Leonardo Palhares, presidente da Câmara Brasileira da Economia Digital (Camara-e.net) se soma aos que enxergam inconstitucionalidade na minuta do decreto do governo federal que pretende criar regras para moderação de conteúdo no Marco Civil da Internet (MCI), prevendo que qualquer conteúdo seja retirado somente por decisão judicial e diz que por trás da decisão do governo haveria também uma visão nas próximas eleições.
"A decisão de Bolsonaro de criar amarras para as redes sociais tem também uma questão eleitoral por trás. O presidente ainda não sabe para qual partido irá. Caso vá para um partido nanico, o candidato Bolsonaro pretende usar as redes sociais como plataforma de campanha. Neste caso, ele quer estar imune a eventuais moderações", analisou o presidente da Camara-e.net.
Na avaliação do advogado, a proposta de texto que circulou nesta semana cria direitos e deveres que ultrapassam a lei federal que pretende regulamentar. "Não há nada no Marco Civil da Internet que proíba provedores de moderar conteúdo e que subordine essa atividade ao pronunciamento judicial", disse Palhares ao TELETIME.
Ele lembra ainda que a moderação não é censura, uma vez que o MCI já prevê responsabilização das plataformas e existem termos de uso pré-definidos. Palhares diz que o governo parte de um entendimento errado, refletindo um debate que ocorre nos EUA.
"O governo considera que a aplicação das regras estabelecidas pelas plataformas é uma espécie de censura. Isso é um debate importado incorretamente dos Estados Unidos, onde há imunidade para provedores e portanto se discute se as plataformas podem ou não moderar conteúdo. Não é o caso do Brasil, onde o Marco Civil da Internet já prevê responsabilização das plataformas. Várias decisões judiciais analisaram e muitas vezes condenaram provedores por moderação ilícita ou abusiva."
Intervenção na economia
Outro aspecto levantado por Palhares é a intervenção, que ele chama de descabida, no modelo de negócios e nos termos das plataformas. "As redes sociais ocorrem em plataformas privadas. O governo com o decreto busca definir os termos das plataformas, em uma intervenção descabida. Para proteger a liberdade (de publicar o que se quiser na rede), a proposta de decreto ofende outras tantas liberdades", afirma Leonardo Palhares.
A medida de impedir a moderação de conteúdo e a retirada de contas vai contra o próprio Marco Civil, que consagra a liberdade de iniciativa, de modelos de negócio e a livre concorrência como princípios da regulação de Internet no Brasil.
A proposta de texto também desconsidera do dinamismo que a rede possui e que a fez se desenvolver e chegar ao nível de hoje. "Ao criar um index do que pode ser moderado, o governo desconsidera que a Internet é dinâmica e novos motivos surgem todos os dias. Algum tempo atrás as plataformas precisaram atualizar suas políticas para poderem excluir vídeos em que pessoas bebiam detergente ou desafios irresponsáveis entre adolescentes. O que irá acontecer amanhã? Não temos como prever", pondera o advogado.
Judiciário no seu lugar
Na sua avaliação, o judiciário deve ser a última palavra, e não a primeira, como quer a proposta de decreto que circulou esta semana. "A velocidade da internet é muito maior do que a dinâmica da Justiça. O decreto só deixaria o Judiciário ainda mais superlotado com questões que podem ser resolvidas com base nas regras dos próprios provedores", diz ainda Palhares.