Os grupo de telecomunicações não gozam de boa imagem junto a formuladores de políticas, sobretudo no Congresso, e são constantemente criticados por entidades de defesa do consumidor. Ao mesmo tempo, a competição com serviços de Internet se torna cada vez mais intensa, e a resposta das teles ainda é lenta. Para José Félix, CEO do grupo América Móvil ,é possível melhorar a imagem pública do setor e é possível fazer o que as empresas de Internet estão fazendo. Mas tudo isso passa por mudanças que o próprio setor precisa abraçar. Nas perguntas a seguir, ele fala sobre estes desafios e do quadro competitivo em relação às outras teles, os embates com o governo e sua visão sobre o futuro do mercado.
TELETIME – Em termos de produtos, o setor de telecomunicações tem muita dificuldade de inovar, e por isso perde espaço para as empresas de Internet. Como vocês enfrentam isso?
Não somos nem mais burros nem mais inteligente do que ninguém. Tudo o que está acontecendo no mundo a gente acompanha. O grande desafio não é enxergar e dizer que existe. O desafio é fazer. O quanto antes a gente conseguir fazer novas coisas e extrair das redes informações, melhor. A gente está se aprofundando em advanced analytics, trabalhando com big data, estamos olhando a rede de uma outra forma, para ter informações para novos produtos. O grupo tem, no México, pesquisado novas formas de fazer publicidade, temos um projeto de buscar novos nichos de receita a partir das informações dos clientes, de maneira anônima. Isso tudo está encaminhado, mas de concreto mesmo só as empresas de Internet estão fazendo. O resto está atrás. Mas no fim todos vão chegar no mesmo lugar.
Onde está a grande ameaça para uma empresa de telecomunicações hoje?
Acho que o grande risco ainda é regulatório. É como lidar com o futuro. Essa ansiedade de estabelecer assimetrias para propiciar eventual crescimento de A ou B. O que vemos no mundo é um hiper crescimento e centralização daqueles que foram protegido pelo regulador ao não serem regulados, que são as empresas de Internet. Não há dúvida de que eles foram protegidos por uma visão romântica. Pode até ter sido necessário, mas o fato é que eles estão ai, bem grandinhos. Não temos medo do futuro porque certamente faremos todas as transformações que precisam ser feitas. Como detentores da infraestrutura, temos um lugar garantido, porque sem infraestrutura não tem nada. Mas não dá mais para ser romântico. Então o receio agora é a interferência regulatória na competição. Já está todo mundo grande o suficiente. E esses gigantes estão virando perigosamente contra nós. O ritmo de interferências nas nossas vidas é altíssimo.
E o mercado brasileiro, como você enxerga? Duas empresas com uma situação econômica muito delicada (Oi e Nextel), duas empresas ainda não integradas em termos de serviço (TIM e Sky). O que pode acontecer?
Acho que qualquer coisa que eu falasse seria um tremendo de um chute. Ninguém sabe. Ouvi tantas coisas de um ano e meio para cá, tantas idas e vindas, tanta gente interessada e depois muda. Já se falou em Oi vendida, TIM fatiada, TIM juntada com a Sky e Oi… Cada hora se falou uma coisa. Não quer dizer que alguém não tenha trabalhado nisso tudo, mas acho que foi mais exercício. Ninguém sabe o que vai acontecer.
E não é hora de fazer uma proposta ou um movimento?
Sobre a Oi, o grupo já se manifestou. Não tem nada. É hora de não fazer nada, não tem o que ser feito. No status quo, é "do nothing". Essa nossa estratégia está 100% correta diante das peças que se tem ai e dentro da nossa estratégia. Para nós, temos outros movimentos mais simples e com menor risco. Já analisamos a Nextel e não deu certo, mas seria possível conceitualmente. Sem falar em valores, faz sentido em termos de cobertura de rede e não teríamos um market share proibitivo, como seria a gente comprar a Sky, por exemplo. Essa questão da competição é importante, porque algumas operações possíveis não passam no Cade. Pode a Vivo comprar a TIM? Acho que não passa. A Claro juntar com a Oi? Talvez, mas tem problema de frequência. É muito complicado.
Em relação à mudança de modelo de telecomunicações, a coisa parece ter dado uma esfriada. Qual a postura de vocês? Espera?
O meu receio é a gente ser tachado de querer tirar vantagem disso ou daquilo. Então repito o que sempre disse: vemos o projeto, como ele está, sem tirar nacos, benéfico. Nos interessaria como uma coisa que ande. Mas não a qualquer custo, sem que isso fique claro que é positivo para todo mundo. Ele (o projeto) define regras necessárias, se antecipa a alguns problemas. É um projeto sério nesse sentido e resolve impasses. O maior deles é que com regras claras é mais fácil investir no país.
Vocês perderam investimentos pela falta de regras claras?
O país viveu uma fase muito difícil, e isso é inegável. A instabilidade regulatória só traz incertezas. Nunca sabemos o que vem. O governo tem o mérito de querer definir certas coisas, mas tem que ser integral, não cedendo a pressões de opinião pública, pressões políticas. Esse é um dos males do país.
O setor tem uma imagem muito ruim, seja no Congresso, órgãos de defesa do consumidor. O que poderia ser feito para melhorar essa imagem?
Sempre tem que melhorar e acho que a tecnologia no atendimento vai ajudar bastante a melhorar essa visão. Mas o setor cresceu de forma exponencial desde a privatização, e isso gera problemas. Ou você cresce ou você organiza. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo é complicado, e houve inúmeras mudanças de tecnologia, adição de novos serviços… E a gente tenta fazer tudo, desde sintonizar a TV do assinante até resolver um problema em conta. Mas todo mundo quer acertar e as novas tecnologias de atendimento estão ajudando muito isso. Vamos lembrar que em nenhum lugar do mundo o setor de telecomunicações é bem visto, porque a recorrência na mensalidade é sempre algo indesejado, ninguém gosta de ter que pagar de maneira recorrente. Do outro lado, o investimento em uma rede de telecomunicações é uma coisa sem fim, hoje não existe mais rede sem tripla redundância, a tecnologia de acesso precisa ser aprimorada a cada dia. Você teria que chegar a 40% de margem, e com muito custo se chega hoje a 28%, 30% no Brasil. E depois ainda vem imposto…
(Leia o restante desta entrevista na parte 1, parte 3 e parte 4)