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Reclamações em queda: quais as razões?

Consumidor satisfeito, atendimento, customer care, call center

O setor de telecomunicações sempre apresentou índices de reclamação relevantes  junto a órgãos de defesa do consumidor, Anatel e mesmo na Justiça. A base de mais de 300 milhões de usuários/contratos ativos (somando todos os serviços), aliada ao fato de que o serviço se tornou essencial para o dia-a-dia das pessoas, sempre colocou o setor na berlinda das reclamações, com reflexos no relacionamento institucional com o Congresso, níveis de satisfação, concorrência com serviços de Internet, imagem negativa das empresas e marcas etc. Mas existe um fato importante ainda pouco analisado: os números de reclamações estão caindo, consistentemente, desde 2016 em praticamente qualquer indicador que se olhe, em percentuais que superam a própria queda de base vivida pelos diferentes serviços em função da recessão e retração do mercado.

As explicações para esta queda variam conforme a análise. A retração de base em função da crise ajuda a explicar, mas existem outros fatores que passam pela questão regulatória, pela transformação digital e mudança dos processos junto às empresas, planos de ação específicos e mudança na forma como o setor passou a se relacionar com alguns agentes importantes, como Ministério Público e Procons.

Números em queda

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Os números que vêm sendo divulgados pela Anatel em relação às reclamações registradas junto à agência dão uma dimensão do que está acontecendo. De 2016 para 2017 o índice médio de reclamações a cada mil contratos caiu de 0,96 para 0,87. Essa queda se deu em todos os serviços: os celulares pós-pago tiveram queda de 1,37 para 1,14; no pré-pago, a queda foi de 0,28 para 0,25; em telefonia fixa, queda de 1,85 para 1,55; em banda larga fixa, redução de 2,05 reclamações por 1000 usuários para 1,81 e; em TV por assinatura, queda de 2,31 para 2,16 chamadas por 1000 contratos entre os anos de 2016 para 2017.

Importante notar, contudo, que entre 2012 e 2016 houve um aumento expressivo nos indicadores de reclamação de todos os serviços, mesmo quando os dados são ponderados por 1000 contratos/assinantes, o que significa que, apesar do aumento absoluto esperado com o aumento expressivo na base de clientes, houve uma degradação significativa nos indicadores naquele período, o que parece que agora está se revertendo. Além disso, ressalte-se que o setor de telecom ainda não voltou aos índices de reclamação que existiam em 2012, quando a Anatel passou a fazer o acompanhamento, exceto na telefonia móvel pós-paga.

Mas quando se olha a tendência em 2018, percebe-se inclusive uma aceleração na redução destes indicadores de reclamações junto à Anatel. Comparando o primeiro trimestre de 2017 com o primeiro trimestre de 2018, a queda nos indicadores de reclamação registradas junto à agência foi relevante: no celular pós-pago, a queda foi de 1,24 para 0,91; no pré-pago, de 0,25 para 0,24; na telefonia fixa, 1,6 para 1,4; na banda larga fixa, 1,88 para 1,67 e; na TV paga, 2,23 para 1,85. Note-se que os indicadores são todos menores em junho de 2018 do que eram no final de 2017.

Tabela – Índice de reclamações / mil usuários

2012201320142015201620172018
Celular Pré-Pago0,110,150,150,240,280,260,24
Celular Pós-Pago1,381,370,971,361,371,150,91
Telefonia Fixa1,341,851,661,941,851,551,40
Banda Larga1,441,881,692,392,061,811,67
TV por Assinatura1,081,341,432,562,312,161,85

Fonte: Anatel

 

Outros indicadores

Quando se olha outros parâmetros, também houve quedas significativas: dados da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, também mostram queda no último semestre superior a 10% em relação ao primeiro semestre de 2017, enquanto outros setores tiveram aumentos de reclamação da ordem de 13,65%. Quando se olha o portal Consumidor.gov, o setor de telecom teve um aumento de 29,34% no volume de reclamações, o que se explica aumento do uso da plataforma, que passou a ficar mais conhecida, mas ainda assim foi um aumento menor do que o registrado em outros setores, cujo índice de reclamações aumentou 47,35%. No total, o Consumidor.gov teve um aumento de 40% no volume de reclamações, mas o setor de telecom teve uma retração de 3 pontos percentuais no montante de queixas, respondendo hoje por cerca de um terço do total.

Outro dado relevante é a queda no volume de ações na Justiça. Conforme dado do CNJ, existe uma diminuição consistente desde 2014, quando houve uma queda de 11,4% na quantidade de novos processos relacionadas ao setor de telecomunicações para o ano de 2015, depois uma nova queda de 18,9% para o ano de 2016 no total de novos processos e, para 2017, uma nova queda de 24,5% para 2017. Os dados de 2018 ainda não estão disponíveis. Ainda assim o setor ainda tem um número relevante de novas ações na Justiça em 2017: 167,8 mil. Como comparação, no mesmo ano houve no CNJ o registro de mais de 1,3 milhão novos processos referentes a direitos do consumidor, em que algumas ações podem dizer respeito ao setor e não terem sido classificadas devidamente pelo CNJ. De qualquer forma, os indicadores de telecomunicações mostram uma queda mais acentuada no volume de ações do que bancos e planos de saúde, por exemplo.

Tabela – Novas ações na Justiça

Assunto2014201520162017? 14-15? 15-16? 16-17
Telecomunicações309.373274.057222.353167.877-11,4%-18,9%-24,5%
Bancos483.913462.768473.434383.232-4,4%2,3%-19,1%
Planos de saúde209.427113.898103.895136.823-45,6%-8,8%31,7%
Contratos de consumo1.844.3911.376.2791.390.5451.300.733-25,4%1,0%-6,5%

Fonte: CNJ

Causas

Se por um lado é fácil verificar nos dados a queda no volume de reclamações, a tarefa fica mais complicada na hora de explicar as causas para este fenômeno. Os indicadores, obviamente, variam de operadora para operadora e em relação aos serviços, podendo ter havido períodos de aumento individuais, mas no longo prazo a tendência se verificou em todas as empresas e serviços em maior ou menor escala. Este noticiário conversou com algumas fontes das empresas que atuam junto à Anatel e nas áreas de qualidade para entender os motivos por trás dos números. Existe ainda um certo resguardo em relação a abrir publicamente as estratégias, mas algumas explicações coincidem.

A primeira é que, por conta da recessão e da dificuldade de expansão de base a partir de 2015, focar no atendimento e na qualidade de serviço passou a ser prioridade, seja para evitar a erosão mais acentuada dos assinantes, seja para evitar ataques da concorrência. Um executivo explica que, quando as operadoras crescem, a prioridade é sempre  conseguir o maior número de clientes, mas quando o mercado entra em estagnação e o crescimento fica impossível, as empresas tendem a se focar mais no atendimento. Outra especulação ouvida por este noticiário é que, com o fim das assimetrias de interconexão, que criavam o “efeito clube” para usuários de celular (quando havia uma guerra para fazer com que o maior número de linhas fosse colocada no mercado), aliada à ampliação da oferta de pacotes combinados de vários serviços, as promoções teriam sido melhor comunicadas e se tornaram mais claras.

Transformação digital

Ao mesmo tempo, ao longo dos últimos anos, todas as operadoras, em maior ou menor grau, investiram em novas plataformas digitais de relacionamento com o consumidor. Seja para a contratação de novos serviços, mudanças de planos, chamadas técnicas, acompanhamento de serviços, divulgação de valores etc. Esse processo de transformação digital é apontado como determinante na melhoria dos indicadores setoriais e tem evitado que a insatisfação dos clientes se reflita em ligações à Anatel, acesso aos órgãos e ferramentas de defesa do consumidor ou mesmo abertura de ações na Justiça.

Em 2014 a Anatel estabeleceu o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor, um regulamento muito criticado na época pelas empresas por estabelecer uma série de procedimentos e obrigações em relação ao tratamento de questões relacionadas ao atendimento ao consumidor. É difícil de dizer se estas obrigações estão diretamente ligadas a esta queda nos números de reclamação de lá para cá, mas uma percepção existente dentro da agência é que se, de um lado, houve mais obrigações e regras mais duras, de outro o RGC fortaleceu dentro das empresas as áreas de defesa do consumidor, que passaram a ter não apenas uma interação direta com a agência, como argumentos para disputar espaço com departamentos de marketing e tecnologia, o que pode ter contribuído para que o tema de atendimento e qualidade de serviço ganhasse mais relevância e apresentasse mais resultado.

Para Elisa Leonel, superintendente de relações com o consumidor da Anatel, o estabelecimento de um regulamento contribuiu para a melhoria nos índices, mas não foi este fato isolado que trouxe os resultados. Ela explica que houve uma série de ações que podem ter afetado os números. E descarta a possibilidade de que a agência tenha atendido menos chamadas, por conta das restrições orçamentárias. “Não faltaram recursos para os canais de atendimento da Anatel”, diz.

Como fatores positivos para os números, explica a superintendente, houve por exemplo uma aproximação entre o setor de órgãos como Ministério Público e Procons, o que fez com que as questões de qualidade de serviço e atendimento tivessem outro nível de prioridade dentro das empresas. Um dado interessante é a composição dos Conselhos de Usuários criados em 2013 pela Resolução 623. Existem 30 conselhos em operação hoje para oito operadoras diferentes. Ao todo, há 344 representantes da sociedade e órgãos de defesa do consumidor em todos os conselhos, dos quais 82 cadeiras são preenchidas por Procons, representações da OAB e defensorias públicas. Essa proximidade entre operadoras e instituições consumeristas tem também influenciado as decisões das operadoras e eventualmente ajudado a melhorar os índices. As operadoras ainda têm críticas aos conselhos dos usuários, mas a relação tem se tornado bem mais fluida do que era no início, quando havia enfrentamentos constantes.

Outra medida apontada por Elisa Leonel como benéfica para a relação entre empresas e usuários foram as ações referentes aos Serviços de Valor Adicionado oferecidos pelas operadoras móveis. Ao longo de 2016 e 2017 estes serviços despertaram um elevado número de reclamações e desde o ano passado a agência e empresas passaram a trabalhar em medidas de ajuste de comportamento, com planos de ação, desenvolvimentos de ferramentas de gestão e acompanhamento entre outras medidas propostas em planos de ação entregues em abril deste ano.

As operadoras ainda brigam por um processo de desregulamentação e flexibilização das regras de relacionamento com os usuários. Entendem que o RGC avançou em questões operacionais que são de difícil implantação e exigem das empresas um volume grande de pessoal e investimentos para atender às exigências regulatórias. Advogam que haveria caminhos mais simples e menos custosos de chegar aos mesmos resultados e querem que esta visão prevaleça na revisão da Resolução 632/2014, que estabeleceu o RGC e está em processo dentro da agência. Mas reconhecem (e comemoram) as melhoras nos índices de reclamação, que parece não ser um fenômeno pontual.

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