SXSW: as tendências tecnológicas e os dilemas para a sociedade

Fabio Sa Cesnik, advogado e sócio do escritório CQS Advogados

Evento que acontece anualmente no Texas, o SXSW apresentou na semana passada algumas das tendências e caminhos em termos de tecnologia e as verticais que dela dependem. Além de presenças ilustres como Melinda Gates e o ex-presidente George Bush, o evento contou com a tradicional participação da futurista Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, que anualmente apresenta um robusto relatório com as tendências para o próximo ano. Como o ano de 2020 acabou por acelerar várias dessas tendências, Amy não desenvolveu apenas um relatório, e sim doze. Ela dividiu a apresentação em três grandes grupos de tendências. 

O primeiro reúne inovações relacionadas ao "você das coisas" (you of things), um paralelo à "Internet das Coisas". Dentro dessa vertical estão equipamentos que vão operar mais integrados na nossa realidade e, muito em breve, substituir o smartphone em nossas vidas.  São exemplos dessa constelação de produtos: os smartglasses (Amazon Echo Frames, Apple Glasses, Facebook-Ray Ban, em desenvolvimento), anéis conectados (Echo loop e Google) e pulseiras conectadas (Amazon Halo) e fones de ouvido biométricos (Biometric Airpods).  Os óculos podem dar acesso à antiga tela do celular nas lentes, a pulseira é capaz de detectar emoção através de batimentos cardíacos; os anéis podem detectar permanentemente níveis de oxigênio no sangue, temperatura etc. Em outras palavras: esses aparelhos coletam dados sobre nosso comportamento e estado de saúde.

A Amazon registrou uma patente para identificar o movimento ultrassônico no nosso pulso. Na prática, a pulseira permitirá acompanhar se o usuário está inativo e "cutucá-lo" para continuar o trabalho ou, talvez, conectar com um robô para checar velocidade do trabalhador e avaliar produtividade. Assim como se coloca um marca passo, esses aparelhos poderiam ser implantados no corpo para controlar pessoas em regimes totalitários, por exemplo. Vale checar aqui o que vem sendo desenvolvido pela Neurolink e pelo Facebook nessa direção (BCI – Brain Controlled Interfaces): basicamente, o indivíduo poderá simplesmente pensar em um comando para que a máquina obedeça, sem necessariamente pedir por comando de voz, como acontece atualmente com a Alexa ou Siri.

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Uma série de aparelhos prometem melhorar a qualidade do sono (smart sleep technology). O Ooler reduz a sua temperatura enquanto você dorme, o que promove um sono mais profundo. O lençol esquenta a cama até você dormir e vai baixando a temperatura para que o sono fique mais profundo durante a noite. O  Somonex é uma almofada-robô que simula a presença de outra pessoa na cama. Esses aparelhos são capazes de fazer checagens biométricas do seu corpo para avaliar seu estado de saúde, mas podem ajustar seu batimento cardíaco para um sono mais profundo. 

Saúde em alta

Os dispositivos de maior relevância estão na área da saúde. O Lumen parece um cigarro eletrônico feito para  assoprar. Ele checa seu metabolismo para detectar se você precisa de mais água, mais carboidrato ou o que falta no seu corpo. A Toto – Life anew é uma privada conectada que, acredite, é capaz de fazer um exame de fezes ou urina a cada vez que você vai ao banheiro – e claro, alimentar o computador com dados sobre qual o tipo de alimentos você ingeriu ao longo do dia. A Genican é uma espécie de scanner para instalar no lixo que comanda automaticamente pedidos de produtos que são descartados  –  mas também te alerta se você não tiver reciclando o lixo apropriadamente, por exemplo. Interessante observar que esses dispositivos voltados para saúde são fabricados pelas mesmas Big Techs que conhecemos hoje: os americanos Apple, Facebook, Google, Microsoft ou pelos chineses Baidu, Alibaba, Tencent. Será que a indústria de saúde poderá também passar para as mãos desses conglomerados?  As leis de proteção de dados serão cada vez mais importantes. 

O segundo grupo de tendências está relacionado à realidade expandida (XR). Além dos já conhecidos termos "realidade virtual" e "aumentada", Amy Webb apresentou dois novos conceitos: a realidade assistida e a realidade diminuída.  Um exemplo de realidade assistida seria o GPS, que usamos no carro ou telefone. Porém há casos como o "the mosquito", uma caixa de som instalada em parques públicos que emitem sons em uma determinada frequência que apenas jovens conseguem perceber. 

A realidade diminuída é o inverso da realidade aumentada, ela retira elementos da nossa realidade. Um exemplo conhecido são os fones de ouvido capazes de cancelar o som externo. Hoje já existem janelas de casas capazes de cancelar totalmente o som exterior, alterando ondas de frequências sonoras. Nessa mesma linha, aplicativos já são capazes de retirar do seu campo visual elementos indesejados. Quando  os óculos conectados foram uma realidade, possivelmente vão permitir tirar objetos do mundo real: lixo na rua, por exemplo. Você poderá "apagar" aquela pessoa da mesa do lado no restaurante que está falando alto e atrapalhando seu jantar. A questão aqui é perturbadora: será possível também "apagar" pessoas, raças, para que cada um viva na realidade que bem entenda? 

Nessa linha de diferentes realidades, a mídia sintética também é algo que está se desenvolvendo muito rápido. Hoje é muito fácil criar uma pessoa que não existe, reproduzir você mesmo, treinar essa pessoa  a ser você mesmo. Synthesia, por exemplo, é uma empresa que permite que cada um desenvolva sua própria versão de inteligência artificial; um outro "você" sintético que aprende e se desenvolve. Imagine esse segundo "eu sintético" fazendo algo antiético ou ilegal no mundo virtual. De quem é a responsabilidade? Várias questões legais aqui surgem: quem controla seu "eu sintético" depois da morte? e se alguém desenvolve seu eu sintético e comercializar na rede, de quem é a propriedade intelectual?

Privacidade

O terceiro grupo de tendências constata que o ano de 2020 criou uma nova desordem mundial. A pandemia fez com que aceitássemos menos privacidade quando drones foram colocados na rua em várias cidades para inspecionar se as pessoas estavam circulando e sem máscara, por exemplo. Alguns locais, como Connecticut, nos Estados Unidos, instalaram sensores que capturam indivíduos com febre à distância. Estes equipamentos seguirão invadindo a privacidade dos cidadãos. Em Israel, por exemplo, você só pode ir a um restaurante ou frequentar shows se tiver o registro de vacinação. Se por alguma razão você resolveu não tomar vacina, está praticamente banido da convivência em sociedade. Tudo isso gera questões éticas profundas que precisam ser discutidas.

Esse período acelerou o desenvolvimento da biologia sintética. Agora sabemos que é possível ler genomas, adicionar dados genéticos e, mais importante, escrever novos códigos genéticos para organismos vivos. As vacinas de COVID-19 desenvolvidas nos Estados Unidos não têm partes do vírus, mas inserem o código genético no seu organismo, o que permite você desenvolver a defesa necessária. A tecnologia avançou a ponto de já ter desenvolvido impressoras de códigos genéticos (BioXP 3250 system). Com isso, poderíamos mandar o código genético de uma maçã para marte, imprimir na impressora em outro planeta e plantar a árvore. Esta tecnologia pode representar a revolução das vacinas, mas também a cura de doenças complexas, como o câncer.

Nessa última tendência fica fácil de entender os benefícios, mas os malefícios também são enormes. Vírus e bactérias podem ser desenvolvidos por impressoras. E a propriedade intelectual da criação de clones e vidas, a quem pertence?

Amy Webb trouxe em sua apresentação tanto cenários distópicos quanto utópicos. Ela reforça que não faz previsões, pois o futuro depende exclusivamente das decisões que a sociedade irá tomar no presente. Por isso é fundamental que as pessoas, as empresas e os governos estejam abertos a fazer perguntas constantemente, não apenas no sentido de buscar respostas, mas principalmente para imaginar quais são as possibilidades que se apresentam no horizonte. O Future Today Institute oferece abertamente os 12 relatórios com todo o resultado da pesquisa, que vale conferir no link http://bit.ly/SX2021.  


* – Sobre o autor:  Fabio de Sa Cesnik é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Vice-presidente de Relações Institucionais da Câmara de Comércio Brasil-Califórnia (BCCC). Ex-presidente da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e ex-presidente da Comissão de Direitos Autorais, Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ. Listado pelo Chambers Global Guide principal referência na área de Mídia&Entretenimento de 2010-2019. Membro do California BAR como Foreign Legal Consultant (Consultor em Direito Estrangeiro). Email – cesnik@cqs.adv.br. As opiniões manifestadas neste artigo não necessariamente representam o posicionamento de TELETIME.

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