Após o balde de água fria que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, jogou sobre os planos da Telefônica na área de televisão por assinatura, aparentemente a operadora ficou imobilizada em relação ao lançamento dos serviços de televisão via satélite (DTH) por meio da licença da Astralsat (DTHi).
Advogados e executivos consultados por este noticiário, contudo, opinaram que o assunto está bem nebuloso e, portanto, deixa uma brecha para que a operadora espanhola ainda arrisque o lançamento de seus serviços e espere pela reação do mercado e dos órgãos oficiais. Mesmo porque não está claro se para operar por meio de uma parceria (pelo menos é assim que a Telefônica caracteriza seu relacionamento com a Astralsat) existe algum impedimento regulatório. Apesar das declarações do conselheiro da Anatel Pedro Jaime Ziller de que a Anatel precisa se posicionar sobre isso, fontes qualificadas garantem que não é bem assim, e que no caso da parceria com a Astralsat, a Anatel e o Cade só poderiam criar problemas se ficasse caracterizado o controle ou o abuso econômico após a operação iniciada.
Para alguns advogados, o risco seria mínimo se, enquanto tudo isto é avaliado, o serviço ficasse no ar. Essa posição é admitida hipoteticamente por um executivo ligado à operadora e que não quer ser identificado. Haveria ainda a possibilidade de que a tele buscasse alguma medida judicial liminar garantindo o prosseguimento de seus trabalhos e aguardar pela interpretação do órgão regulador.
Como se sabe, a ABTA, que representa as empresas de TV por assinatura, encaminhou reclamação formal à Anatel contra a Telefônica. Em seguida, o ministro Hélio Costa propôs a criação de um grupo para regulamentar o DTH de forma a permitir maior controle em relação ao capital das operadoras e ao conteúdo a ser transmitido. Como tal trabalho deve durar 60 dias, o ministro pretende que fiquem suspensas neste prazo todas as decisões oficiais acerca do assunto. A Telefônica já não acredita que terá a sua própria licença de DTH este ano, mas apostava que não correria riscos se entrasse em operação por meio da "parceria" com a Astralsat. Agora, aparentemente, começa a avaliar melhor os riscos políticos, ainda que tenha convicção da sua posição do ponto de vista jurídico.
Interpretações diferentes
Da forma como o debate sobre a entrada das teles na TV paga caminhou até agora, cada grupo de interesse resolveu interpretar a legislação como lhe convém. O movimento da Telefônica, entretanto, obriga os órgãos públicos a se manifestarem urgentemente, dizem os advogados. A Anatel terá que proferir decisões muito bem fundamentadas porque, a favor ou contra, terá uma resposta do mercado. ?Começaremos a ver a questão casuística (a imposição da lei no caso concreto)?, diz Regina Ribeiro do Valle.
Em um ponto houve consenso entre todos os experts consultados – ligados à Telefônica ou à TV por assinatura: a competência para legislar sobre o tema é da Anatel, não do ministro, cuja competência é em relação à radiodifusão. ?O ministro extrapolou?, aduziu fonte da operadora.
Para outro advogado, o ministro erra ao dizer que a Telefônica não pode prestar o serviço se não há lei dizendo que ela pode. "A Telefônica diz que vai prestar o serviço por meio de uma licença da Astralsat. Não há nada na regulamentação que proíba sequer o controle de uma tele sobre uma outorga de DTH, quanto mais uma parceria. Se não existe lei, como diz o ministro, aí é que a Telefônica pode operar despreocupada", diz um especialista.
Regina Ribeiro do Valle explica que a manifestação do ministro tem que ser por meio de decreto ou ato do Executivo. Ela ponderou que talvez Hélio Costa quisesse dizer que a agência, por sua recomendação, tomaria as recomendações cabíveis. ?Quem tem de falar é a Anatel, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Judiciário,? completou.
De qualquer forma, vale lembrar que Pedro Jaime Ziller, conselheiro da Anatel e relator do pedido de DTH por parte da Telefônica, já se manifestou alinhado com o ministro.
Falta de lei
Toda essa situação decorre de falhas na legislação. "O Sistema Telebrás foi privatizado há menos de dez anos e sem questionamento na Justiça. Cada um quis ficar no seu feudo até que os interesses se cruzaram", diz Regina do Valle. Em outros setores há muito mais tempo acostumados à competição, ao contrário, os questionamentos são antigos e há vários processos no Cade, o que já criou jurisprudência. Ela lembra que as operadoras celulares já mudaram de controle várias vezes, ao contrário das empresas de TV paga, que só agora começam o processo de consolidação. Isto afeta áreas que antes estavam tranqüilas. O maior problema é em relação à Lei do Cabo (Lei 8.977, de janeiro de 1995). O MMDS é mais simples, pois é baseado no Decreto 2.196, de abril de 1997, no mesmo dia que nascia o Decreto 2.195, do DTH, alterado por várias portarias posteriores. Tudo isto permitiu que as empresas criassem seus serviços em brechas da lei e aceitas pela comunidade. Não se questionava se resvalaria ou não no serviço do outro, mas agora está incomodando.