dar suporte a operações de computação quântica, que devem começar a surgir em cinco ou 10 anos. Elas precisarão não apenas de conectividade, mas também possibilitarão a quebra de padrões de criptografia de forma muito mais rápida, e com isso uma forma de assegurar segurança para sistemas criptográficos será a distribuição de chaves por satélite, que ficarão isolados de outras redes e podem acessar qualquer ponto da Terra. Há muitas implicações no desenvolvimento da computação quântica  e vejo muitas oportunidades para o setor de satélites.

O mercado de satélites parece passar por um processo de verticalização de empresas de satélite adquirindo empresas de serviços. Qual a sua visão sobre isso? Haverá um processo de concentração horizontal também?

Nós temos sido muito criteriosos sobre os mercados que queremos atender diretamente e quais aqueles que queremos atender com parceiros. Há duas verticais onde temos uma estratégia de atender diretamente: cruzeiros, em que temos a constelação O3b, e serviços de governos. Já temos uma atuação em serviços voltados para governo nos EUA e Europa e a aquisição da DRS GES (comprada em março por US$ 450 milhões)  se encaixou muito bem nessa estratégia. O foco é nos EUA, porque é o mercado que mais compra capacidade satelital comercial e serviços de apoio a aplicações governamentais. Mas é natural supor que o que desenvolvemos nos EUA será aplicado também em operações na Europa e em outros mercados, como o Brasil. 

Como vocês pensam em oferecer serviços de satélite internacionalmente para governos considerando que questões como soberania e segurança nacional parecem mais relevantes hoje?

Acho que já mostramos que é possível. Mudam os requisitos em cada país, mas em geral o que é fundamental é uma presença local forte. Nos EUA, por exemplo, como uma empresa europeia, temos uma operação baseada em Washington regulada sob as leis norte-americanas. Se oferecemos serviços de governo nos EUA, certamente podemos oferecer em qualquer mercado, e de fato já atendemos a mais de 30 países, em maior ou menor escala. Vejo que os governos estão entendendo cada vez mais o significado e importância do espaço e das aplicações por satélite, o papel estratégico, as questões de soberania e fronteiras. Essa é uma discussão crescente na Europa e vimos que com a invasão russa na Ucrânia, houve interrupções de comunicações por fibra. Com uma camada espacial, há uma proteção adicional a esse tipo de problema.

A situação na Ucrânia afeta vocês? Como a guerra afeta o setor de satélites?

Temos um time de operações na Ucrânia e isso é sempre um motivo de preocupação, sobretudo por aqueles que decidiram ficar. Mas também ficamos felizes por conseguir manter o serviço de broadcast para a Ucrânia e assegurar informação para o país. Já havíamos percebido essa importância durante a pandemia, quando 1 bilhão de pessoas por dia dependeram dos nossos serviços por satélite para se manter informada. Em um caso de guerra, é ainda mais dramática essa dependência. Houve ataques nos centros de broadcast locais e conseguimos manter as operações a partir de outros países, e também operações de governo com o GovSat, sem falar nas questões humanitárias de populações em migração. Mas a guerra deve ter um impacto importante para a indústria de satélites, não só em lançamentos, mas na tecnologia como um todo, porque a Rússia é um país relevante nesse quesito, vide a Estação Internacional Espacial, os lançadores Soyuz e a colaboração com a Agência Europeia. Com certeza essas relações estão quebradas nesse momento e vai ser uma recuperação longa, então nada de bom virá dessa situação. Os países precisarão repensar suas cadeias de suprimento e parcerias com certeza.

Para finalizar, o que você apontaria como tendências para as quais a SES vai olhar nos próximos anos além de comunicações?

Buscamos sim uma diversificação, em linha com a nossa missão de “fazer o extraordinário no Espaço para entregar experiências extraordinárias em qualquer lugar”. O extraordinário nesse caso é fazer coisas além do que as redes terrestres fazem. Mas nosso propósito não é desenvolver ciência, porque há outros que estão fazendo isso. O que estamos interessados e olhando com atenção é a integração 5G/espaço, e como desenvolver capacidade nessa área; e segurança e distribuição de chaves criptográficas, como mencionei antes, é algo que pode ser muito promissor.

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