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Aprovação do Senado cria dúvidas sobre vigência e implementação da LGPD

Nesta terça-feira, 19, o Senado Federal aprovou o PL 1.179/2020, que prevê, dentre outras medidas emergenciais, o adiamento da vigência da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD). A relatora da matéria, senadora Simone Tebet (MDB-MS) rejeitou todo o substitutivo da Câmara. Mas o destaque aprovado do senador Weverton (PDT-MA) manteve o trecho que trata do adiamento da LGPD aprovado na Câmara, que diz que as sanções só poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021 e suprimiu o artigo original do projeto de lei que previa o início da vigência dos outros dispositivos da lei para janeiro de 2021.

Neste cenário, a aprovação do PL 1.179/2020 no Senado nesta terça-feira trouxe interpretações conflitantes  sobre a vigência e implementação da LGPD como um todo, segundo fontes ouvidas por este noticiário. Isso porque o que a proposta do Senado estabeleceu é diferente do que prevê a Medida Provisória 959/2020, que atualmente prorroga o início da vigência da LGPD para maio de 2021 e segue em vigor. Existem três possibilidades para o equacionamento deste conflito: 1) a MP 959/2020 ser rejeitada expressamente na sua totalidade; 2) ter a parte que trata dos prazos da LGPD suprimida por ser assunto diverso do objeto principal da MP; ou 3) vir a caducar, se não for convertida em lei pelo Parlamento dentro do prazo constitucionalmente previsto. Com a caducidade da MP 959/2020, a LGPD poderia ter sua entrada em vigor já em agosto, prazo original aprovado na legislação em 2018 e reforçada com a decisão do Senado desta semana.

Disputa com o governo federal

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“Ao aprovar a prorrogação das sanções da LGPD para agosto de 2021 e seguir o voto da Câmara dos Deputados para deixar a questão do adiamento da lei em si para âmbito da MP 959, o Senado coloca o assunto no centro do embate político com o governo federal”, avalia o advogado Gustavo Artese, especialista em proteção de dados e sócio do escritório Viseu Advogados. O advogado compreende que a decisão desta terça-feira do Senado aumentou as chances de manutenção da vacatio legis para agosto deste ano (como previsto originalmente).

Artese afirma ainda que a votação de ontem trouxe mais incertezas sobre a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), uma vez que o Congresso precisará ainda votar a Medida Provisória 959/2020, que adiou a LGPD para maio de 2021. “Caso a MP seja rejeitada ou caduque, a LGPD entra em vigor já em agosto. Sem que se tenha criado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)”, ressalta.

Flávia Lefèvre, advogada especializada em direitos digitais e integrante do Coletivo Intervozes, aponta que a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira não pode ter como condicionante a aprovação da MP 959/2020 pelo Congresso. “O projeto de lei aprovado ontem com o destaque do senador Weverton Rocha (PDT-MA), infelizmente, não nos garante que, se a MP 959 vier a ser convertida em lei, a entrada em vigor da LGPD não estará adiada para maio de 2021.

A advogada explica que o tema é de extrema sensibilidade, com reflexos em várias frentes, como a da comunicação, dos serviços públicos, no processo eleitoral e por isso, deveria ter um tratamento mais firme do Legislativo, afim de não deixar determinadas incertezas sobre a vigência de uma lei importante como a LGPD.

Para Fabricio Mota, advogado e representante do Senado Federal no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais previsto na LGPD, a estratégia de deixar a MP 959/2020 caducar é perigosa. “Se o Congresso esperar a MP 959/2020 caducar, teremos uma vacatio legis retroativa e tudo o que ocorrer até o final desse período deverá ser disciplinado por Decreto Legislativo. Esse cenário é de uma insegurança jurídica incomensurável. Esperar a caducidade não pode ser uma opção”, afirma o advogado.

Mota aponta que uma saída para essa insegurança jurídica causada pelo conflito da caducidade da MP seria o Presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) simplesmente não prorrogar a MP ao final do prazo de 60 dias. “Isso evitaria, ao menos, a insegurança jurídica”, diz.

A urgência da LGPD

Laura Schertel, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da área de proteção de dados lembra que o prazo de vacatio legis previsto inicialmente na LGPD era de 2 anos, um prazo mais longo do que de outras leis brasileiras, justamente para permitir ao setor público e privado o tempo necessário para adaptações à nova cultura prevista na LGPD.

“A lei entraria em vigor em agosto deste ano e as empresas estavam considerando este prazo. Foi a prorrogação por um ato precário como a Medida Provisória – que pode ser rejeitada ou modificada pelo Congresso ou mesmo decair se não aprovada – que gerou a alegada insegurança jurídica”. Ou seja, para a advogada, se existe alguma insegurança jurídica hoje, ela surge por conta da publicação da MP e não da LGPD em si. Schertel entende que só a entrada em vigor da LGPD corrige qualquer cenário de insegurança.

Danilo Doneda, advogado e representante Câmara dos Deputados ao Conselho Nacional de Proteção de Dados, destaca que a questão do prazo é puramente formal e chama a atenção que a leitura dada na votação desta terça-feira no Senado deve ser política. “A chave de leitura da situação da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais deve ser a política porque o Senado é uma casa política. Claramente, os senadores e deputados deram recado para a entrada em vigor da lei agora. O Senado fez o que podia ser feito. Foram 62 a 15 senadores que pediram a entrada em vigor da lei imediatamente. E nesse sentido, como a validação da MP depende da Câmara e do Senado, fica evidente que as duas casas não votarão a MP e a deixarão caducar”, diz Doneda.

Ele afirma ainda que o governo federal até o momento só criou empecilhos para a implementação da LGPD. “O governo armou uma ratoeira em que todos caímos. Ele claramente não quer que a LGPD entre em vigor. A publicação da MP cria uma situação que coloca uma série de empecilhos para colocá-la em vigência. Nesse sentido, é preciso cobrar o governo de maneira mais incisiva. Vejo que a forma mais eficaz para isso é colocar urgentemente a LGPD vigente. Isso coloca ao governo o compromisso imediato de instalação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Conselho”, afirma o advogado.

Bruno Bioni, professor do Data Privacy Brasil e consultor jurídico na área de regulação e tecnologia, reconhece que existem inúmeros cenários de insegurança jurídica. “Cabe a nós perguntarmos qual desses cenários é o pior para a sociedade”. Ele acredita que o pior cenário é o que posterga a vigência da LGPD, mesmo ela entrando em vigor sem a ANPD. Bioni lembra que como no Brasil existem vários diplomas legais que tratam de alguma forma de proteção de dados e privacidade, garantir a entrada em vigor da LGPD, que é uma legislação mais sistematizada sobre o assunto, é urgente.

“Diversos casos que foram judicializados recentemente mostraram que não está claro como deve ser o procedimental de tratamento de dados pessoais no Brasil. Se a LGPD estivesse em vigor, com todos os seus procedimentos implementados pelos setores privados e público, teríamos soluções para uma série de problemas e um caso, como o do IBGE e os dados dos clientes das operadoras, não teria necessidade de judicialização”, diz Bioni. “Sendo assim, a conta a ser feita é: qual insegurança jurídica é mais prejudicial para a sociedade? Por isso, garantir, mesmo que com a caducidade da MP, a LGPD para agosto é o melhor, mesmo que seja sem a ANPD”, finaliza o advogado.

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