Embora aparentemente houvesse um consenso de que um novo regulamento seria a única forma de ordenar o emaranhado de cabos suspensos em postes pelo País, desde julho, quando a Aneel rejeitou a proposta recebida da Anatel nove meses antes levando os trabalhos à estaca zero, o tema parece relegado a segundo plano, tanto na agência quanto no Ministério das Minas e Energia que, na época, por conta desta e outras posturas, sinalizou a possibilidade de intervenção.
A Feninfra, que representa empresas de call center e de instalação e manutenção de redes, é um dos poucos players do mercado que se mantêm engajados. Recentemente, ingressou com um recurso solicitando que a autarquia revisse sua decisão. Antes que este fosse negado, a entidade trouxe uma nova abordagem sobre o assunto. Em entrevista ao portal Convergência Digital, sua presidente, Vivien Suruagy, destacou a importância da criação de um marco regulatório, porém observou que o quadro atual resulta, não da ausência de novas regras, mas do não cumprimento pelas concessionárias de energia das já existentes. Citou várias delas. Cabe aqui observar o que determinam.
A Resolução Aneel 1.044/2022 e a Resolução Conjunta (Aneel e Anatel) nº 4/2014, estabelecem que, embora ocupantes de postes – empresas de telecomunicações – devam respeitar as normas técnicas e as regras relativas ao compartilhamento, é obrigação do detentor – as elétricas – zelar para que este se mantenha de acordo com as normas técnicas e regulatórias (parágrafo 1º do artigo 6º e parágrafo 2º do artigo 4º, respectivamente). A primeira norma é mais enfática: "Mesmo com o compartilhamento, a gestão e manutenção do ativo permanece sob responsabilidade do detentor" (parágrafo 3º do artigo 3º).
Isso passa por determinar que os ocupantes realizem a regularização das instalações sempre que necessário, inclusive quanto às classificadas como à revelia. Estas são definidas pela Resolução 1.044 como as que não dispõem de projetos técnicos aprovados. Como sua análise, aprovação e liberação são realizadas pelas concessionárias, supõe-se que elas saibam quais têm esse perfil.
Embora as instalações à revelia sejam vetadas pela Resolução 1.044, as detentoras devem notificar seus responsáveis sobre a necessidade de regularização. Quando estes, assim como demais ocupantes, não realizarem as adequações solicitadas, as concessionárias podem requerer junto às agências responsáveis autorização para retirar o cabeamento. Já quanto às clandestinas – que não dispõem de contratos e projetos com elétricas e/ou que não têm proprietários identificados –, podem fazê-lo sem anuência dos reguladores (artigo 14) e cobrar dos responsáveis, quando possível, os custos resultantes da remoção e eventuais danos à infraestrutura (artigo 18).
Também facilita a identificação de cabeamentos irregulares e a tomada das devidas providências a observância do artigo 9º da Resolução Nº 4: as distribuidoras devem manter seus cadastros de ocupação de fixação de pontos atualizados.
Os regulamentos que tratam sobre a ocupação de postes são, na maioria das vezes, resoluções conjuntas. Todos preveem responsabilidades para distribuidoras e operadoras de telecomunicações. As maiores, porém, recaem sobre as "detentoras" dos postes, que são reguladas, fiscalizadas e, quando necessário, punidas pela agência de energia elétrica.
A gravidade mais que evidente do problema leva a crer que os responsáveis não agiram da maneira que a regulamentação determina. Ainda assim, a polêmica decisão da Aneel não pode ser interpretada como mera recusa em reconhecer a atual situação. Há outros fatores a serem observados.
Desde que foi recebida pela agência, a proposta de regulamento formulada pela Anatel permaneceu "sob vistas". Para dar fim a uma morosidade supostamente injustificável, surgiu o Decreto Presidencial nº 12.068, que determinava a criação do chamado "posteiro", ente corporativo que administraria a ocupação das infraestruturas, tal qual sugerido pelo regulador das telecomunicações.
A decisão que a Aneel tomou na sequência foi orientada pelo voto de seu diretor-geral, Sandoval de Araújo Feitosa Neto, seguido por outros conselheiros. Nele, observou que, mesmo com evidências de comportamentos abusivos por parte de distribuidoras – há queixas constantes de ISPs quanto à demora de aprovação de projetos, prática de preços abusivos por ponto de fixação etc. –, outras que atuam corretamente acabariam por perder o direito de explorar a atividade.
Feitosa Neto argumentou também que o decreto gerava riscos de judicialização, sendo que postes são ativos vinculados à distribuição de energia elétrica, como consta nos contratos das concessionárias, os quais apenas a agência tem competência para regular. Dessa forma, sua gestão cabe exclusivamente às suas detentoras, sem que houvesse justificativas ou previsão legal para que as agências determinassem a cessão de um direito dos titulares.
Se não irrefutáveis, são observações bastante pertinentes. Ocorre que, desde então, não se observa esforços direcionados à criação de um regulamento que contemple a visão da agência nem tão pouco mudanças quanto ao monitoramento das instalações irregulares.
De forma menos assertiva que a Feninfra, o vice-presidente da Abramulti, Jony Cruz, mencionou que a fiscalização do cabeamento instalado em postes é de responsabilidade das distribuidoras. Na ocasião, defendia os provedores que a entidade representa ao ser confrontado por dados da Abradee, segundo os quais 60% das empresas que ocupam pontos de fixação em postes o fazem de forma irregular. A estimativa considerava as que utilizam mais de um ponto por estrutura – o que é vetado pela Resolução Nº 4 (artigo 2º) – e as que não possuem contratos com concessionárias – as clandestinas.
Pode de fato haver empresas que desrespeitam o limite de ocupação de pontos em postes. Mas, se há tal levantamento, que partiu de informações das detentoras, por que estas não tomaram providências? Já quanto às clandestinas, são informações que soam inverossímeis.
Fossem as operadoras totalmente irregulares as principais causadoras do caos no cabeamento aéreo, ele não seria observado, por exemplo, em capitais, onde há domínio das grandes teles que, com ótimo trânsito nos reguladores e nas distribuidoras, fariam o que pudessem para encerrar as operações de empresas que, sem respeitar qualquer regra regulatória, poderiam tomar-lhes clientes que, um a um, são disputados de forma aguerrida.
São frequentes as observações de que boa parte do cabeamento que se acumula a partir de postes resulta da sobreposição do que está inativo e dos novos, que fornecem conexões. Ao não retirar cabos que não têm mais uso, elétricas comprometem uma fonte de receitas. Conforme o parágrafo 2º do artigo 3º da Resolução 1.044 , "o compartilhamento se limita ao uso da capacidade excedente de cada infraestrutura disponibilizada pelo detentor".
Como observou Vivien Suruagy, da Feninfra, IoT, 5G e inteligência artificial demandam novas redes e antenas, sendo que tudo passa pela instalação de cabeamento em postes, o que, na situação atual, está sendo inviabilizado. Aneel e Anatel, como as demais agências reguladoras, foram criadas para garantir que serviços que eram transferidos do Estado para a iniciativa privada respeitassem indicadores de qualidade e a regulamentação vigente. Deixar que empresas atuem sem controle e fiscalização, como atestam os cabeamentos aéreos, não traz bons resultados.
* Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a visão de TELETIME.