Novos documentos vazados pelo ex-colaborador da agência de segurança norte-americana (NSA), Edward Snowden, afirmam que o governo dos Estados Unidos teria espionado a fornecedora chinesa Huawei em busca de correspondências internas e até obtido código-fonte para acessar backdoors em equipamentos. Segundo reportagem publicada no último sábado, 22, no jornal The New York Times e pela revista alemã Der Spiegel, as autoridades do governo de Barack Obama conseguiram "tantos dados" que não "sabiam o que fazer com isso".
A invasão teria acontecido também porque a companhia é fornecedora de infraestrutura de países alvos da NSA. Na verdade, a empresa é a segunda maior fornecedora no mundo, atrás apenas da norte-americana Cisco. Vale lembrar que no Brasil a Huawei fornece não apenas aparelhos (como smartphones e modems) para consumidores finais, mas também infraestrutura para as operadoras. Somente no 4G, a companhia fornece equipamentos para a Claro (nas regiões Nordeste e Centro-Oeste; além dos Estados de MG, ES, PR e SC), TIM (Sul, RJ e ES) e Vivo (Sul e Nordeste, com exceção da BA; e RJ).
Segundo a imprensa norte-americana e alemã, a NSA teria inclusive conseguido acesso ao código fonte de equipamentos eletrônicos da empresa, ou seja, uma backdoor para ser utilizada na obtenção de escutas nas redes instaladas. A ação foi motivada por um temor de que, com a infraestrutura da fornecedora sendo usada em vários mercados, a China teria poderes de "sinais de inteligência" (Sigint, no jargão da agência), ou seja, de possível uso de backdoor para realizar escutas da mesma forma como a própria entidade norte-americana estaria alegando ter feito.
Interceptação
A operação da NSA foi batizada de "Shotgiant" e visava encontrar também conexões entre a Huawei e o governo da República Popular da China – algo que os documentos vazados por Snowden, datados de 2010, não comprovaram. O governo dos EUA teria obtido acesso em janeiro de 2009 a uma rede interna, por onde passaria toda a comunicação eletrônica da fornecedora na sede em Shenzhen, centro industrial da China. A agência norte-americana teria interceptado, inclusive, e-mails do fundador da Huawei, Ren Zhengfei, e da chairwoman Sun Yafang. A ação teria ainda copiado uma lista de 1.400 clientes e documentos internos com treinamentos para o uso de produtos da empresa.
Em comunicado, a Huawei afirma que condena o monitoramento dos EUA e que as redes corporativas da empresa estão "constantemente sob provação, já que recebem tentativas de ameaças vindas de diferentes fontes". A empresa diz que discorda de atividades "que ameaçam a segurança das redes" e que trabalha com governos e clientes de forma aberta e transparente. "Como outras corporações, nós estamos continuamente bloqueando, limpando e reforçando nossa infraestrutura de (prevenção a) ataques cibernéticos".
Em um comunicado atribuído ao executivo sênior da empresa nos Estados Unidos, William Plummer, e enviado ao New York Times e Der Spiegel, a fornecedora diz que não sabia das ações da NSA. "Se tal espionagem realmente aconteceu, então é sabido que a companhia é independente e que não há ligação incomum com qualquer governo, e esse conhecimento deveria ser repassado publicamente para acabar com uma era de desinformação e informações erradas", disse Plummer às publicações.
Histórico
A indisposição do governo dos EUA em relação a empresas chinesas não é de hoje, e a Huawei vem lidando com isso pelo menos desde 2005, quando a corporação de pesquisas Rand afirmou ter identificado companhias que teriam ligações com os militares na China, chamando-as de "triângulo digital" e incluindo a fornecedora. Em 2007, a NSA teria começado a Shotgiant, e daí por diante a ofensiva se intensificou.
Os Estados Unidos bloquearam em 2008 a compra da 3Com pela Huawei, alegando conflitos com a segurança nacional. Em 2010, a administração Obama teria persuadido o governo australiano a encerrar planos de usar infraestrutura da companhia chinesa na implantação de uma rede de banda larga nacional. No ano seguinte, a Huawei divulgou uma carta aberta aos EUA negando envolvimento com o governo da China, convidando uma investigação para confirmar isso. Mas em 2012, a Casa Branca produziu um relatório aconselhando a "bloquear aquisições, ofertas de compras e fusões" com a Huawei, excluindo seus equipamentos de sistemas nos EUA.
Ano passado, o governo norte-americano teria também incluído uma cláusula condicional na aprovação da compra da Sprint Nextel pela japonesa Softbank: não usar equipamentos da Huawei. No mesmo período, o vice-presidente Joe Biden teria feito uma viagem a Seul para influenciar o governo da Coreia do Sul a evitar um contrato com a companhia chinesa para a implantação de uma rede avançada de telecom.