Você pediria para um completo estranho, alguém com o qual nunca interagiu, buscar seus filhos na escola e trazê-los para a sua casa? Você investiria em uma empresa com esse modelo de negócios? Parece um negócio fadado ao fracasso, certo? Não necessariamente. Em 2014, três mães fundaram o HopSkipDrive com esse exato modelo de negócio. Eles já atenderam mais de 1 milhão de clientes e, em 2020, captaram US$ 22 milhões e se expandiram para diversas cidades dos Estados Unidos. Para alcançar esse objetivo, eles construíram trust (confiança) no sistema como um todo (e não necessariamente entre motoristas e clientes). Outros exemplos de sucesso na construção de confiança sistêmica são AirBnb, Amazon e Apple iOS.
Um estudo recente do think tank global do BCG, o BCG Henderson Institute (BHI), comprova que há uma relação significativa entre o nível de trust e o sucesso ou fracasso de ecossistemas de negócios: (1) a falta de trust contribuiu para o fracasso de 57 entre os 110 ecossistemas analisados (52%), (2) entre os ecossistemas bem-sucedidos, mais de 60% apresentaram comportamentos cooperativos entre os participantes e mais de 80% incorporaram trust no centro do funcionamento de suas plataformas.
Muitos dos ecossistemas que fracassaram cometeram o erro de ingenuamente supor que cooperação, ancorada em trust, emerge espontaneamente, apenas com o passar do tempo e sem ações sistêmicas, o que não é verdade. Na realidade, ecossistemas competem em trust, que deve ser encarada como uma vantagem competitiva. Outro erro foi acreditar que a tecnologia sozinha, ou uma ferramenta milagrosa, iriam aumentar o trust da organização exponencialmente, do dia para a noite, quando em 90% dos casos analisados foi a integração do digital (como blockchain e rating) com outras ferramentas não-digitais (como contratos, governança) que garantiram o sucesso dos ecossistemas.
Quando examinamos ecossistemas bem sucedidos, identificamos sete classes de ferramentas que compõem a "caixa de ferramentas" (o trust toolbox):
- Acesso: os ecossistemas de sucesso definem bem quem pode fazer parte deles e quais são os comportamentos aceitos ou não em suas comunidades. O HopSkipDrive, por exemplo, faz uma rigorosa seleção e verificação de antecedentes dos motoristas que querem fazer parte da plataforma;
- Contratos: ecossistemas confiáveis formalizam suas regras em contratos – a popular caixa "eu concordo com os termos e condições" é um exemplo disso;
- Incentivos: a cooperação é incentivada (e recompensada) entre usuários e parceiros. No eBay e na Amazon, fornecedores com boa reputação comandam um premium de preços, por criarem maior confiança entre os consumidores;
- Controle: ecossistemas de sucesso buscam moldar o comportamento dos seus participantes para que a cooperação sistêmica possa emergir. O Uber, por exemplo, indica as melhores rotas para os seus motoristas seguirem, o que faz o passageiro confiar que o motorista não irá trilhar uma rota mais longa e custosa;
- Transparência: os ecossistemas de sucesso tornam o comportamento passado e presente visível para todos os usuários. No Airbnb, isso funciona nos dois sentidos: se você é um convidado e danifica uma casa, outros anfitriões ficarão sabendo. Se quer alugar uma casa, também pode checar avaliações de outros usuários que estiveram lá;
- Intermediação: confiança pode ser criada com a plataforma desempenhando um papel de intermediadora nos "momentos de verdade" da cooperação entre os participantes. A Taobao, plataforma de compras online do Alibaba, atua dessa forma ao reter o pagamento ao vendedor até o comprador indicar que recebeu o produto e está satisfeito com ele. No Brasil, a PagSeguro faz o mesmo.
- Mitigação: como a plataforma evita ou lida com contratempos? A LiveAuctioneers, plataforma de leilões de arte, colecionáveis e antiguidades, tem um amplo programa de proteção que garante os pagamentos realizados em seu sistema.
Se não existe solução mágica ou uma ferramenta que, sozinha, possa gerar um grande aumento de trust nos ecossistemas, por outro lado também não é preciso usar as sete ferramentas indicadas para ser bem sucedido. Em média, entre três a quatro são o suficientes. Para escolher corretamente, é necessário uma análise consistente dos desafios de confiança do ecossistema na dinâmica das interações entre usuários e parceiros.
Um sistema com altos níveis de trust gera ciclos virtuosos a partir da cooperação entre seus participantes, o que reduz a necessidade de orquestração, impulsiona o crescimento e promove grande vantagem competitiva. Antes de alcançar esse estágio, porém, os ecossistemas precisam desenhar seus sistemas com propósitos bem definidos, buscando incorporar trust de maneira ativa em cada etapa e na totalidade dos sistemas organizacionais e empresarias. Trust é, de fato, a base para um negócio de sucesso.
*-Sobre os autores: Marcos Aguiar é sócio sênior do BCG Brasil e Fellow do BCG Henderson Institute e Santino Lacanna é principal do BCG Brasil e Ambassador do BCG Henderson Institute. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente representam a opinião de TELETIME.